Vários recortes seriam possíveis para contar um pouco da historia do Projeto O2 Filmes – São Paulo a pedido da nova e bem-vinda Revista Contraste da FAU – USP.
Em [19]95, recém-formada arquiteta, ouvi de Roberto Schwarz um comentário que apenas guardei, sem entender muito: “Arquitetura e Cinema são, das Artes, as mais complexas”. Nunca perguntei o que ele quis dizer exatamente, nem sei se hoje ele diria o mesmo ou se foi uma simples fala em conversa informal.
O fato é que me lembrei desse comentário em vários momentos do trabalho de Projeto e Obra da reforma da O2.

Reforma e ampliação O2 Filmes, croquis, São Paulo SP Brasil, 2013. Arquiteta Cristina Xavier
Imagem divulgação [Acervo Cristina Xavier]
Em abril de 2007, Fernando Meirelles me chamou na produtora, que já funcionava bem instalada em um galpão alugado (aproximadamente ¼ da área total atual) e recém comprado junto com outros seis galpões na Vila Leopoldina, formando um total de 7.600 m², uma meia quadra nesse bairro em transformação.

Reforma e ampliação O2 Filmes, situação original, São Paulo SP Brasil, 2013. Arquiteta Cristina Xavier
Foto divulgação [Acervo Cristina Xavier]
Andamos por tudo, bem rapidamente. Sobe, desce, abre porta, fecha porta, olha aqui, olha ali. No fim do passeio, sentado no espaço de pré-produção do filme Ensaio sobre a cegueira onde estavam uma série de fotos interessantes de lugares, cidades, pessoas, imagens de quadros e maquetes de espaços, ele disse:
Simples! Precisamos reformar a Produtora e dar um jeito de integrar o novo espaço dos galpões. Vou te passar uma planta baixa e em cinco minutos você vai entender tudo. Pensa num conceito e vamos nos falando.

Reforma e ampliação O2 Filmes, croquis, São Paulo SP Brasil, 2013. Arquiteta Cristina Xavier
Imagem divulgação [Acervo Cristina Xavier]
Silêncio. Arquiteta pensando: Simples? E agora?
Cena: O pessoal trabalhando na preparação daquele filme, incrível e complexo, e, ao lado, aqueles galpões de antigas oficinas e concessionarias totalmente detonados, tudo cimentado, poucas aberturas e pouca luz. Áreas já sendo invadidas, assim mesmo, uma divisória aqui, outra ali, para novos trabalhos, filmes publicitários, testes de Elenco, trabalhos de Pós-Produção, tudo ali, pulsando e pedindo espaços (melhores?).
Muita energia e criatividade, e certo receio, expresso por vários, de que, ao crescer, reformar e construir com projeto, perderiam a informalidade criativa, os encontros casuais e decisivos nos corredores. Um arquiteto imporia uma ordem racional/ estética? Viria estragar a brincadeira, o trabalho espontâneo e criativo?

Reforma e ampliação O2 Filmes, croquis, São Paulo SP Brasil, 2013. Arquiteta Cristina Xavier
Imagem divulgação [Acervo Cristina Xavier]
E agora?
O que fazer com esse desejo de rua?
Recorri ao texto de Italo Calvino, em Cidades Invisíveis, no embalo de Ensaio sobre a Cegueira.
“O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer.
A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebe-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem continuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preserva-lo, e abrir espaço”.

Reforma e ampliação O2 Filmes, croquis, São Paulo SP Brasil, 2013. Arquiteta Cristina Xavier
Imagem divulgação [Acervo Cristina Xavier]
Sendo assim, a meu ver, eles tinham duas alternativas:
– A primeira: ok, vão em frente, sem projeto nem arquiteto, com espaços construídos da noite para o dia. Toca o pau! Libera a ocupação.
– A segunda: “é arriscada e exige atenção e aprendizagem continuas: tentar saber reconhecer quem e o que no meio do inferno, não é inferno, e preserva-lo, e abrir espaço”.
Fechamos com a segunda e fomos em frente. Fernando, cineasta, arquiteto de formação e jardineiro (como diz), representando a O2, participou ativamente do processo, bancando a opção. Como Buscapé, em Cidade de Deus, “se correr o bicho pega e se ficar o bicho come”: tratava-se de “abrir espaço”.

Reforma e ampliação O2 Filmes, croquis, São Paulo SP Brasil, 2013. Arquiteta Cristina Xavier
Imagem divulgação [Acervo Cristina Xavier]
Para uma Produtora de Filmes, abrir espaço, em dois sentidos:
– Como uma cidade que acolhe, abrindo caminhos, vielas, pátios, ruas, praças, criando espaços de convivência e diversos locais de trabalho. A cidade como local de encontro e troca de ideias, de trabalho, lazer, cultura e arte. Muita luz e fluidez, jardins, contemplação e reflexão.
– E, abrir espaço para novos conteúdos, filmes, séries de TV e longas. Mais entretenimento, cultura e arte.

Reforma e ampliação O2 Filmes, croquis, São Paulo SP Brasil, 2013. Arquiteta Cristina Xavier
Imagem divulgação [Acervo Cristina Xavier]
O trabalho de Arquitetura se deu passo a passo, em camadas, mantendo as cascas e articulando os galpões de diversos usos com circulações claras e informais. Estruturas / caixas de madeira ocupando os espaços e criando vazios, curingas.
A cada camada superposta, na horizontal e na vertical, com aberturas e entradas de luz e jardins, fronteira a fronteira, em plantas e cortes, até chegar às elevações das ruas. Abrir. Se comunicar com a cidade, o bairro: levar/ trazer vida, civilidade.

Reforma e ampliação O2 Filmes, croquis, São Paulo SP Brasil, 2013. Arquiteta Cristina Xavier
Imagem divulgação [Acervo Cristina Xavier]
Muitos desenhos, croquis, e-mails, reuniões, projetos executivos e complementares. Muitos profissionais em obra, equipe de arquitetura, paisagismo, engenharia, estrutura, ar condicionado, elétrica, telefonia, hidráulica e reuso de água, comunicação visual, iluminação, design têxtil, diversos fornecedores e serviços.
Reforma e ampliação O2 Filmes, croquis, São Paulo SP Brasil, 2013. Arquiteta Cristina Xavier
Imagem divulgação [Acervo Cristina Xavier]
Uma verdadeira produção de Espaço.
E assim foi a historia. Simples! Em cinco minutos: um ano por minuto.
Julho 2007/ julho 2008, no primeiro minuto:
– Levantamento do espaço físico e do programa.
– Estudo preliminar e anteprojeto funcionando como roteiro.
– Divisão em três etapas de obra.
– Definição da construtora e esquema de gerenciamento (O2, arquitetura e engenharia) e instalação de escritório na obra.
– Reforma de telhados.

Reforma e ampliação O2 Filmes, croquis, São Paulo SP Brasil, 2013. Arquiteta Cristina Xavier
Imagem divulgação [Acervo Cristina Xavier]
Segundo: julho 2008 / julho 2009
– Projetos executivos, obra e jardins da Etapa 1 – galpões de elenco, financeiro, áreas externas de estacionamento e calçadas.

Reforma e ampliação O2 Filmes, croquis, São Paulo SP Brasil, 2013. Arquiteta Cristina Xavier
Imagem divulgação [Acervo Cristina Xavier]
Terceiro: julho 2009 / dezembro 2010
– Projetos executivos, obras e jardins da Etapa 2 – pós-produção (mobiliário produzido nos estúdios de Cotia).

Reforma e ampliação O2 Filmes, croquis, São Paulo SP Brasil, 2013. Arquiteta Cristina Xavier
Imagem divulgação [Acervo Cristina Xavier]
Quarto: 2011
– Projetos executivos, obras e jardins da Etapa 2 – galpão de produção 1 e 2, copa, sala de projeção, recepção, entrada e áreas externas, pátios, praças e calçadas.

Reforma e ampliação O2 Filmes, croquis, São Paulo SP Brasil, 2013. Arquiteta Cristina Xavier
Imagem divulgação [Acervo Cristina Xavier]
Quinto: 2012
– Projetos executivos, obras e jardins da Etapa 3 – galpão de produção 3, produções executivas, atendimento e diretores.
Em fevereiro de 2013 concluímos o processo de projeto e obra da reforma da O2 Filmes.
Um processo aberto, criativo e transformador.
Simples! E complexo, ao mesmo tempo.

Reforma e ampliação O2 Filmes, croquis, São Paulo SP Brasil, 2013. Arquiteta Cristina Xavier
Imagem divulgação [Acervo Cristina Xavier]
notas
NE – Este texto foi originalmente publicado em: Revista Contraste, n. 2, São Paulo, FAU USP, 2º sem. 2013.
ficha técnica
projeto
Reforma e ampliação O2 Filmes
local
São Paulo SP Brasil
ano
2013
área
Terreno/ intervenção: 7600 m²
Construída: 5100 m²
arquitetura
Arquiteta Cristina Xavier (autora), arquitetos Ana Lucia Pacheco, Felipe Góes, Fernando Rodrigues e Tatiana Onozato (colaboradores)
paisagismo
Ciça Souza
design têxtil
Renata Meirelles
comunicação visual
Roberta Asse
consultoria de cores
Haydée Belda
perspectivas
João Xavier
construtoras
Klar Construtora e Construtora Nartex
estruturas de madeira
Ita Construtora
consultoria estrutura de concreto
Engenheiro Vicente di Stefanno
foto
Cristiano Mascaro / Pedro Kok / Felipe Góes