Arquitetura
Dos primeiros testemunhos arquitetônicos de Pindamonhangaba, assim como de todo o Vale do Paraíba, nada sobrou. Foram provavelmente construções precárias, provisórias, executadas por pessoas pouco habilitadas, com materiais disponíveis no planalto, como madeira, barro e palha.
Porém, com a chegada do cultivo do café e de uma nova ordem social e econômica, no século XIX, as cidades florescem, querem alardear grandeza, enquanto a nova nobreza quer mostrar sua condição de riqueza e cultura. Foi sob esta condição que trataram de inovar chamando arquitetos estrangeiros, mestres em decorativismos, que soubessem manejar os estilos então vigentes na “corte”. Estas mudanças, contudo, foram ainda predominantemente estéticas, onde a ordem espacial era mantida a mesma. Já no último quartel do século a estrada de ferro traça outra dinâmica. Os materiais industrializados disseminam-se, bem como hábeis artesãos em sua aplicação. A arquitetura eclética estabelece-se como padrão do bom gosto da nobreza e a taipa de pilão finalmente cede seu lugar ao tijolo, marcando o fim de uma era na arquitetura paulista.
Edifício
O Palacete 10 de Julho, sede da Prefeitura de Pindamonhangaba do início do século XX até 2007, foi construído na segunda metade do século XIX para ser residência dos Barões de Itapeva. Quatro anos foram necessários para que a obra, exemplar dos mais importantes da arquitetura residencial da nobreza cafeeira do Vale do Paraíba, fosse concluída.
Como seus pares da elite cafeeira, o Barão, Ignácio Bicudo de Siqueira Salgado, procura ratificar sua condição social e econômica, sua proximidade da “corte”, através da sofisticação de sua morada. De fato, contrata para tal empreitada um arquiteto francês radicado no Vale, Charles Peyronton, profissional que goza de grande prestígio na região. Autor de obras importantes como a Igreja de São José em Lorena e da remodelação do Palacete Palmeira, também em Pindamonhangaba, Peyronton tem a oportunidade de realizar uma obra de requintada qualidade plástica e notável apuro técnico.
A planta, com uma distribuição racional que repete a tradicional solução de implantação junto à testada da rua e o agenciamento em “L”, inova na elevação do térreo em relação à rua através da adoção do porão, destinado aos serviços. De fato, foi a primeira residência de vulto em Pindamonhangaba a adotar esta solução, depois comum na arquitetura residencial urbana brasileira do período, que, mantendo a tradição colonial de abertura de portas e janelas diretamente para a rua, preservava o interior da habitação dos inconvenientes olhares furtivos.
Além do seu já citado agenciamento da planta e sua contida implantação, o edifício conserva elementos do modelo colonial como o fato de suas paredes ainda manterem a espessura necessária à velha taipa de pilão, apesar de ser construído em alvenaria de tijolos. Ao mesmo tempo anuncia, através da profusa decoração e do uso de elementos industrializados, o desejo pelo que havia de mais moderno em termos de materiais e soluções construtivas: grades trabalhadas de ferro fundido, colunas gregas, imponente escadaria em mármore do hall de entrada, ladrilhos hidráulicos, esquadrias em pinho de riga, forros em madeira policromados, cobertura em quatro águas revestida com telhas francesas. Destacam-se em meio a estes, o piso do hall de entrada, onde o belo ladrilho hidráulico possui padrão decorativo idêntico ao existente no antigo edifício da Alfândega no Rio de Janeiro, hoje sede da Casa França Brasil e a clarabóia ovalada, ricamente trabalhada em elementos decorativos em argamassa, que ilumina o salão central do pavimento superior. Em um dos forros decorados, após a prospecção, foi descoberto, fixado sob um elemento decorativo, parte do jornal francês Gazette des Hôpitaux, datado de 1876.
O anexo de serviços possui os pisos revestidos em ladrilho hidráulico, em tijoleira assentada sobre barroteamento de madeira, solução técnica incomum na região. Este anexo é ligado à construção principal por passarela estruturada em vigas de ferro laminado, que a semelhança dos barrotes internos, sustentam a tijoleira e os ladrilhos hidráulicos. O uso destas vigas metálicas foi uma descoberta das recentes prospecções e revela de maneira ainda mais marcante a modernidade da construção para sua época.
O Palacete 10 de Julho, como se vê, documenta, de maneira clara e precisa, por meio do programa, do processo construtivo, da implantação e do resultado plástico, um período histórico de importância não só local, ou regional, mas principalmente significativo para o Estado de São Paulo. Sua revitalização e abertura ao público em geral, garante a preservação desta história e amplia a reflexão popular sobre o processo no qual se deu esta história.
Restauro e Novo Uso
São duas as intenções relacionadas à revitalização do Palacete 10 de Julho. A primeira é proceder a mudança do uso, de forma a ampliar o acesso da população ao Palacete e estabelecer desenvolvimento de atividades compatíveis com a importância histórica do bem tombado. A segunda é proceder um criterioso processo de restauro da edificação, com a preservação de suas características originais e adaptação das instalações ao novo uso.
O Palacete deixou de ser sede da Prefeitura do Município, que necessitava de um espaço maior e mais adequado ao desenvolvimento de suas atividades. Depois do restauro será instalado nele a sede do Centro de Memória de Pindamonhangaba onde estará reunida toda a documentação acerca da história do município que hoje encontra-se em poder da prefeitura, dispersa em vários departamentos.
Deste modo, o porão, devidamente climatizado, abrigará o acervo documental e iconográfico e sua administração. O térreo, o atendimento ao público, café e auditório e o 1º pavimento, a administração, além de salas de exposições e eventos. No anexo original da construção, serão instalados os serviços compatíveis ao novo uso.
Construções anexas recentes e sem valor arquitetônico serão demolidas a fim de resgatar a integridade arquitetônica do Palacete. Assim será liberada área para criação de uma pequena praça de acesso junto à rua dos fundos do edifício e garantida acessibilidade completa ao Centro de Memória e o edifício será apreciado sob outro ângulo. Todo o conjunto passará por uma revisão, para identificação e correção de problemas de ordem estrutural e de instalações técnicas. Serão conservados e restaurados todos os materiais de acabamento originais.
Todo e qualquer acréscimo, seja de ordem espacial, seja um elemento de acabamento, será trabalhado com uma linguagem contemporânea e sutil, sem a menor intenção de falseamento ou competição com as características originais do bem tombado.
O projeto de restauração do Palacete obteve junto ao Ministério da Cultura, através da Lei Rouanet, a pré-qualificação para a captação de recursos previstos para a 1ª fase da obra que engloba entre outros, pesquisa histórica, projetos executivos de arquitetura, restauro e complementares, documentação fotográfica, projeto gráfico de identidade visual, prospecções estratigráficas de pintura decorativas e serviços iniciais da obra (proteção dos elementos, consolidações, investigação arquitetônica e arqueológica, escoramento, descupinização e testes laboratoriais). A Novelis do Brasil, em dezembro de 2006 foi a primeira patrocinadora com um aporte de 500 mil reais. Para a complementação desta fase ainda falta a captação de 387 mil reais.
As 2ª e 3ª fases abrangem a restauração e adaptação do edifício, a execução de todas as instalações especiais, divulgação da obra e edição de livro sobre todo o processo.
ficha técnica
Arquitetura e Restauro
Companhia de Projeto
Autoria
Arq. Rosângela Martinelli Biasoli
Arq. Mita Ito Arq. Rogério Campos Magalhães
Coordenação
Arq. Fernando Martinelli
Arq. Márcio Bariani
Colaboração
Arq. Camila Raghi
Arq. Carol Stoppa
Arq. Cynthia Evangelista
Arq. Tatiana Belletti Brito
Ar Condicionado
Planenrac - Eng. Cláudio Kazuo Misumi
Estrutura
Eng. Heraldo Duarte
Elétrica
Bim & Alves - Eng. Carlos Alberto de Almeida
Hidráulica
JS Hidraulica - Eng. Jaime Silva
Fotos
Gerson Bilezikjian
Mauricio Campello
Maquete Eletrônica
GW3 - Ricardo Pereira
Maquete Tridimensional
Giz Maquete - Fernando Horvath
Projeto Cultural
Rithos Consultoria - Rita Monteiro Coelho, Rita Oczkowski Rahd e Arnaldo Vianna
Pesquisa Histórica / Textos
Arq. Márcio Bariani
Identidade Visual
Emais Criação Gráfica - Eliana Tachibana
Pesquisas e Execução da Obra
Arq. Gabriela Kozlowski
Téc. Floriano Campos Magalhães
Rest. Kátia Regina Magri
Rest. Sidney Fischer
Adv. Regina Romeiro Ramos Mello
Pedro Hodário Pacheco
Francisco Carlos Sebastião dos Santos
João Otacílio Santos
Realização
Companhia de Projeto
Cliente
Prefeitura Municipal de PindamonhangabaAdministração
Pref. João Antônio Salgado Ribeiro
Patrocínio
Novelis do Brasil
Apoio
Ministério da Cultura – MinC
Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo - CONDEPHAAT
bibliografia
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