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FONTES, Maria Cecília Levy Piza. Processo de intervenção urbanística: requalificação do edifício São Vito. Minha Cidade, São Paulo, ano 05, n. 051.04, Vitruvius, out. 2004 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/31.051/1992>.
Em todas as grandes cidades, assim como em São Paulo, os centros históricos foram aos poucos esvaziados, tornaram-se desqualificados e foram, gradativamente, sendo ocupados por uma população praticamente sem renda. A destruição, a demolição e a rápida mudança de uso dos imóveis são os sinais mais reconhecidos desta dinâmica urbana.
Os processos de intervenção urbana onde a tentativa de modificar radicalmente o existente, não surtiram o efeito desejado aos planejadores. Assim também, propostas de revitalização, que transformam os centros históricos em meros cenários, desconsiderando a população residente, têm demonstrando que qualquer tipo de intervenção proposta para estas áreas deve considerar a permanência da população na área onde reside e tem sua subsistência, portanto, evitando a sua expulsão em função da valorização imobiliária.
Analisar este processo de intervenção urbana é a finalidade deste artigo.
Destaca-se que a intervenção adotada foi feita sem deslocar as famílias da área central e viabilizando a reforma do edifício.
O edifício
Assim sendo, para transformar o ambiente dentro dos parâmetros de um desenvolvimento sustentável e com o objetivo de melhorar as condições de moradia na área central, viabilizando-a de forma adequada para garantir a diversidade social, foi implementado o Programa Morar no Centro (1).
No caso do Edifício São Vito, a intervenção realizada faz parte deste processo de recuperação do centro da cidade. Esta reforma do edifício possibilitando sua requalificação, pode-se dizer, é uma iniciativa inédita em São Paulo.
Construído em 1959 pela Zarzur & Kogan numa incorporação com as Indústrias Matarazzo, o São Vito nasceu sob a influência da arquitetura moderna dos anos 50. Como em geral todas as construções da área central, este edifício não recebeu reformas durante muito tempo e sofreu assim, lentamente, um processo de deterioração ao longo dos anos, ficando ocupado totalmente, por famílias de baixa renda.
Em localização vizinha ao Parque Dom Pedro e ao Mercado Municipal, destacava-se na paisagem por seus 28 pavimentos, com subsolo, térreo, sobreloja e 25 pisos residenciais, além da cobertura.
Estes andares residenciais foram construídos cada um com 24 apartamentos, perfazem um total de 600 unidades. Estas, em sua grande maioria eram do tipo “kitchinete”, eram constituídas de sala/cozinha, 1 dormitório e 1 banheiro, com área variando entre 28 e 30 m². A circulação vertical era feita por uma escada e 3 elevadores com paradas intermediárias entre os pisos, de modo a ter um menor número de paradas.
Transformando o edifício
Modificar um edifício totalmente ocupado significa trabalhar com esta comunidade. Por isto, para iniciar os trabalhos, foi necessário mobilizar a população (2) para realizar o Diagnóstico Integrado.
Desse modo, em dezembro de 2002 iniciaram-se os trabalhos agendando-se reuniões, convocadas por meio de visitas domiciliares e de fixação de cartazes distribuídos pelos andares do edifício. As reuniões ocorreram na casa das Retortas, situada nas imediações, quando foram apresentados os objetivos e necessidades de conhecer a situação do edifício (levantamento físico) e qualificação dos moradores. Posteriormente seriam entrevistados os mais antigos.
Constatou-se assim que a comunidade do São Vito era formada predominantemente por população com renda mensal de até três salários mínimos (61,5%). Das 600 unidades residenciais, apenas 159 estavam habitadas por seus proprietários. Desta comunidade, praticamente a maioria trabalhava na área central, (74,5%). Por sua vez, a população masculina representava 54,54% do total, em oposição a 45,46% de mulheres, embora 38,2% destas fossem chefes de família, sendo que cerca de 32,8% das residências eram ocupadas por apenas uma pessoa. Da faixa etária desta população destaca-se que 30,2% tinham menos de 18 anos e 4,6%, mais de 50 (3).
Dessas considerações foi possível reconhecer o perfil da demanda e a partir destas tecer hipóteses de propostas de intervenção que foram discutidas com os moradores. Entre estas consta também uma proposta de demolição total do edifício, apresentando seus prós e contras.
Amplamente debatida a questão, decidiu-se por reformar o edifício, fazendo a sua requalificação. No entanto, como fazer para executar tal obra, se o edifício estava plenamente ocupado? Qual a melhor estratégia?
Como respostas a estas perguntas, encontrou-se uma parceria entre a Caixa Econômica Federal e o poder público de um lado e de outro com a desocupação programada do edifício, levando-se as famílias para imóveis alugados na área central durante o período de intervenção. À COHAB passou-se a responsabilidade pela coordenação dos projetos (4) e obras. O prédio foi decretado de interesse social em agosto de 2003, iniciando-se em seguida a operação de desapropriação dos apartamentos e lojas, individualmente.
A proposta para a comercialização das unidades reformadas foi apresentada através do PAR - Programa de Arrendamento Residencial.
Este programa da Caixa Econômica Federal propicia o arrendamento (aluguel) de unidades habitacionais por um período de 15 anos. Após este período, pagando-se o equivalente uma mensalidade de cerca e 0,7% do valor do imóvel, o beneficiário pode adquiri-lo, abatendo do total estipulado, o valor já pago (5).
O novo edifício
Um novo edifício em pele antiga. Este é o novo São Vito
Foram definidas as diretrizes de projeto:
Este projeto foi selecionado para representar o Brasil na Bienal de Arquitetura de Veneza.
A desocupação
Era necessário iniciar o processo de desocupação do edifício.
Como atender os moradores sem expulsá-los da região central, possibilitando que depois de terminada as obras, pudessem retornar ao edifício - se assim o quisessem?
Para poder resolver este, e demais problemas semelhantes, a Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano - SEHAB criou um programa que permite, com recursos do Fundo Municipal de Habitação, alugar por 30 meses, imóveis para famílias a serem retiradas de edifícios ou áreas sob intervenção do poder público, através de subsidio no pagamento do aluguel, denominado Bolsa Aluguel.
Em todo o trabalho onde é necessária a remoção de famílias se faz necessária a intervenção através de processo participativo, onde cada um tenha o real conhecimento das intervenções. A equipe de assistentes sociais da Cohab, além deste atendimento usual, montou uma linha direta com diversas imobiliárias que atuam na área central, disponibilizando um banco de imóveis a ser oferecido. Assim, disponibilizou-se um tipo de apartamento, ou casa, para cada tipo de necessidade. Desta maneira, consegui-se, não sem muito suor e dedicação, que todas as famílias deixassem o edifício dentro do prazo previsto.
Como os elevadores do prédio não estavam em condições de funcionamento contínuo, foi instalado um monta cargas externo ao prédio, que atendia todos os andares permitindo a realização das mudanças. Disponibilizou-se, inclusive, uma empresa para auxiliar aqueles que não tivessem condições de fazê-lo por conta própria.
O Bolsa Aluguel permitiu que as famílias procurassem imóveis, de acordo com suas necessidades, recebendo um subsídio variando de R$ 200 a R$ 300,00 conforme a sua renda. A maioria das famílias, 78,64%, optou por permanecer na área central.
Todas as famílias foram retiradas e todos projetos foram finalizados.
Resta agora iniciar as obras e dar continuidade à proposta original.
Requalificar sem gentrificar.
Precisamos mudar o estigma:
“Quem quer morar no Centro não pode pagar
Quem pode pagar não quer morar no Centro"O processo de transformação já se iniciou e está bem encaminhado. Basta aguardar os resultados.
notas
1
Programa implementado pela Prefeitura de São Paulo, através da Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano - SEHAB - que tem por objetivo intervir nos problemas habitacionais da área central. Seus principais objetivos são melhorar as condições de habitação de quem já vive no centro, promovendo a inclusão social da população de baixa renda e atrair novos moradores para a região.
2
Contou-se com a atuação da Diagonal Urbana, sob coordenação da SEHAB - Secretaria Municipal de Habitação.
3
DIAGONAL URBANA. Edifício São Vito - Diagnóstico Integrado e Participativo. HABI CENTRO - PROCENTRO. 2003
4
Por licitação foi contratado o arquiteto Roberto Loeb para desenvolver o projeto completo de reforma.
5
Este programa é dirigido apenas a famílias com renda mensal entre três e seis salários mínimos.
sobre o autor
Maria Cecília Levy Piza Fontes é arquiteta e mestranda no programa de Pós-graduação em arquitetura da Universidade Presbiteriana Mackenzie (orientanda de Gilda Collet Bruna).