Nas últimas décadas, temos presenciado o acirramento de discussões polarizadoras no campo da arquitetura; de um lado, uma crítica às chamadas arquiteturas objetuais, do outro, a defesa de arquiteturas que podem funcionar como suportes de situações urbanas. De um lado, a crítica ao legado do discurso do objeto autônomo, do em-si-mesmo objetual, as “arquiteturas celibatárias” (1); do outro, a atenção e aceitação das arquiteturas infra-estruturais, urbanísticas, construtoras de situações urbanas, produtoras de objetos infra-estruturais, suportes de ativação (sub-objetos) territoriais.
Discussões polarizadoras taxonômicas tendem, muitas vezes, a posicionamentos simplificadores; neste caso, a autonomia objetual como o problema e o edifício com “responsabilidades” urbanas como a garantia de legitimação. Mas, a que autonomia estaríamos nos referindo? E, ao mesmo tempo, de que “responsabilidades”? No limite, um objeto sobre pilotis, mais extrovertido, “aberto” à cidade, ou capaz de “dialogar” (estranho termo) formal e simbolicamente com o entorno-contexto, seria mais “responsável” com a cidade que objetos introvertidos, isolados e formalmente estranhos ao contexto? Possivelmente.
Ao mesmo tempo em que objetos autônomos parecem de antemão condenados à inquisição, objetos extrovertidos associados a vazios públicos ou semipúblicos (ainda acreditamos nesse termo?) parecem ser suficientes para a reabilitação e legitimação do rótulo “urbanas” de certas arquiteturas e redenção de alguns arquitetos. De um lado, objetos, apropriadamente objetados por discursos carregados de objeções aos apelos imagéticos e frívolos destes; do outro, as “arquiteturas de responsabilidade urbana”, arquiteturas redentoras por supostamente atarem-se de maneira responsável aos contextos nos quais inserem-se ou serem capazes de criar urbanidade através de seus vazios configurados como espaços públicos ou semipúblicos (sic).
Porém, em um exercício de expropriação do que parece ser próprio de cada uma das posições arquitetônicas assumidas em relação à cidade, seja de autonomia ou de “responsabilidade”, seria possível considerarmos a possibilidade de arquiteturas “responsavelmente” autônomas? E se as margens de uma e outra arquitetura fossem borradas conduzindo-as a um movimento de diferenciação quanto aos pressupostos colocados como próprios de cada uma delas? E se as identidades imputadas a uma e outra arquitetura se tornassem mais complexas, ambíguas e ambivalentes nesse movimento de expropriação das propriedades de cada uma delas?
O que, afinal, emerge como alteridade de um e de outro ao falarmos em arquiteturas “responsavelmente” autônomas? Poderia uma arquitetura, ao mesmo tempo, aparentar uma frivolidade formal e descompromisso em relação ao contexto físico-urbano no qual insere-se e, ao mesmo tempo, apresentar-se como um exercício crítico alternativo e complementar às condições do espaço urbano metropolitano atual? Poderia essa arquitetura oscilar entre um apelo imagético acintosamente autônomo e apartado em relação ao meio urbano circundante concomitante a uma aproximação crítica em relação à cidade da atualidade?
A Casa da Música do Porto (2), situada no local da antiga garagem dos bondes elétricos junto a Rotunda da Boavista, na cidade do Porto, em Portugal, projeto do arquiteto Rem Koolhaas, vencedor, em 1999, de um concurso internacional de Arquitetura (foram convidados alguns escritórios renomados), torna-se então nosso assunto. Imaginada e construída para assinalar a escolha da cidade do Porto como capital cultural européia no ano de 2001, emerge como uma força disjuntiva, assumindo um papel de interrupção e interruptor – o inter-ruptor, aquele que rompe entre posições – em relação à cidade, ou seja, algo que rompe com o fluxo corrente, ao mesmo tempo em que dá passagem ou ativa correntes alternativas e que podem ir além do limitado conceito de identidade urbana.
“Meteoro” branco
Amplamente divulgado, de história conhecida (3), o projeto do escritório holandês OMA, liderado pelo arquiteto Rem Koolhaas, é lembrado sempre em virtude de sua insólita volumetria.
Parte de um conjunto de obras do arquiteto na primeira década deste século – e que lhe tem garantido audiência e publicidade pelo mundo – que se notabiliza pelas drásticas soluções formais, o prisma branco de grandes dimensões, multifacetado, ao mesmo tempo disforme e informe, lembra um “meteoro” branco de concreto, isolado em uma quadra situada numa região próxima do centro histórico, a meio caminho deste e do mar. A praça sobre a qual repousa, assemelha-se a um manto ondulado, acentuando a impressão de um elemento estranho que repentinamente despencou na cidade do Porto.
Em uma cidade onde azulejos (sim, são azuis) ornamentam os principais monumentos históricos da cidade-estação central de trem, igreja matriz (4) – e onde o principal arquiteto português da atualidade, Alvaro Siza, tenta “dialogar” (definitivamente o termo não serve; por que diálogo pressuporia harmonia? Em um diálogo, di-logos, ambos podem trabalhar com razões distintas) com a paisagem construída, por vezes quase mimetizando ou traduzindo-a com volumetrias assemelhadas em concreto branco, o “meteoro”, com sua autonomia formal forçada, choca.
Mas, o que seria dizer sim ao contexto? Seria uma busca por um ajustamento físico-formal? Seria a promessa de consideração da memória? Ao se tentar sempre dizer sim à memória do lugar ou contexto, não se estaria impedindo a memória de manifestar-se como memória? Talvez, então, dar a possibilidade à memória do lugar tornar-se passado o suficiente a ponto de permitir um novo sim: o sim não como eterna iteração, mas como algo que dá passagem ao novo e ao mesmo tempo permite a memória tornar-se passado.
Ao dizer-se sim apenas para algumas coisas do meio circundante – eleitas por nós, arquitetos, como relevantes à história ou ao processo histórico local – estaríamos dizendo não a outras coisas; a seleção de algo implica sempre em descarte de algo. Seriam então tentativas parciais de contextualização? A repetição infiel e parcial – o estranhamente familiar e domiciliar – pode ser a condição de uma incisiva abertura ao outro. Dizer não à contextualização pode ser a condição para o sim ao estrangeiro, o sim ao porvir, ao estranho, mas antes daquilo que chega como superação e para além daquilo que permanece como memória.
Erguida também em concreto branco, a Casa da Música posiciona-se entre a autonomia absoluta e a referência banal à arquitetura contemporânea da cidade, de Siza e, mais recentemente, de Souto de Moura.
Assim, numa segunda visada, a Casa da Música parece inserir-se na cidade como uma “coisa” estranhamente domiciliar, uma autonomia em termos, garantida por uma tentativa de contextualização distante e superficial; aliás, as obras de Siza e Souto de Moura, referências, estão espalhadas pela cidade, distantes da Casa e uma das outras. Koolhaas, intencionalmente e, portanto, talvez, de maneira “responsável”, parece ironizar a idéia de contextualização arquitetônica ao tentar questionar o pesado fardo que a limitada noção de contexto impõe à Arquitetura. Afinal, o que seria contextualizar-se? Um ajustamento ao existente? De que existente estaríamos falando? O ajustamento em relação à paisagem física seria a garantia de uma “contextualização” adequada ao presente “vivo”? Apenas como reflexão, para Derrida seria impossível sermos fiéis ao contexto porque ao falarmos de um contexto que está além de nós, ou tentarmos interpretá-lo, não estaríamos mais falando desse contexto tal como é ou foi, seria sempre uma adição. Qualquer fala ou tentativa de interpretação de um contexto já seria um suplemento a esse contexto. Koolhaas parece concordar com isso.
O existente não se restringe apenas àquilo que parece estar presente, mas também à presença espectral, tudo aquilo que tanto parece não mais ainda estar lá como aquilo que ainda não já está lá, o porvir. Essa aproximação de Koolhaas ao “estranhamente domiciliar” adquire consistência e se torna mais “responsável” quando subimos a escadaria externa e adentramos a casa.
A “caverna” e a “babelização” do conteúdo
A primeira impressão, de que estamos entrando em uma caverna. Koolhaas nos lança em um espaço irregular, onde o ângulo reto parece proibido. O descortinamento espacial é gradual, nunca imediato, a cada passo uma nova visada, uma descoberta. As deformações provocadas exigem o deslocamento pelo espaço, que se constitui como tal apenas pela flânerie, pelo movimento através dele. Koolhaas não parece projetar espaços interiores, mas espaçamentos, um espaço em contínua transformação, uma transformação possibilitada justamente pelo tempo do movimento através do espaço.
O presente, então, parece estar sempre se apresentando diante de nós, nunca está dado; apenas a interação do corpo com um espaço in-apresentável garante sua apresentação. Um presente espacial permanentemente “avivado” apesar de já estar lá. Talvez, um presente espacial constantemente atualizado pelo movimento através dele.
Do dilatado e, ao mesmo tempo, afunilado hall de entrada, partem escadarias das extremidades em um movimento espiralado ascendente em direção à sala de apresentação principal. A sala principal, um grande volume prismático retangular vazio no centro da casa – a já conhecida forma “caixa de sapato” (5) – com as escadarias chegando pelas laterais. Aparentemente, o projeto trabalha com uma organização convencional para uma casa, a saber, escadas laterais partindo do hall para níveis superiores.
Entretanto, o que acontece durante esse percurso em direção à sala principal conduz o visitante-fruidor às irrupções que desequilibram o domiciliar, impulsionando-o em direção a um estranhamente domiciliar. Como de praxe, ao redor da sala principal situam-se as circulações e áreas de apoio. Porém, Koolhaas transforma esses espaços, que seriam apenas passagem, em uma fruição de gradativos tensionamentos e desvelamentos. A geometria ótica se dissolve em prol de uma espacialidade quase inapreensível, grotesca, entendendo-se o grotesco, aqui, como algo relacionado à grotta, ou gruta, caverna.
Na duração do percurso até a sala, o visitante-fruidor é atravessado por um espaço que não se apresenta. Bifurcações, possibilidades de desvios por meio de escadas rolantes sugerem um convite à descoberta e exploração da caverna mais que a receptividade passiva do caminho linear que conduz. Se for possível falar de uma representação clássica do espaço, Koolhaas desestabiliza essa representação ao transformá-lo em uma sequencia de vazios residuais irregulares. A seqüência alterna-se entre vazios dilatados, os quais abrigam os ambientes que se comprimem nos momentos de articulação horizontal e vertical, os corredores e escadas rolantes.
Os momentos de articulação transformam-se em preparação para as pequenas ágoras, os vazios dilatados. Ao redor da sala principal – sala Suggia – a “grande praça”, gravitam ruas-corredores e largos-ambientes; uma estrutura organizacional, lembrando um tecido urbano medieval, ressoa como estranhamente domiciliar. Corredores e escadas rolantes funcionam como forças de acoplamento e dissipação; articulam ambientes e, ao mesmo tempo, apresentam-se como alternativas de desvios de possíveis seqüências lineares dadas pelos corredores. A Casa se torna uma labiríntica “cidadela” vertical.
Além da sala principal, dois outros vazios dilatados estrategicamente distribuídos na vertical criam um sistema de “praças” na cidadela vertical. Na Casa da música, as três grandes praças garantem o convívio de diferentes gêneros musicais e públicos. Além da sala principal –sala suggia – destinada à música erudita, a sala-praça 2 destina-se aos demais gêneros, sobretudo pop, rock, jazz e a terceira, uma praça-lounge na cobertura, dedicada à música ambiente e disco. Com o encontro e convívio de diferentes gêneros musicais e diferentes públicos, a casa da música transforma-se em uma babel musical.
O posicionamento dos três grandes vazios cria a possibilidade do durante entre eles. No entre-praças, pequenos largos articulados por corredores, escadarias e escadas rolantes criam um sistema multi-vetorial de acontecimentos entre as grandes praças. Ocupando os interstícios deixados entre os três grandes vazios, o sistema de caminhos e largos torna-se um jogo desierarquizado de situações programáticas, uma seqüência não sequencial de momentos acoplados. A maneira como se acopla o programa, ou o agenciamento programático, também se torna uma estratégia de projeto.
Entre as três grandes praças de aglomeração, os pequenos largos ganham ares de pontos de intensidade atravessados por linhas de circulação. No projeto de Koolhaas, ou, nos projetos de Koolhaas, as linhas não vão de um ponto ao outro, mas atravessam esses pontos, costurando-os, por vezes, de maneira imprevista. Nessa estratégia, as escadas rolantes assumem um papel importante. Como sinapses, conectam pontos imprevistos, configurando-se como circuitos alternativos e atalhos ao possibilitarem desvios de rota.
Definitivamente, o sistema de circulação das arquiteturas de Koolhaas não é arbóreo, mas rizomático. A pulverização e diversidade de linhas articuladoras são um convite ao durante do percurso, à duração do percurso como um jogo de diferenciações e intensidades; a origem-destino do percurso é substituída pelo perder-se durante, pelas travessias. Acentua-se a “babel” pelas aparentes confusas associações. Porém, a confusão pode ser uma estratégia eficiente no processo de interação com o lugar, justamente por provocar o incômodo, o desajuste a perda de sentido, sugerindo então o envolvimento inquieto do usuário.
Bares, restaurante, salas de recreação infantil, sala de música eletrônica configuram-se como pontos de intensidade pertencentes aos sub-sistemas, ao serem acoplados em diferentes circuitos pelas linhas de circulação. A articulação das situações como sub-sistemas dentro de um macro-sistema se sobrepõe a noção de melhor ou pior adequação e suas localizações. Superficialmente, como no conceito de Heterotopia, de Foucault (6) e as várias significações que assume, a noção de localização e delimitação dos ambientes em um interior dá lugar à idéia de posicionamento dos espaços visando articulações e entrelaçamentos. As relações de proximidade e possíveis trocas possibilitadas justamente pela proximidade deles prevalecem sobre a busca pela “melhor” localização. A proximidade de coisas, muitas vezes aparentemente não complementares ou afins é a chance do tensionamento e intensificação do espaço háptico (7).
Para Foucault (1984), posição implica posicionar-se em relação á, ao passo que localização implicaria em delimitação e fixidez; no caso da prática projetual seria encontrar a melhor disposição e lugar para as atividades segundo classificações apriorísticas, como, por exemplo, a eterna dicotomia público-privado, lugares mais públicos ou mais privativos. O jogo e entrelaçamento de situações programáticas no interior dos edifícios parecem superar essas dicotomias históricas. Como na cidade, o espaço torna-se um encadeamento de sítios que se inter-relacionam, por vezes deslocando, alternando ou enriquecendo os sentidos designados para cada um deles.
Koolhaas fortalece essa idéia ao criar aberturas internas e externas na “caverna”, entre os vários espaços, o que aumenta essa inter-relação. Gravitando ao redor da sala principal, os ambientes se abrem para ela e para o exterior amplificando as forças dissipativas. As aberturas criam fugas óticas, a diversidade de miradas rompe com o a primazia do ótico contemplativo estático e ensimesmado.
O ótico contemplativo dá lugar ao ótico sensorial, como diz Deleuze, à experiência tátil do olho, o espaço ótico torna-se um espaço háptico. Há sempre a possibilidade do olhar ser lançado para além do que está sendo contemplado ou apreendido, seja em relação à cidade, seja em relação aos espaços internos. Essa condição háptica do espaço é ainda mais explorada quando Koolhaas trabalha os materiais e cores. Definidas as áreas de circulação com uma neutralidade cromática – piso em alumínio naval e paredes de concreto branco – o usuário fruidor é a todo instante estimulado e provocado (8) pelo intenso policromatismo dos ambientes ao redor da sala principal. Um bar suspenso com piso de vidro, sobre um dos “halls” de acesso da sala principal, completa o sinestésico espaço “domiciliar”.
Uma sala de concertos com grandes aberturas (afinal, uma “caixa de sapatos” ou um “queijo suíço”? ), proporcionando fugas de miradas para além da própria sala, de fato parece causar certo estranhamento; ainda mais, quando essa sala organiza-se como a sala de estar de uma casa. Acentos contínuos, como sofás estendidos, no lugar das tradicionais poltronas reforçam a sensação de um lugar “estranhamente domiciliar”, uma sala de estar coletiva.
Ao contrário dos espaços hierarquizados e perspectivas monumentais da cidade barroca e da sonhada cidade moderna, e o privilégio do ótico contemplativo em ambas, o espaço da cidade contemporânea, segundo Foucault (1984), também seria o espaço do posicionamento e das inter-relações momentâneas entre as coisas, com o posicionamento definido pelas relações de proximidade e trocas entre pontos e elementos; o que, pare ele, representaria uma desejável dessacralização do espaço, seja ele urbano ou arquitetônico. No “esburacado” contêiner musical de concreto de Koolhaas, como dito, o posicionamento dos ambientes programados ao redor da sala principal acentua a intenção de uma concomitância (de novo, a babel) dos acontecimentos ao estimular o movimento e trocas óticas entre eles. O ótico não se estabiliza, forças dissipativas estimulam interações além ambientes através das aberturas e buracos internos.
Aqui, a “perspectiva” do lugar, para o usuário-fruidor, parece ir além do que seria próprio de um espaço como esse, transformando-se numa válida experiência de ultrapassamento domiciliar. A babel gerada – afinal, estamos falando de uma casa de todas as músicas – converte-se em um convite à diferenciação de ordem, grau e qualitativa do que seria próprio –ou contextual – a uma casa de música. A Casa, aparentemente confusa, labiríntica, torna-se lugar de encontro de várias “tribos” musicais. Então, de que contextualização estaríamos falando?
Bem, apesar do exercício de pensamento do sentido de algo que parece ser digno de ser questionado, torçamos para que não caia outro “meteoro” (regular ou não) na cidade do Porto; além do contexto atual não suportar, provavelmente contribuiria para a perda da condição de questão, algo que vem acontecendo pelo mundo.
notas
1
Podemos dizer que a expressão “arquiteturas celibatárias” tem relação com o termo “máquinas celibatárias”, um conceito proposto por Michel Carrouges, em seu livro Les machines célibataires (Arcanes, 1954). Designa uma espécie de máquina fantástica encontrada nas obras de Franz Kafka, Edgar Allan Poë, Bertrand Roussel, Marcel Duchamp e outros. O termo foi recuperado e reconceituado por Deleuze e Guattari em Mil platôs –capitalismo e esquizofrenia. Os autores falam de máquinas de guerra autônomas como um instrumento dos nômades, da nomos pública, mas independente do Estado; sentido diverso ao utilizado aqui, ou seja, arquiteturas como monumentos autônomos, delimitados em-si-mesmos, espaços do aprisionamento e do controle. A nomos pública, segundo Deleuze e Guattari seria “a consistência de um conjunto fluido” (DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia. Vol 5. São Paulo, Editora 34, 2005, p. 51), um espaço do nômade, nesse sentido se opondo à noção de lei e pólis, para eles, instrumentos de delimitações e cerceamentos. Em um certo sentido, como veremos, Koolhaas trabalha suas arquiteturas celibatárias como “fantásticos” – fantasmáticos? – lugares da nomia pública.
2
O autor visitou e freqüentou a Casa da Música na cidade do Porto, de Rem Koolhaas, em julho de 2006.
3
Concebida, inicialmente, para ser a residência de uma família calvinista holandesa, em virtude do fracasso dos diálogos com o cliente, Koolhaas diz que utilizou o projeto da casa como base para sua proposta do concurso, apenas ampliando-o e adaptando-o às exigências do edital. Aparentemente, Koolhaas recorreu a esse expediente em virtude da exiguidade de tempo dado pelo concurso para a apresentação das propostas dos concorrentes convidados. Porém, que melhor maneira haveria de se questionar a noção de contexto em arquitetura?
4
Koolhaas chega a fazer uma menção a isso, ao revestir uma das salas da Casa, a sala vip, com material que lembra os painéis azulejados dessas edificações históricas da cidade.
5
Neste projeto, a forma “caixa de sapato” da sala principal não está relacionada apenas à melhor forma para uma sala de concertos. Em breve análise estrutural, as duas paredes laterais da sala são os principais elementos de estruturação da Casa. Atuam como duas “cortinas” de concreto, com mais ou menos 1.00m de espessura, de onde partem hastes de concreto que, associadas ao andar-viga da cobertura –o andar do lounge , importante no travamento das paredes – formam um sistema de estruturação dos volumes laterais. Por fim, o invólucro de concreto, além de auxiliar na sustentação dos volumes, possibilita as grandes aberturas. Ressalta-se a independência da laje de piso da sala principal, que, a fim de se evitar movimentos, optou-se por isolá-la da estrutura principal e apoiá-la em pilares.
6
FOUCAULT, Michel. Des espace autres. Paris, French Journal Architecture / Mouvement Continuité, out. 1984.
7
Citando os estudos de Alois Riegl sobre os baixo-relevos egípcios, Gilles Deleuze faz uma defesa do espaço háptico (do verbo grego aptô – tocar), ou seja, o espaço onde não haveria uma submissão do tátil em relação ao ótico, mas a reunião dos dois sentidos (DELEUZE, Gilles. A lógica da sensação. Rio de Janeiro, Zahar, 2007, p. 123). Passamos a falar, então, de um espaço tátil-ótico, um espaço da proximidade e não do olhar distante, da experiência sensorial violenta.
8
Sem falar no detalhe do condutor de águas pluviais descendo pelo meio de uma das escadarias internas. Koolhaas, definitivamente, parece desafiar também o olhar “ótico” dos arquitetos.
ficha técnica
Projeto
Casa da Música
Datas
Concurso: 1999 (1º prêmio) / Inauguração: primavera 2005
Cliente
Casa da Música / Cidade do Porto 2001
Cidade
Porto, Portugal
Localização
Rotunda da Boavista
Programa
Edifício principal: 22.000 m2; Grande Auditório: 1.300 lugares; Pequeno Auditório: 350 lugares; 8 Salas de Ensaio com estúdio de gravação; Loja de Música; Espaço educacional digital; Sala VIP; Restaurante com terraço na cobertura; Estacionamento com 600 vagas (27.000 m2).
Arquitetos responsáveis
Rem Koolhaas e Ellen van Loon
Equipe
Adrianne Fisher, Michelle Howard, Isabel Silva, Nuno Rosado, Robert Choeff, Barbara Wolff, Stephan Griek, Govert Gerritsen, Saskia Simon, Thomas Duda, Christian von der Muelde, Rita Amado, Philip Koenen, Peter Müller, Krystian Keck, Eduarda Lima, Christoff Scholl, Alex de Jong, Catarina Canas, Shadi Rahbaran, Chris van Duijn, Anna Little, Alois Zierl, Olaf Hitz, Jorge Toscano, Duarte Santo, Nelson Carvalho, Stefanie Wandinger, Maria Baptista, André Cardoso, Paulo Costa, Ana Jacinto, Fabienne Louyot, Christina Beaumont, João Prates Ruivo.
Arquiteto local
ANC Architects / Jorge Carvalho
Equipe do concurso
Rem Koolhaas, Fernando Romero Havaux, Isabel Silva, Barbara Wolff e Uwe Herlijn
Arup – AFA
Estrutura
Arup London / AFA Lda, Cecil Balmond, Rory McGowan, Asim Gaba, Toby Maclean, Andrew Winson, Rui Furtado, Rui Oliveira e Pedro Moas
Serviços
Arup London / AFA Lda/RGA, Tim Thornton, Stefan Waldhauser, Dane Green, Rodrigues Gomes, Joaquim Viseu, Luís Graça, Paulo Silva, Marco Carvalho e Pedro Albuqüerque.
Engenharia antiincêndio
Arup Fire / George Faller
consultorias
Proteção contra incêndio
OHM / Gerisco
Acústica
TNO Eindhoven and DHV, Renz van Luxemburg, Theo Raijmakers
Interiores / Cortinas
Inside Outside, Petra Blaisse, Peter Niessen, Marieke van den Heuvel, Mathias Lehner
Cenografia
Ducks Scéno, Michel Cova, Stephan Abromeit, Aldo de Sousa
Fachada
Robert Jan van Santen, Rob Nijsse (ABT), ARUP facades
Assentos dos auditórios
Maarten van Severen
Mobiliário avulso do foyer
Daciano da Costa, António Sena da Silva, Leonor Álveres de Oliveira