“É preciso ser leve como o pássaro e não como a pluma”.
Paul Valéry, Coisas mortas, 1930 (1)
Há, no contexto onde se insere o projeto, uma multiplicidade de tempos concomitantes, pautados nos últimos 160 anos pela afluência de usuários ao Mercado Público de Florianópolis, cuja história inclui demolições, mudanças de local, renovações diversas, e a participação ativa de gerações de consumidores, vendedores e administradores. A nova cobertura para o vão central configura-se, então, como mais um elemento nessa narrativa, e como tal deve respeitar e adicionar ao existente sem tornar-se irrelevante ou caracterizar-se como mero fechamento. Cria-se uma nova escala, protegida dos elementos, com o intuito de suportar adequadamente novas histórias complementares: feiras temporárias, apresentações culturais, festividades, projeções desfiles etc.
Por tratar-se essencialmente de projeto arquitetônico composto por uma superfície que pousa sobre o contexto existente quase sem tocá-lo, a premissa da leveza, entendida como precisão e determinação aos moldes de Ítalo Calvino é condicionante fundamental. A leveza, assim percebida, não está vinculada meramente à uma ausência de peso do sistema construtivo, mas a uma certa tensão entre a força da gravidade e as peças de aço em forma de “V”, que encontram-se suspensas, à pairar fixamente um pouco acima da cota dos telhados existentes de maneira a criar um vazio por onde o ar circula livremente. Para realizar tal composição, buscou-se um sistema que permitisse a execução de grandes vãos com um mínimo de componentes e cujo arranjo é resultado de um pensamento simples: a localização dos dois pontos de apoio distantes 36m entre si deveria dar-se ao longo do eixo central alinhado aos pilares existentes, de modo a se manter a configuração do espaço existente, e se evitar que as novas fundações gerem interferências perigosas ao embasamento do edifício histórico. Sobre os mencionados pilares apoia-se, então, uma viga principal em perfil retangular onde conectam-se vigas intermediárias, inclinadas em direção à calha central e distanciadas umas das outras em vãos de 11,4m.
A última camada da cobertura consiste em uma membrana leve e de grande resistência, a qual pode ser retraída através de um sistema automatizado no qual vigas deslizam por trilhos conforme a tração de correntes de transmissão acionadas por motores, sanfonando o tecido nas extremidades da cobertura. Tal sistema permite o recolhimento da camada de proteção superior possibilitando a visualização desobstruída do céu e do edifício existente.
Conforma-se, assim uma proposta que busca lidar de maneira respeitosa com a multiplicidade da história do Mercado Público de Florianópolis, atentando, porém, para que tal intervenção feita de maneira precisa, possa potencializar o espaço como lugar democrático de encontro e convivência.
nota
1
VALÉRY, Paul. Choses tues. Cahier d'impressions et d'idées. Paris, Éditions Lapina, 1930. Apud CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo, Companhia das Letras, 1990, p. 28.
ficha técnica
projeto
Cobertura do Mercado Público de Florianópolis
autores
Gustavo Correia Utrabo, Pedro Lass Duschenes
colaboradores
Bárbara Zandavali, Maguelonne Gorioux, Felipe Gomes, Agatha Linck, Ana Julia Filipe
projeto estrutural
Andrade Rezende engenharia de estruturas
assessoria estrutural
Eng. Sandro Norio Oyama
projeto elétrico e hidráulico
Prosul engenharia
projeto de automação
Solar system
construção
Esphera Sul
fiscalização
Secretário de Obras Rafael Hahne, Fernanda Driessen e Prosul Engenharia
local
Florianópolis SC Brasil
datas
Projeto: 2013-2014
Obra: 2015-2016
áreas
Projeto: 1.015,00 m2
Lote: 902,00 m2
fotos
Felipe Russo