memorial
ficha técnica
anexo: depoimentos
“Nenhum aperfeiçoamento orgânico é possível sem uma reorganização dos seus processos, funções e propósitos”
Lewis Mumford (1)
“Vida, espaço e edifícios – nessa ordem, por favor”
Jan Gehl (2)
O Projeto Vila Flores vem acontecendo ao longo de 6 anos e por muitas mãos, devendo ser descrito com uma lógica que o inscreve no tempo e guia seu partido arquitetônico, pela perspectiva da vida que hoje nele pulsa.
Datado de 1928, localizado na antiga região industrial na várzea do Rio Guaíba, Porto Alegre, o conjunto de edificações não apenas permitiu como inspirou o Vila Flores. A semente de um espaço compartilhado, adequado ao desenvolvimento de atividades colaborativas, já estava no projeto original de Joseph Lutzenberger, pela diversificação dos tamanhos das unidades destinadas ao uso misto e pela concepção dos espaços de uso comum.
Ocupar, trabalhar, viver e conviver são as bases para o processo de readequação do conjunto arquitetônico, que está listado como interesse cultural para o patrimônio da cidade. O projeto vem sendo desenhado de maneira processual e colaborativa, desde 2011, quando o conjunto arquitetônico foi aberto para a comunidade com a intenção de tornar-se um centro de cultura, educação e economia criativa. de ouvidos abertos para a construção de uma ideia coletiva.
Vida
O Vila Flores é hoje cheio de energia, que demanda muita ação e desperta muito entusiasmo. Empreendedores, artistas, espectadores e profissionais liberais de áreas diversas coabitam esse espaço. Essa diversidade transformou o local em um laboratório de experiências transdisciplinares e coletivas.
Desde 2012, muitas atividades culturais são realizadas no local e abertas a comunidade do entorno. A Associação Cultural Vila Flores – ACVF (3) nasceu em 2014, quando o complexo começou a acolher iniciativas de pequenos empreendedores e artistas que desenvolvem atividades próprias de sua área de atuação e que, além de gerir o espaço coletivamente, desenvolvem projetos compartilhados que promovem a interação e diálogo entre as diferentes áreas do conhecimento. Cada iniciativa contribui com uma mensalidade, que permite à associação ter recursos para gestão cultural, administração, manutenção, e zeladoria dos espaços comuns.
Surge, assim, uma relação de afeto e pertencimento, no envolvimento dos grupos chamados iniciativas residentes. Juntos esses grupos formam a ACVF, em que cada coletivo mantém suas atividades autorais e autônomas e também é responsável pela gestão compartilhada dos espaços comuns destinados ao convívio, ao encontro, a troca de serviços e produtos, exposições, mostras, exibições, oficinas, cursos e palestras.
Moradores e trabalhadores da região, que têm seus negócios próximos ao Vila Flores – que vivenciaram, durante longo tempo, o processo de degradação do bairro – hoje fazem parte de uma vida ativa e criativa, sendo também atores desse processo de transformação e fortes representantes da sociedade civil no projeto.
Uma grande rede de relações vem se criando em torno do Vila Flores, conectando sociedade civil, iniciativa privada, universidades e poder público (4), que cada vez mais estão voltando seu olhar para o patrimônio industrial de Porto Alegre, região identificada na cidade como o Quarto Distrito (5).
Espaços comuns
Galpão: o Galpão Multiuso tem seu programa elaborado pelos artistas que dele se apropriaram. Hoje abriga exposições, apresentações, exibições, encontros e, a cada evento ou atividade, descobre novas potencialidades ou necessidades de adequação que permitem a fusão e convivência de diversas práticas e linguagens artísticas.
Patio: o Pátio Central é o coração do complexo. É o lugar de encontro ao ar livre. Através de seu uso percebeu-se a necessidade de verde, sombra, assentos, que vem sendo construídos e locados coletivamente.
Miolo: o Miolo é um espaço educativo no térreo comercial do edifício da Rua São Carlos, destinado a troca de saberes, cursos, oficinas, palestras.
Todos os espaços acolhem atividades propostas pelas iniciativas residentes e pelas pessoas da comunidade, que estejam em convergência com os seguintes eixos norteadores:
Arte e cultura: artes visuais, artes cênicas, audiovisual, música, dança.
Educação: cursos, oficinas, seminários e encontros para troca de conhecimentos e experiências.
Empreendedorismo: incentivo aos produtores locais e iniciativas que fazem a conexão entre negócios criativos, sociais e colaborativos.
Arquitetura e urbanismo: fomento ao debate sobre questões urbanas e promoção de atividades para a concretização de projetos cujo objetivo é a melhoria da vida na cidade.
Edifícios: o conjunto
O Conjunto VF é formado por dois prédios de três pavimentos de estrutura mista (alvenaria portante e concreto armado) e um galpão de alvenaria, conformando juntos o pátio interno. São 2.332m2 construídos em um terreno de 1.415 m2. As edificações são parte do Inventário do Patrimônio Cultural de Bens Imóveis do Bairro Floresta, inseridas em área de interesse cultural da cidade. O conjunto foi originalmente desenhado pelo engenheiro e arquiteto alemão Joseph Franz Seraph Lutzenberger, e construído pela multinacional Dyckerhoff & Widmann S.A. no final da década de 1920, conta com poucos adornos e bay-windows nas suas salas principais. No projeto original, Lutzenberger garantiu uma excelente implantação aproveitando-se da iluminação natural e ventilação cruzada, além de boa distribuição entre área construída e vazios abertos.
Projeto arquitetônico de adequação
Desenvolvido para ser executado em etapas, de acordo com as possibilidades e sustentabilidade financeiras, e factível para adequação e captação de recursos junto a investidores e editais, o projeto tem como objetivo a requalificação dos edifícios e adaptação de seu uso a uma demanda contemporânea. Está previsto o uso do conjunto programas de serviço, comércio e habitação.
As premissas de projeto são o restauro das fachadas externas e elementos originais, resolução de sistemas infraestruturais, circulação e acessibilidade, e questões estruturais da saúde das edificações.
Conclusão
O Vila Flores é um projeto não convencional, realizado em etapas e aberto à participação da comunidade. Um núcleo de resistência originado em um bem privado, que hoje presta serviços de utilidade pública através de ações que fomentam a preservação do patrimônio material e imaterial, o acesso à cultura, o desenvolvimento de novas tecnologias sociais, valorizando a arte em todas as suas linguagens e o crescimento do empreendedorismo criativo.
O projeto encontra-se em fase de captação de recursos através de leis de incentivo, para que possa atingir o ideal de readequação arquitetônica e viabilizar a sua continuidade como equipamento cultural da cidade. O que se almeja é que o Vila Flores seja um espaço de experimentação e transformação, cada vez mais aberto ao público, vivo e diverso e que isso possa se refletir no dia a dia da cidade.
notas
NE – Vila das Flores é um dos projetos selecionados pelo curador brasileiro Washington Fajardo para representar o país na Bienal de Veneza de 2016 no Pavilhão do Brasil no Giardini. A mostra brasileira se chama “Juntos” e será exposta durante o período de 28 de maio a 27 de novembro de 2016.
1
MUMFORD, Lewis. A cidade na história – suas origens, transformações e perspectivas. 4 edição. São Paulo, Martins Fontes, 1998-1961, p. 610.
2
GEHL, Jan. Cidades para pessoas. São Paulo, Perspectiva, 2013, p. 198.
3
Atualmente a ACVF é formada pelos seguintes grupos:
arquitetura e urbanismo
AC Arquitetura / Goma Oficina / Panitz Bicca / Geração Urbana
artes visuais e audiovisuais
Coletivo Ameixa / Estúdio Hybrido / Ateliê de Cerâmica / Ateliê do Pátio
design
Surto Criativo / S.A. Design
moda
Estúdio Hybrido / Humanus
música
Armazém Sonoro
teatro
Caixa do Elefante Teatro de Bonecos
gastronomia
Café Minéraux / Bici Café
cultura digital
Matehackers Hackerspace
educação e formação
Escola Conexo / ONG Mulher em construção
empreendedorismo social
1% / Colibrii
produção cultural
Joner Criações e Reflexões
gestão cultural
Associação Cultural Vila Flores (Administração: João Wallig Neto, Samantha Fuchs Wallig, Ana Marisa Skavinsky; zeladoria e manutenção: Amável Amaral; gestão de obras: João Felipe Wallig, Pablo Urquiza; gestão cultural: Antonia Wallig, Aline Bueno; colaboradores curatoriais: Joel Grigolo, Marcelo Monteiro, Marcia Braga, Mario de Ballenti, Marcio Machado, Vanessa Berg, Fabio Schmidt).
4
Modelo Quádrupla Hélice <www.altec2015.org/anais/altec/papers/833.pdf>.
5
SALDANHA JUNIOR, Gelson. IV Distrito de Porto Alegre: onde começa, onde termina. 1o Colóquio Internacional de História da Cidade. Porto Alegre, agosto 2015.