Memorial
O nosso projeto para o Centro de Arte Corpo se realiza a partir da análise dos diversos condicionantes pré-existentes, buscando soluções que se constituam em respostas ativas às questões impostas pelo sítio, pelos usos propostos, pela tecnologia da construção a ser empregada e pela necessária relação com as artes e a cultura contemporânea, conforme solicitado no edital.
O lugar
O projeto responde às especificidades do sítio proposto em diferentes âmbitos, a saber:
1 – Da geografia
Relação entre a volumetria e a paisagem
Por permitir visadas desde longas distâncias, o lugar adquire especial relevância na relação da volumetria implantada com a geografia dos morros. Devido às grandes dimensões verticais do conjunto, optou-se por destacar tal volumetria como um elemento escultórico que complementa a paisagem, de modo a reafirmar a importância da implantação deste edifício como indutor de uma nova ocupação do sítio, fundador de uma referência primária à qual as intervenções vindouras podem se referenciar. Devido ao seu caráter escultórico, o conjunto, quando visto à distância, se contrapõe como objeto da cultura à extensa paisagem natural das montanhas e estabelece nesta escala uma relação de fruição que oblitera os aspectos de natureza utilitária que diferenciam a arquitetura de outras artes e acentua sua leitura como um objeto escultural pousado na paisagem. A articulação dos diversos elementos que compõem o Centro de Arte Corpo busca uma composição rigorosa em que a linha definida pelos cortes nos volumes gera uma variedade volumétrica, delineando através da luz e sombra um conjunto de sólidos em aço oxidado que distancia a proposta das soluções arquitetônicas convencionais. Essa estratégia lhe confere uma relevância estética que surge do estranhamento gerado por sua escala atípica, a contrariar as esparsas ocupações que ocorrem no local. Evita com isso um falso mimetismo com o lugar, e se coloca na paisagem como um objeto novo, a complementar a geografia e a paisagem.
2 – Da estrutura urbana existente
As especificidades da malha urbana
O traçado viário, parcialmente implantado, gera no terreno proposto para o Centro de Arte Corpo uma orientação diferenciada na sua extremidade noroeste. Esta diferenciação decorre de uma articulação viária que conforma um triângulo definido pela rodovia que dá acesso ao condomínio Morro do Chapéu, pela avenida Marte a nordeste, lindeira ao terreno na sua extensão mais longitudinal, e pela Rua Despina, que apresenta grande potencial como acesso principal ao conjunto para quem entra no bairro desde a Rodovia BR040, devido a sua caixa mais larga no trecho inicial e a uma praça/rotatória prevista no projeto original de urbanização.
As vocações diferenciadas do sítio
A confluência deste conjunto de vias de acesso ao Centro de Arte Corpo diferencia potencialmente três trechos urbanos com vocações distintas: um periférico, fortemente delimitado por um lado pela área de preservação voltada para a paisagem e por outro pela barreira imposta pela rodovia BR040, cujo caráter local imposto por esses limites sugere um uso predominantemente residencial; um central e lindeiro aos eixos naturais de acesso ao Centro de Arte Corpo, cuja itinerância provocada pelo elemento indutor inicial, associada à crescente urbanização e adensamento da região, sugere um uso comercial, a configurar um centro local de comércio e lazer que complementaria a atividade cultural do Corpo; o terceiro, resultado da confluência entre essas vias de acesso, define uma área interiorizada triangular que, como a primeira, apresenta menor potencial para o comércio, a sugerir uso residencial ou institucional.
Grupo Corpo: foco ordenador da ocupação
Desta análise da malha viária projetada verifica-se que a quadra destinada ao Centro de Arte Corpo, devido à sua especificidade como finalização dos percursos, adquire relevância maior como foco para onde toda a estruturação urbana converge e de onde as atividades principais irradiam. A fim de reforçar tal peculiaridade, propõe-se um tratamento paisagístico destas duas vias principais com arborização uniforme, com ipês amarelos ou brancos, a enfatizar as direções predominantes que o espaço urbano indica para a ordenação das ocupações vindouras.
A ocupação do terreno a partir das referências da estrutura urbana
Esta peculiaridade da malha viária e sua conseqüente repercussão no terreno proposto permite a diferenciação clara entre a Sede do Grupo Corpo, mais interiorizada e implantada no sentido norte-sul, lindeiro à rua Despina e voltada integralmente para a extensa paisagem a nordeste, e o Centro Cultural, cujas transições se voltam para a grande praça pública. Essa praça é gerada pela organização linear dos seus blocos principais, orientados no sentido noroeste-sudeste, lindeiros à Avenida Marte. De dimensões generosas, pode abrigar os mais variados eventos, desde exposições a apresentações externas e cine-grátis.
O paisagismo como elemento de caracterização do espaço público
O paisagismo proposto busca a máxima neutralidade, diferenciando duas áreas principais: a primeira, mais árida e aberta, junto à galeria, permite a realização de eventos e exposições ao ar livre; a segunda, fartamente arborizada, cria a possibilidade de ocupação do espaço da praça como uma extensão do Centro Cultural. Outro aspecto que caracteriza a estratégia adotada para o paisagismo é a utilização de pavimentações impermeáveis apenas nas calçadas e acessos principais, privilegiando o tratamento de todo o espaço de praça com saibro, que se integra à matriz escultórica trabalhada no projeto. Além disso, permite uma apropriação mais livre e flexível do espaço, apresenta fácil manutenção e grande permeabilidade para as águas de chuva.
Espaços públicos como meio de integração entre o edifício e a circunvizinhança
Outro importante aspecto que surge da consideração do espaço urbano é a abertura proposta, que visa a não distinção entre frente e fundo, buscando uma integração equilibrada entre o projeto e o conjunto adjacente, a evitar o confinamento excessivo dos espaços públicos. Essa estratégia reforça o caráter atípico da intervenção, permitindo novas ocupações nos terrenos da circunvizinhança com atividades complementares ao conjunto. Para isso, procurou-se, através das fendas escultóricas que seccionam os volumes, fragmentar a massa construída a fim de estabelecer conexões entre seus dois lados, de modo a ampliar as possibilidades de apropriação do espaço público pelos futuros habitantes das quadras adjacentes.
3 – Da relação entre o edifício e o espaço público
As fendas como demarcações das transições entre público e privado
Ao estabelecer um contraste radical entre os grandes volumes que abrigam as atividades propostas e os vazios e fendas que seccionam as massas edificadas, o conjunto demarca enfaticamente seus intervalos entre interior e exterior, definindo gradações entre os domínios público e privado. Assim, os acessos principais de teatro – público e stage door - , Centro Cultural e Galeria são indicados pelos cortes, que se ampliam em generosas varandas a serem ocupadas em dias mais quentes. No Grupo Corpo, a transição entre interior e exterior se faz através da fenda que marca o acesso principal, orientada na direção da Rua Despina, como foco e objetivo final do citado percurso de acesso ao conjunto, revelando através da visão das copas das árvores o generoso pátio interno aberto que ambienta todo o edifício. Em contrapartida, os acessos de serviço – docas, pátio de estacionamento – evitam as fendas e se dissimulam na volumetria, ora através de portas opacas em aço SAC-41, com a mesma paginação externa dos volumes, como no teatro e galeria, ora através de breve interrupção no talude ajardinado, como é o caso do Grupo Corpo.
4 - Das características geomorfológicas do sítio
Inexistência de infra-estrutura de drenagem e afloramento do lençol freático
Toda a área do bairro Vale do Sol conforma uma bacia para a qual as montanhas da região fazem convergir as águas de chuva que, devido à inexistência de infra-estrutura de drenagem à escala do bairro, provoca constantes alagamentos. Associado a isso, um forte agravante é o afloramento do lençol freático, a inviabilizar ocupações em subsolo, como apontado na primeira fase do concurso. O diagnóstico dessa situação, se em um primeiro momento indicava a ocupação térrea, a evitar os subsolos, em uma análise mais abrangente e mais profunda da questão aponta para outros questionamentos. A partir da implantação do Centro de Arte Corpo, o bairro tende a um processo de transformação e maior adensamento em virtude da valorização que um empreendimento de tal porte gera no lugar, produzindo maior área de superfícies impermeáveis. Tal fato tende a um agravamento da situação, exigindo uma gestão que extrapola o projeto do Corpo.
Medidas de controle e gestão urbana necessárias
O breve diagnóstico acima conduz a uma abordagem urbana que atue à escala do bairro, exigindo pelo menos duas medidas: a primeira, atuante sobre a infra-estrutura urbana, consiste da construção de infra-estrutura de drenagem da região, conduzindo as águas pluviais às voçorocas regeneradas a norte. De execução complexa, exige um lançamento cuidadoso das águas captadas do modo mais disperso possível a fim de evitar a erosão do relevo. A segunda, de natureza preventiva, deve buscar regular de modo mais restritivo os índices e parâmetros urbanísticos relativos à permeabilidade do solo, buscando privilegiar ocupações que liberem mais o solo para a infiltração natural das águas. Contra essa tendência aparece um aspecto de ordem estrutural: as dimensões dos lotes individuais do bairro, que devido a sua pouca área – 360 m2 em sua maioria – fragmentam a ocupação em pequenas construções individualizadas que conduzem naturalmente a uma maior permeabilidade do solo. A fim de minimizar o efeito que este tipo de ocupação provoca, seria desejável a criação de mecanismos que induzam outros tipos de ocupação através de incentivos como a isenção progressiva de impostos – mais especificamente IPTU – para ocupações de áreas mais extensas com construções de maior porte. A associação desse mecanismo a um ligeiro aumento na altura edificada, que pode se limitar a uma altura entre 9 e 12 metros, permitiria os mesmos índices de aproveitamento do solo atuais com maior liberação do terreno, evitando-se com isso o agravamento da situação da drenagem e induzindo um novo tipo de ocupação mais coerente em escala com o elemento indutor inicial definido pelo Centro de Arte Corpo.
Os usos e articulações do espaço interno
Em relação aos usos, este projeto busca o atendimento às recomendações da Comissão Julgadora, estabelecendo maior integração entre as partes através da definição de um percurso coberto possível desde o teatro até a Sede do Grupo Corpo, sem contudo abrir mão da estratégia da partição que individualiza cada bloco e viabiliza sua execução em etapas. Além disso, busca também responder mais adequadamente às especificidades do programa de modo individualizado em relação a cada uma das partes principais, a saber:
1 – Teatro
Reproposição da ambientação e proporção das áreas de apoio
A fim de otimizar a relação entre palco e as áreas de apoio, a área prevista para o depósito foi reproporcionada, com maior largura e melhor acesso ao palco, que passa a ter uma das coxias laterais alargadas, de modo a caracterizar um apoio extremamente desejável nos momentos de montagem. Essa diferenciação das coxias é associada a uma nova ambientação para camarins e áreas de apoio, com aberturas para o exterior através da vedação externa em chapa perfurada, a assegurar maior privacidade ao espaço interno.
No Foyer a madeira bruta é o material do piso, de modo a enfatizar a continuidade espacial entre este espaço e o grande hall do Centro Cultural e a melhorar consideravelmente sua ambiência e minimizando a frieza excessiva que a utilização exclusiva do aço ocasionaria.
2 – Centro Cultural
O espaço interno do Centro Cultural foi completamente remodelado, buscando equacionar os seguintes aspectos:
Integração entre os espaços de uso público
Propõe-se uma maior integração entre todos os espaços de permanência, configurando um espaço mais livre e flexível que permita maior fluidez de percursos entre foyer do teatro, café, restaurante, cinemas, lojas e galeria. Para isso, optou-se por uma reproposição completa do partido interno, que eliminou a excessiva linearização dos espaços do programa sem necessariamente alterar as proporções da forma, definindo uma seqüência de espaços que, devido à adoção da rampa habitável integra os dois pavimentos através do grande vazio sobre a rampa. A localização dos espaços de comercialização sobre a rampa favorece seu uso como numa rua com ligeiro aclive.
Concentração das áreas de apoio
A eliminação das zonas mortas se dá através do reposicionamento das áreas de serviço e apoio – cozinhas, sanitários, vestiários, central de segurança – sob a rampa que promove a continuidade espacial do conjunto. Esse recurso reforça a integração dos espaços principais por concentrar espaços fechados em um único volume, liberando os demais espaços para as atividades de público.
Integração e fluidez entre praça e espaço interno
Procurou-se uma maior integração entre interior e exterior ao nível térreo, de modo a favorecer que, quando o clima permitir, as atividades se estendam naturalmente para a praça, que recebe no trecho adjacente ao Centro Cultural farta arborização. Essa integração passa a ser mediada por fechamento em vidro com grandes aberturas pivotantes, a conciliar de modo eficiente a demanda pela integração e os rigores eventuais do clima.
Reproposição da ambiência dos espaços internos
A utilização de madeira bruta como segundo material propõe-se a resolver o revestimento do volume da rampa e todos os demais pisos das áreas públicas, eliminando acessórios de natureza ornamental e melhorando a ambiência dos espaços internos.
3 – Galeria
A solução da Galeria/Oficina foi reproposta buscando-se preservar as proporções gerais do espaço, cuja longitudinalidade contribui para as atividades ali imaginadas. Destacam-se as seguintes modificações:
Fechamento total do espaço interno
A caixa metálica passa a se assentar no solo, permitindo seu total fechamento. Um corte no volume define um paralelepípedo menor que, deslocado da massa principal, abriga espaços de apoio - sanitários, guarda-volumes, depósito - e define o início de uma circulação lateral que permite a conexão Grupo Corpo – Centro Cultural. Quando desejável integração entre o espaço interno e a praça, essa circulação se abre através de grandes portas basculantes, e as paredes espessas da galeria pivotam.
Alternativas para integração com o exterior
Como alternativas de abertura, além das paredes pivotantes que acessam a praça, destacam-se a porta para acesso de caminhões ao interior da galeria junto à avenida Marte e o conjunto de painéis pivotantes junto à varanda que promove a transição com o café do Centro Cultural. Esta última pode variar do total fechamento, com controle rigoroso de acesso, até a total abertura, em um painel contrapesado que associa todas as portas em uma grande abertura de guilhotina a integrar completamente o espaço interno da galeria à varanda do café.
Medidas para flexibilização de montagens e instalações
A fim de dar suporte a qualquer tipo de montagem e evento que tome lugar na galeria, associou-se à utilização da ponte rolante um grid estrutural ao modo dos urdimentos de palco, definido pelos banzos inferiores das treliças da cobertura e por vigas auxiliares, a serem dimensionadas de modo a permitir grandes carregamentos. Além dessa medida, propõe-se a utilização de painéis modulados de madeira bruta no piso e nas vedações laterais, por funcionarem como suporte para fixação, caracterizar um fundo neutro, suportar bem interferências como colagens, cortes e pinturas necessárias para caracterizar fundos diferenciados, e ter grande capacidade de recuperação de sua aparência original. Apresenta ainda grande facilidade de substituição parcial de partes danificadas por algum evento ou montagem que tome lugar ali.
Recursos para condicionamento do espaço interno
Como o espaço interno passa a apresentar total isolamento em relação ao exterior, fez-se necessária uma área técnica com previsão para instalação de equipamentos de ar condicionado, localizada sobre a circulação citada acima. A eliminação dos sheds propostos para iluminação zenital e ventilação exigiu sua substituição por recurso de climatização natural alternativo ao uso de ar condicionado, com janelas opacas associadas a aberturas com chapa perfurada na vedação externa ao nível das treliças da cobertura. Essas aberturas promovem a exaustão do ar quente e de eventuais gases resultantes dos procedimentos de montagens, além de permitir uma iluminação difusa. São acessadas por escada de apoio localizada junto à varanda de transição com o café, que conduz a passarelas técnicas instalada junto às laterais da galeria sobre o grid citado, permitindo uma circulação nos intervalos das treliças de cobertura.
4 – Grupo Corpo
Assim como o Centro Cultural, a Sede do Grupo Corpo foi completamente remodelada, buscando atender aos seguintes aspectos:
Associação entre a verticalização proposta e a integração desejada entre espaços
A redução no número de pavimentos e o agrupamento das atividades afins evita o uso excessivo de elevadores. Para isso, a Sede do Grupo apresenta uma organização dos espaços em uma espiral, que associa a continuidade desejada entre os espaços de uso relacionado à verticalidade exigida pela vista, a ser fruída nos estúdios localizados a 17 metros do solo;
Atendimento às questões relativas ao clima e ao conforto ambiental
Concentram-se em um núcleo junto à fachada oeste, mais insolada, sanitários, escada de emergência, cômodo para instalações – lógica e elétrica – e elevadores, de modo a configurar uma barreira adicional de proteção e a evitar que espaços de permanência sejam expostos a essa orientação. Pela mesma razão, a fachada leste é fechada, voltando todos os espaços localizados nessa orientação para o pátio interno. Nas orientações sul e norte, os espaços se alternam, sendo que os localizados em níveis inferiores se voltam para o pátio interno a fim de assegurar-lhes maior privacidade, enquanto aqueles localizados em níveis mais elevados se voltam para o exterior, a desfrutarem das belas visadas que a paisagem lhes proporciona.
Setorização clara das atividades
Buscou-se distribuir as atividades em quatro segmentos que apresentam uma continuidade através da rampa, acrescida de alguns atalhos desejáveis, ora pelos elevadores, ora por escadas estrategicamente dispostas de modo a facilitar ligações rápidas entre eles. O primeiro, ao nível térreo, concentra todas as atividades de descanso e convívio do grupo em um grande salão que, em dias quentes, se abre completamente promovendo a integração entre o pátio interno descoberto e arborizado e o pátio externo de lazer, com jardins, piscina e a quadra de tênis. O segundo grupo de atividades associa espaços de serviço e apoio, áreas administrativas e depósito/oficina de produções, com ambientação para o pátio interno, a permitir visadas diversas entre estes espaços. O terceiro conjunto de atividades congrega os espaços de trabalho dos bailarinos, ambientados ora para as paisagens externas – camarins e estúdios – ora para o pátio interno – piscina aquecida, fisioterapia e área de descanso dos bailarinos. Estes três espaços apresentam um amplo pé-direito – 13 metros – que remete a um ginásio a centralizar as atividades de trabalho do grupo. Por último, o quarto segmento, mais alto e voltado para a paisagem da rodovia, é ocupado pelos apartamentos para visitantes, a desfrutar de ampla vista e total privacidade.
Circulações verticais como filtros entre o público e o privado
o posicionamento estratégico das circulações verticais conforme as necessidades relativas à privacidade e aos serviços. O primeiro elevador, acessível junto à recepção e localizado no núcleo de serviço, permite o acesso direto do público à recepção da administração e ao hall de acesso à platéia do estudio A, e ainda permite ao hóspede o acesso direto ao seu apartamento. O segundo elevador, de carga, também no núcleo de serviço, localizado próximo ao pátio de estacionamento e ao espaço de carga e descarga, se diretamente no depósito e no espaço de apoio do estúdio A, permitindo total articulação entre equipamentos, cenários, figurinos e outros elementos de montagem em todos os espaços de trabalho. O terceiro elevador, localizado na ala leste, de uso restrito ao grupo, interliga os espaços de trabalho – ginásio e ensaios, administração e depósito – ao amplo espaço de lazer e convívio ao nível do chão.
Materiais coerentes com a matriz escultural e com as demandas de uso
Os materiais para o tratamento dos espaços internos buscam a um só tempo reforçar a matriz escultural proposta e atender às demandas específicas de uso. Para isso a madeira bruta aparece no grande deck que ambienta os espaços de lazer e evidencia a integração destes como os espaços abertos, a revelar a continuidade entre o pátio interno arborizado e o pátio externo de lazer. Este mesmo material é utilizado nos pisos das rampas e nos patamares implantados sobre seus segmentos, viabilizando o nivelamento das áreas de trabalho. Nestas áreas, optou-se por enfatizar a transparência nas divisões internas: vidro e tela se associam ao aço dos espaços que exigem fechamento a fim de permitir visadas entre diferentes alas através do pátio interno.
A construção
1 – Sobre a logística de projeto
A fim de estabelecer um sistema de construção limpa, que parta da lógica da montagem a seco de seus componentes, buscou-se trabalhar com as seguintes premissas:
Estrutura com transporte e montagem facilitados pela modulação
Toda a estrutura é caracterizada por geometrias simples e de fácil execução, sempre que possível com a aplicação do sistema Usilight, ora em peças simples, ora em elementos treliçados, de modo a se aproximar das aplicações do aço nas grandes caixas/galpões das construções industriais. A definição de modulação da estrutura metálica em múltiplos de 600mm nas três dimensões, buscando sempre que possível a utilização dos submúltiplos de 12 metros, permite o transporte convencional em carretas de todos os elementos que compõem vigas. Os vigamentos que apresentam dimensão maior que 12 metros tem suas partes subdivididas em módulos de 6 metros, como as vigas treliçadas da galeria e centro cultural, de modo a simplificar os procedimentos de transporte e montagem no sítio. Os pilares respondem à mesma lógica para transporte e montagem. Até alturas de 12 metros – galeria e centro cultural – consistem de elementos únicos, montados no local; após receberem as estruturas e vedações de cobertura resultam em altura total de 15 metros. Para a sede do Corpo, cuja altura final é 27 metros – pilares de 24 metros + 3 metros estrutura e vedação da cobertura -, os pilares podem ser montados a partir de dois elementos de 12 metros, com o uso de grua instalada no canteiro. Deste modo, otimiza-se o processo de montagem com ganho de tempo, evitando-se os processos artesanais de fabricação e montagem in loco. Para o teatro, a altura final de 24 metros implica em 21 metros de pilares, o que implica igualmente em uma partição dos elementos verticais em dois trechos, de 12 e 9 metros, a serem montados com os mesmos procedimentos adotados para o Grupo Corpo.
Sistemas de estabilização coerentes com a lógica de montagem da estrutura
Os sistemas de estabilização da estrutura metálica adotados utilizam preferencialmente os contraventamentos em trechos estratégicos da estrutura, de modo a permitir o uso de elementos mais leves que adquiram resistência no conjunto através da geometria indeformável do triângulo.
Seguindo essa lógica, a Sede do Grupo Corpo tem uma estrutura extremamente racionalizada, que parte da definição de quatro torres contraventadas a ocupar as esquinas do volume, correspondentes aos patamares das rampas, que recebem os vigamentos das rampas que constituem os espaços habitáveis do edifício.
Na Galeria, a estrutura principal modulada em 6 metros recebe contraventamento na face noroeste, na parte superior dos módulos das duas faces mais longitudinais, e na cobertura. Com isso, caracteriza um sistema de estabilização similar ao das aplicações industriais em aço, respondendo especialmente aos esforços horizontais decorrentes da movimentação da ponte rolante. A fim de reduzir o comprimento de flambagem dos pilares no sentido de sua menor inércia, o conjunto possui vigamento horizontal intermediário, à altura de 6 metros nas faces longitudinais.
No Centro Cultural, a fim de não comprometer a estratégia formal adotada, que eleva a caixa, o sistema de estabilização busca enrijecer os pontos de encontro entre pilares e estrutura de cobertura nos primeiros módulos de cada lado. Com isso, constitui pórticos rígidos tridimensionais que estabilizam todo o conjunto, permitindo os balanços laterais das treliças de cobertura que recebem tirantes para a sustentação dos pisos intermediários e das vedações externas.
No teatro, toda a estrutura é contraventada nas faces cegas, que permitem a utilização de elementos diagonais sem qualquer interferência com aberturas. No Foyer, as duas laterais são compostas por elementos treliçados, configurando pilares que sustentam toda a caixa. Em alguns trechos como a caixa do palco e platéia, as grandes alturas de pés-direitos implicarão, em virtude da inexistência de lajes intermediárias e seus respectivos vigamentos, em grandes comprimentos de flambagem, o que exigirá além do sistema de estabilização convencional dos contraventamentos, travamentos intermediários a fim de reduzir os comprimentos de flambagem e permitir uma estrutura mais esbelta. Essas peças intermediárias contribuem ainda como estrutura auxiliar para a montagem do revestimento externo, como se apresentará a seguir.
Lajes em painéis pré-fabricados de concreto protendido
Para as lajes – Sede do Corpo, Centro Cultural e Teatro – foi eleito o sistema de painéis pré-fabricados em concreto protendido, tipo Premo Struder ou similar, que vencem grandes vãos sem a necessidade de estruturas auxiliares, apresentam bom acabamento da face vista, o que pode dispensar em alguns casos a utilização de forro, e possuem processo de montagem extremamente rápido e limpo, fazendo uso do mesmo tipo de grua instalada no canteiro que a montagem da estrutura metálica em grandes peças exigirá.
Vedações externas industrializadas com o revestimento final pré-aplicado
Para toda a vedação externa do conjunto optou-se pela aplicação de painéis de concreto celular autoclavado – tipo Sical ou similar - industrializados com o revestimento final, no caso chapas de aço SAC-41, em substituição ao sistema proposto anteriormente, que fazia uso do mesmo concreto celular – Neopor – porém com moldagem in loco. Os painéis já em fabricação pela Sical apresentam dimensão de até 570x3000 mm. Optou-se por modular todo o revestimento externo com paginação horizontal de 3000x500 mm, de modo a respeitar a modulação predominante da superestrutura de 6 e 9 metros, com a estrutura auxiliar a definir a necessária subdivisão a cada 3 metros. Essa paginação assegura também o máximo aproveitamento do material de revestimento, por permitir a utilização de bobinas de aço SAC-41 com 1200mm de largura, que partidas ao meio resolvem sem perdas o revestimento de 500mm acrescido das dobras de 50mm de cada lado, necessários para evitar o contato do material base com a água nas juntas do revestimento. Sua fixação é feita diretamente na estrutura de suporte, de duas maneiras possíveis: a primeira, soldando-se os inserts metálicos acrescidos ao painel na sua fabricação diretamente à estrutura de suporte; a segunda, que simplifica ainda mais o processo de montagem do elemento no canteiro, é totalmente realizada por encaixe em espera previamente soldada na estrutura de suporte, e as juntas são vedadas por mastique a fim de assegurar total estanqueidade. Por apresentar junta seca, a solução proposta preserva a continuidade do material que, após oxidado, minimiza a visualização das juntas, principalmente a distância.
Escolha ecológica de materiais e consumo de energia
Em relação ao consumo de energia, dois aspectos foram trabalhados: o primeiro, relativo à produção dos materiais utilizados na obra, direcionou a escolha de elementos cuja lógica de produção e/ou reciclagem impliquem em baixo consumo de energia a longo prazo. O uso do aço, ainda que na sua produção exija grande dispêndio de energia, é recomendável por suas diversas possibilidades de reciclagem, minimizando a longo prazo sua interferência negativa no ambiente. Para as lajes, optou-se pelo painel protendido pelo fato de que, devido à natureza da estrutura, a protensão permite maiores vãos com menor quantidade de material. Tal fato resulta em ganho sob o ponto de vista do gasto de material, implicando portanto em menor dispêndio de energia quando comparado a uma aplicação convencional em concreto armado. Os painéis em pranchas maciças ou em composições laminadas coladas de madeira utilizam em sua fabricação material produzido em reflorestamento ou através do manejo ecológico de matas e florestas, de modo a evitar o consumo de madeiras provenientes de desmatamentos ilegais de florestas nativas.
Outro aspecto trabalhado neste projeto trata-se da minimização do consumo de energia durante a utilização do edifício através de recursos de controle do ambiente construído. Para isso, buscou-se eleger materiais cujas propriedades relativas ao isolamento térmico e acústico sejam eficientes, como o concreto celular autoclavado das vedações verticais, e a telha dupla com isolamento termo-acústico, a fim de minimizar a perda de calor em dias frios ou a transmissão excessiva para o interior devido à incidência direta de sol sobre o aço do revestimento externo. Como proteção térmica adicional, sempre que houver um revestimento interno, como a madeira da galeria, será previsto um colchão de ar entre este e a vedação externa, de modo a assegurar isolamento adicional do espaço interno.
2 - Sobre a logística para execução em etapas
Em virtude da demanda por execução em etapas, prevista desde a primeira fase do concurso, considera-se imprescindível a consideração da máxima industrialização dos componentes da estrutura, das vedações e das instalações, de modo a minimizar os custos relativos à montagem/desmontagem de infra-estrutura no canteiro de obras. Para montagem das estruturas em aço e das lajes pré-fabricadas em concreto protendido, far-se-á necessária a implantação de grua no canteiro de obras que, em virtude do curto tempo em que se processa tal montagem, permanece no local por períodos pequenos, o que gera economia. Os painéis de vedação, leves, podem ser içados pela grua e distribuídos nos diversos pavimentos, a fim de facilitar sua fixação posterior.
Fundamental na logística de execução em etapas é a independência completa entre os diversos blocos, tanto nos aspectos técnico-construtivos – estruturas, vedações, instalações – como nos aspectos de uso, a evitar conflitos entre o processo de construção e montagem de uma parte e a utilização de outra já previamente implantada.
Por último – e talvez mais relevante – é o fato de que cada etapa de implantação das partes se constitua, como já apontado na primeira fase do concurso, em um momento cuja solução formal possui uma autonomia, sem comprometer a solução final e sem indicar sua continuidade. O conjunto é sempre um edifício acabado em um momento, qualquer que seja a configuração entre as partes.
3 – Sobre a estratégia conceitual do uso do aço
A estratégia principal que orientou a aplicação do aço no Centro de Arte Corpo partiu de duas importantes premissas: a primeira, de natureza técnica e funcional, não visível para quem olha o edifício externa e internamente, se fundamenta na busca da máxima racionalidade de projeto e industrialização do processo construtivo, como apresentado acima. A segunda, mais importante, se fundamenta na exploração do potencial do aço como elemento expressivo, a caracterizar o edifício como algo novo que complementa a paisagem das montanhas. Para isso, o aço oxidado – SAC-41 – é o único material, utilizado em chapas que resultam em um revestimento externo contínuo, subvertendo a lógica da construção tradicional que deixa aparentes os elementos principais da estrutura.
A matriz escultural
de chapa porque pretendo, partindo da superfície,
mostrar o nascimento da terceira dimensão.
De ferro porque é necessário
É natural de Minas, está ao alcance da mão
Todo mundo sabe trabalhar em ferro
A superfície é domada – é partida e vai sendo dobrada –
É quando, e por fatalidade, o espaço se integra criando o não previsto.
Amilcar de Castro
1 – O tratamento dos interiores e suas transições com o exterior
A partir das recomendações da Comissão Julgadora, buscou-se retrabalhar as soluções do tratamento dos espaços internos de modo a conciliar suas demandas utilitárias à busca de uma relação mais direta com a matriz escultórica externa. Para isso, foram adotadas as seguintes estratégias:
Concisão das ordenações dos espaços interiores
Buscou-se trabalhar uma lógica de ordenação dos espaços internos que apresente a mesma concisão e radicalidade da matriz formal exterior, partindo da exploração da máxima possibilidade expressiva através do mínimo de elementos. Partindo dessa premissa, Centro Cultural e Sede do Corpo apresentam uma lógica interna que busca conciliar as diversas demandas de uso, partindo do percurso espiral a fim de conciliar a necessária integração entre as atividades com a organização verticalizada imposta pela abertura para a paisagem nos Estúdios do Grupo Corpo.
Continuidade do tratamento externo nas transições com o interior
Procurou-se estender a utilização do aço oxidado nos trechos internos que promovem a continuidade da massa escultórica externa, como já ocorria no foyer do teatro. Assim, a caixa do Centro Cultural é enfatizada pelo tratamento contínuo do forro de todo seu pavimento térreo, e o vazio sobre a rampa constrói no espaço interior a leitura da caixa em aço que caracteriza o edifício pelo exterior. A galeria tem sua circulação lateral inteiramente executada em aço, assim como o pequeno volume deslocado que abriga os espaços de apoio. E a Sede do Grupo Corpo tem todas as vedações internas que correspondem à caixa externa executadas em aço.
Uso da madeira bruta associada ao aço
A associação do aço oxidado como material protagonista a outro material busca responder de modo mais adequado às especificidades de uso. Para isso, propõe-se, como citado, a utilização da madeira bruta como segundo material, a resolver melhor a ambientação dos espaços internos ao mesmo tempo em que reforça, através de seu uso extensivo, a radicalidade da estratégia formal que preside o conjunto.
2 – Tratamento externo dos volumes
Em relação ao tratamento externo dos volumes, foram revistos os seguintes aspectos:
Ênfase no tratamento escultórico dos volumes através das coberturas
As coberturas passam a ter um fechamento superior com o mesmo material utilizado nas vedações laterais – o aço SAC 41 -, em chapas perfuradas que permitem a passagem das águas de chuva, a serem captadas por cobertura convencional em telha metálica com isolante termo-acústico.
Assentamento sobre o solo das rampas de saída de emergência do teatro
No teatro, as rampas externas destinadas às saídas de emergências passaram a receber um tratamento mais integrado ao chão e menos vinculado ao volume, através de talude gramado que se eleva e permite que a descida aconteça sobre o terreno natural.
Proteção da quadra de tênis pelo talude ajardinado
No Grupo Corpo, a quadra prescinde de alambrados por estar totalmente protegida pela elevação dos taludes ajardinados que interiorizam ainda o pátio de lazer, assegurando maior privacidade a esses espaços e resolvendo o fechamento necessário a eles e ao pátio de estacionamento do grupo.
Solução das aberturas de modo coerente com o princípio da concepção escultural
Para as aberturas, propõem-se três soluções complementares: a primeira, para as aberturas principais – estúdios e área de descanso do corpo, foyer do teatro, térreo do centro cultural -, a abertura é um corte na volumetria que participa da estratégia escultórica proposta; a segunda, caracterizada por estreitas linhas horizontais que se inserem na modulação do fechamento externo, resolve as aberturas de espaços elevados cuja vista para o exterior apresenta interesse, como nos camarins e apartamentos para hóspedes da sede do Grupo Corpo, permitindo visão integral do exterior sem caracterizar janelas; a terceira, totalmente dissimulada na pele externa em aço SAC-41, permite ventilação, iluminação e vista controlada do exterior através da utilização da mesma chapa de revestimento com acabamento perfurado, associado a uma vedação interna em vidro temperado, nos casos de camarins e áreas de apoio do Teatro, ou em material opaco, no depósito/oficina do Grupo Corpo e na Galeria. Essa solução permite aberturas nas mais diversas faces dos volumes sem prejudicar a integridade plástica da matriz escultórica. Funciona ainda, na ambientação dos espaços internos, como os muxarabis encontrados na arquitetura colonial brasileira, a controlar a visão do espaço interno para quem o observa de fora ao mesmo tempo em que permite a vista do exterior.
Conclusão
No Centro de Arte Corpo o aço é mais do que estrutura ou suporte: é elemento que enfatiza a estratégia da busca de uma síntese entre uma linguagem universal e as influências regionais, como a dança do Corpo, a contribuir para a construção de uma expressão contemporânea da cultura brasileira.
Ficha técnica
Arquitetos
Alexandre Brasil Garcia
Carlos Alberto Maciel
Éolo de Castro Maia
Maria Josefina Vasconcellos
Consultoria – solução plástica/escultural
Amilcar de Castro
Consultoria – estrutura metálica
Usiminas
Consultoria – vedações externas
Sical
Consultoria – construção metálica industrial
Pórtico – Eng. Paulo Mendes dos Santos Junior
Colaboradoras – estudantes de arquitetura
Flávia Roscoe
Patrícia Naves
Maquete
Arq. Fernando Maculan
Arq. Leandro Augusto Campos
Maquete eletrônica / animação / multimídia
Mídiapontocom – Felipe Coutinho
Data
Belo Horizonte, 12 de março de 2002.