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Leia o artigo de Carlos Teixeira sobre o Copan, edifício localizado no centro histórico da cidade de São Paulo. O arquiteto analisa a obra desde o momento de sua criação até a situação atual

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PORTAL VITRUVIUS. Copan. Híbrido Rio-São Paulo. Projetos, São Paulo, ano 10, n. 112.03, Vitruvius, abr. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/10.112/3601>.


Dados

Certificado no livro Guinness, o edifício residencial Copan é o maior do mundo: 86.500m2 (apartamentos) e 115.000m2 (total). Sua folha de pagamento soma mais de 100 empregados, as lojas em seus pilotis empregam 950 pessoas e seus moradores são 5.000, distribuídos em 1.160 apartamentos que variam de 32 a 180 m2. Com 1.800 linhas de telefone, o consumo de energia é de 30.000kW/mês e o de água, um milhão de litros/dia – contra a produção de três toneladas de lixo/dia.

História

A megaestrutura do Copan apresenta óbvias similitudes com as megaestruturas serpenteadas de Le Corbusier, especialmente as ilustradas nos croquis que fez para o Rio de Janeiro e já publicadas ad infinitum. Dentro da obra do próprio Niemeyer, o prédio é um eco da mesma monumentalidade do monolítico Edifício JK (Belo Horizonte, 1950) e, melhor ainda, da fluidez de seu desconhecido projeto do Hotel Quitandinha (Petrópolis, 1950). Todos afirmam-se na paisagem urbana como lâminas monumentais, todos têm a verticalidade retida pelo desenvolvimento horizontal, e todos expressam uma incrível e absoluta indiferença para com o entorno – indiferença tal como a do monumento contínuo do grupo Superestudio.

Visto que foram construídos em áreas centrais, é óbvio que o Edifício JK e o Copan veriam mais tarde seu heroísmo diminuído pelo crescimento urbano experimentado por todas as capitais brasileiras na segunda metade do século XX. Se as fotos feitas por volta de 1960 deixam claro a preponderância desses prédios no perfil de São Paulo e Belo Horizonte, hoje eles estão imersos numa congestão de prédios anônimos que expressam total despreocupação com esses gigantes. Afirmação auto-confiante tipicamente modernista, o Copan poderia ter passado, em duas décadas, de protagonista a mero coadjuvante de São Paulo, símbolo de uma cidade industrial transformado em mais um elemento de uma urbes quase catastrófica. Hoje, talvez o prédio esteja menos sujeito à ironia do monumento contínuo e mais para o pesadelo expresso em Lilith (1987), tela de Anselm Kiefer onde uma imagem aérea dos prédios do Centro paulistano é ofuscada pela sobreposição de camadas de poeira e terra.

Decadência

A da cidade não, mas a situação do prédio vem mudando. De uma condição que beirava a de um cortiço, com 30% de seus apartamentos desocupados e parte de seus elevadores sucateados, ele é hoje um condomínio cultuado por seus moradores. Seu declínio começou na década de setenta, com o aumento drástico da circulação de veículos, o crescente nível de ruído externo, o desaparecimento das áreas verdes do Centro e a mudança do pólo financeiro da cidade para regiões menos centrais. Adjacente ao Copan, a então elegante avenida São Luíz e seus apartamentos classe alta, pouco a pouco distanciava-se de seu elitistismo; o filme “antonioniano” Noite Vazia (Walter Hugo Khouri, 1964) sendo o principal documento visual da época áurea dessa avenida. A mistura de classes de inspiração socialista do Copan, ao invés de atenuar o enorme desequilíbrio social do país e promover a aproximação entre pessoas de perfis distintos, provou ser o catalizador de conflitos. Desavenças entre os condôminos eram frequentes, prostitutas, traficantes e travestis ocupavam boa parte das quitinetes, brigas entre vizinhos, a administração e a polícia eram comuns. A escritora e moradora Regina Rheda, após lançar um livro de contos em 1994 baseado em ocorrências reais (Arca sem Noé: histórias do edifício Copan), foi obrigada a mudar-se do prédio por pressão de vizinhos incomodados pelo tom ácido do livro – dentre eles o dramaturgo Plínio Marcos. O custo do aluguel do bloco B, superpovoado e quase um cortiço, caía vertiginosamente e suas unidades eram alugadas por seus proprietários sem quaisquer exigências. O lixo se acumulava pelas escadas e pelo terraço, o abastecimento de água era interrompido por dias, cortes no suprimento de luz deixavam o prédio às escuras – até que, por motivos de segurança, a prefeitura exigiu mudanças rápidas ou a interdição do prédio.

Recuperação

A requalificação começou em 1993, ano em que o ex-subprefeito de São Paulo, Affonso Prazeres, iniciou sua gestão como síndico. Principal artífice da bem sucedida requalificação, hoje Prazeres planeja construir os elementos inconclusos do projeto original (veja abaixo) e instalar uma nova torre de elevadores externa, projeto do arquiteto Ciro Pirondi. A proximidade do síndico com o ex-prefeito de São Paulo facilitou o processo de recuperação: multas passaram a ser aplicadas para evitar ações predatórias e condôminos inadimplentes foram retirados. As dívidas do prédio com a prefeitura e a previdência social foram negociadas e a política municipal de recuperação do Centro, apesar de muito lenta, tem conseguido revitalizar alguns dos principais edifícios públicos centrais.

Mudanças no projeto

A história do Copan é pendulária. No início, tudo era sucesso: suas quitinetes classe média-baixa, algo então inexistente, preencheram uma lacuna no mercado imobiliário de uma cidade que acolhia milhares de migrantes, estudantes e profissionais liberais – geralmente solteiros que, no Copan, encontravam habitação central e barata. Os apartamentos foram vendidos “que nem pão quente” e mesmo os empreendedores não esperavam uma demanda tão reprimida e inesperadamente aquecida.

Como é usual em mega-edifícios, já no início da construção vieram os problemas administrativos. Com todos os apartamentos vendidos a preço de custo (sendo os lucros provenientes apenas da taxa de administração da construção), mais de uma empresa foi à falência por improbidade administrativa. Iniciada por uma sociedade anônima da qual participava a companhia aérea americana Pan-American World Airways, a obra passou de mão em mão por cinco anos até que, em 1957, o Bradesco, maior banco privado do país, assumiu sua incorporação e construção.

Conjunto díspare, o Copan deveria abrigar, além do edifício residencial, um hotel de 600 apartamentos num prédio vizinho de linguagem arquitetônica oposta (a curva em S sobreposta a um paralelepípedo neutro e mais baixo). O Bradesco decidiu mudar o programa do prédio, que de hotel passou a ser a sede do banco. Tivesse sido um hotel, dele sairia um enorme terraço com salões, restaurantes, áreas verdes e um teatro para 500 pessoas que uniria os dois prédios – elemento de ligação fundamental para dar sentido ao conjunto. O principal acesso ao hotel dar-se-ia pelo terraço, o que reforçaria a fluidez de movimentos entre os dois prédios e incrementaria o uso das facilidades públicas do hotel e do edifício residencial: um conjunto multifuncional voltado para a escala da cidade e não apenas para seus moradores.

A plataforma que ligaria os dois prédios não foi construída – o banco, edifício ensimesmado, dispensa comunicações com os apartamentos – e hoje é impossível saber que ambos formam um conjunto (o projeto do banco foi desenvolvido não por Niemeyer, mas por Carlos Lemos, quem manteve a volumetria do projeto original). Sem os eloqüentes espaços com e sem programas do terraço, o ponto de diálogo foi perdido. O principal espaço público do Copan, o terraço-jardim sobre o pilotis “para recuperar o chão” (Niemeyer), tem hoje apenas o cinema de 1.500 lugares que, ainda assim, virou igreja. Quase pior foi a alteração das plantas dos apartamentos, com número de quartos variável conforme os seis blocos do prédio. Temendo o atrito social patrocinado por essa variedade e apostando no novo filão de apartamentos pequenos, o banco mudou as plantas dos blocos E e F (quatro quartos) que então foram redivididas como desajeitadas quitinetes. A garagem foi alterada: das 500 vagas do projeto original, a construída oferece apenas 221.

Plástica

O prédio demonstra temas recorrentes na arquitetura de Niemeyer já bem analisados por seus críticos: antítese barroco/funcionalismo, iconografia pré-expressa em croquis, oposição reta/curva, e separação – anti-moderna – entre técnica e forma. Características que a distanciam dos pressupostos modernos, impregnando-a com o conceito de imagem e simbolismo que fizeram de Niemeyer um arquiteto tão criticado quanto admirado por sua liberdade formal. Como sabemos, em algumas obras ele é figurativo (o Congresso de Brasília, obra de um figurativismo que quase antecipa o pós-modernismo de Venturi, como disse o poeta Décio Pignatari); em outras, é iconográfico (especialmente em sua última fase); e em algumas, como disse o crítico Marco do Valle, ele é barroco sem ser propriamente barroco.

O pilotis e mezanino do prédio têm traços característicos do autor: curvas serpenteadas que comporiam, parafraseando K. Frampton, “um caminho arquitetônico de música e dança” (como na Casa do Baile), pilares livres (graças a uma enorme viga de transição, como na da Unidade de Habitação de Le Corbusier), independência de plantas (como na Casa das Canoas) etc. Contanto, no Copan as mudanças do projeto enfraqueceram a independência entre as curvas, e a vascularidade entre os níveis das lojas do pilotis. O mais grave problema que ainda persiste no prédio – a ociosidade e abandono das sobre-lojas – parece ser consequência da circulação vertical deficiente, escultórica no projeto e inexistente no prédio construído. Todos os principais elementos dessa circulação não foram executados: as escadas rolantes entre lojas e sobre-lojas, e a grande rampa espiralada que convidaria os pedestres a subir da rua para o terraço (substituída por uma escada elegante, porém tímida). A cúpula do cinema também teve sua forma côncava deturpada e, como o corte nos informa, estaria construída espetacularmente sobre o teatro, também não construído.

Os descaminhos da construção do Copan foram muitos e mutilaram vários de seus principais elementos, mas fato é que ele resistiu bem às alterações e ao tempo. Apesar da mudança na fachada posterior, as duas elevações curvas mantiveram-se como duas superfícies antagônicas: uma lisa e fluida, com os brises em balanço desenvolvendo-se livremente; e a estriada, fechada por elementos vazados e modulada por pilares e vigas. Um contraste de superfícies presente em outras obras do arquiteto, como o Teatro Nacional de Brasília.

É inquestionável que sua forma em “S” aberto, a um só tempo lírica e monumental, ainda é aquela com maior presença plástica na cidade e serve como um importante referencial no mapa psicológico dos paulistanos – fato nada desprezível em uma metrópole de dezoito milhões de habitantes. O Copan é um prédio tipicamente paulistano de um arquiteto totalmente carioca. Paradoxalmente, o organicismo e a maleabilidade de Niemeyer aqui prenunciaram a paisagem dura de São Paulo: não é difícil enxergar, no homofônico hotel do conjunto (o atual edifício-sede do banco), um precursor do que é hoje a congestão vertical que assola a cidade. Acirrada pelo seu importante vizinho de quarteirão, o edifício Itália (Franz Heep, 1960-65), a importância do Copan parece crescer com o adensamento do Centro: quanto mais afogado em prédios anônimos, melhor. As linhas retas que escondem-no por todos os lados enaltecem suas formas sinuosas e, no nível do pedestre, essa mesma obstrução visual só aumenta o senso de descoberta de curvas numa cidade longe, muito longe da cultura dolce vita carioca.

fontes principais do artigo

BÁRBARA, Fernanda. Duas tipologias habitacionais: o Conjunto Ana Rosa e o Edifício Copan. Dissertação de mestrado. Orientação de Regina Meyer. São Paulo, FAU USP, 2004.

RIBEIRO, Luciano. Edifício Máster. O Globo, Rio de Janeiro, 23 set. 2007.

VALLE, Marco do. Desenvolvimento da forma e procedimentos de projeto na arquitetura de Oscar Niemeyer 1935-1989. Tese de doutorado. Orientação de Sylvio Sawaya. São Paulo, FAU USP, 2000.

PHILIPPOU, Styliane. “Challenging the Hierarchies of the City: Oscar Niemeyer’s Mid-Twentieth-Century Residenial Buildings”, ensaio.

HEISE, Tatiana; BARRETO, Jules. O Copan renova-se. Urbes, São Paulo, Associação Viva o Centro, set. 1997.

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