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RUBINO, Silvana. O pai-fundador da arquitetura moderna brasileira faz cem anos. Resenhas Online, São Paulo, ano 01, n. 003.03, Vitruvius, mar. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.003/3245>.


Há fatos curiosos no Brasil, e um deles pode ser a proporção inversa entre a importância intelectual e institucional de alguns personagens e sua presença no meio editorial. No caso de Lúcio Costa, seria de se esperar que o leitor encontrasse farta bibliografia a respeito na primeira livraria. Não é bem o caso. Assim, seja pela efeméride do centenário de nascimento – o arquiteto nasceu em 27 de março de 1902 – ou porque as editoras parecem despertar de um longo sono no que se refere à arquitetura, Lúcio Costa,  livro de Guilherme Wisnik é bem vindo. O livro faz parte de uma série de livros de divulgação, no melhor sentido do termo, acessíveis a iniciados e não iniciados, bem editados e documentados.

Há pelo menos quatro aspectos para se ressaltar em Lúcio Costa. Em primeiro lugar, foi o precursor da arquitetura moderna brasileira. Costa, com sua passagem pela Escola Nacional de Belas Artes em 1930, após sua conversão da arquitetura neocolonial para a colonial e a moderna, formou a chamada escola carioca.Trata-se de um grupo com passagem pela ENBA, reunido para o projeto do edifício do Ministério da Educação e Saúde Pública, aplicação dos cinco pontos de Le Corbusier – que chegou a reivindicar sua autoria por ter tido participação fundamental junto à equipe da qual fizeram parte Oscar Niemeyer, Jorge Moreira e Affonso Eduardo Reidy, entre outros, sob a liderança de Costa. Se sua passagem na ENBA foi meteórica, o MESP ainda testemunha a capacidade de Costa como articulador, a dimensão da influência de Le Corbusier neste campo e a originalidade da leitura da tradição sob um olhar moderno.

 Costa foi um dos  homens do patrimônio, junto com Mário e outros dois Andrades, Rodrigo Mello Franco e Carlos Drummond, além de Luis Saia, e outros “modernistas de repartição”, para usar a feliz expressão de Lauro Cavalcanti. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), fundado em 1937 e dirigido por trinta anos por Rodrigo, ladeado por Costa, tinha nas idéias desses intelectuais modernos suas bases conceituais que, desdobradas em tombamentos, resultaram no que se salvaguardou e no que se esqueceu no Brasil. Explicitadas por escrito, suas posturas forneceram as bases de alguns debates importantes, como o barroco brasileiro e a arquitetura civil colonial. Costa constituía um dos pilares da “academia SPHAN”, como arquiteto e como estudioso e ensaísata: foi no primeiro número da revista da instituição que ele publicou “Documentação necessária”, texto indispensável para a explicitação dessa peculiar articulação ente tradição e modernidade.

Costa foi o autor de plano piloto de Brasília, meta-síntese do governo de Juscelino Kubtschek. Cidade planejada de acordo com os princípios do urbanismo moderno condensados na Carta de Atenas (1933), assim como no gesto em cruz de tomada de posse que, se não remete à cidade colonial como forma, o faz como gesto, Brasília foi alvo de críticas e ressalvas de cunho diverso, e Wisnik as aborda corretamente, assim como sua defesa por parte de críticos brasileiros do porte de Mário Pedrosa. Contudo, o ponto alto de sua análise a respeito de Lúcio Costa enquanto urbanista está na sutileza com que assinala que o MESP, já na década de 1930 era mais do que um projeto de edifício ou a defesa dos princípios corbuseanos e sim urbanismo, ainda que em um projeto isolado.

Lúcio Costa foi um arquiteto. Em projetos como o Parque Guinle ou o Hotel de Friburgo está evidente seu “raciocínio moderno sobre base vernacular”, traduzidos no uso do cobogó, de cores não primárias, caipiras mesmo, na reapropriação de pátios e varandas, entre outros elementos tradicionais relidos com olhos presos à contemporaneidade. Não por acaso, Gilberto Freyre defendia publicamente os edifícios de Costa como emblemas de uma vitória para os escritores que há muito clamavam por esse reviver da casa colonial, especialmente os ligados ao movimento regionalista de Recife.

Wisnik toca em todos esses aspectos em texto bem pesquisado e bem escrito. Vai às fontes bibliográficas corretas, os escritos originais do arquiteto, as seguras interpretações de Otília Arantes, Sophia Silva Telles, Carlos Martins e Carlos Comas. Contudo, uma resenha quase sempre guarda algo de dissonante, e gostaria de expor as inquietações suscitadas sobretudo no primeiro aspecto levantado: o papel de fundador da arquitetura moderna brasileira. Wisnik parece corroborar da afirmação de Costa segundo a qual houve um “milagre” que resultou nessa bem sucedida empreitada, e nesse aspecto não é o único. Trata-se de um vício sedimentado desde o livro de Yves Bruand que, como assinalou Hugo Segawa, incorporou os preconceitos dos arquitetos brasileiros em sua análise. Eu diria mais: transformou a versão nativa dos fatos em história oficial.. Wisnik, embora usando Bruand, o que é obrigatório, não chega a tanto. Contudo, naturaliza a importância de Costa e essa primeira parte de seu belo ensaio, que poderia ter carne e osso,  torna-se uma suave transição de um academicismo superado para a “boa causa”, eclipsando o papel fundamental do ministro Capanema ou de Rodrigo como articuladores da hegemonia obtida.

Em outro momento, o autor refere-se à generosidade de Costa, nome mais uma vez natural para o projeto de um hotel moderno na tombada Ouro Preto, oportunidade que cedeu a Oscar Niemeyer. Costa,  como arquiteto do SPHAN e do CIAM (como ele mesmo afirmou em carta a Rodrigo), estava ciente da importância paradigmática de tal projeto, e o que estava em pauta era mais do que ser o autor de um edifício. Sua ação junto a Rodrigo foi crucial para que não fosse edificado o projeto neocolonial de Carlos Leão e para que Niemeyer atenuasse a modernidade excessiva de sua concepção, resultando numa feliz a união da “boa tradição” com a nova moderna tradição que se visava fazer prevalecer. Não por acaso o hotel, que deixava que Ouro Preto continuasse lá quieta, revivendo sua própria história, lembra mais um projeto de Costa do que do próprio Niemeyer.

São observações idiossincráticas, que não tiram o interesse de um livro competente e sedutor. Falaremos muito de Lúcio Costa nesse ano que mal começou: que venham as releituras, reinterpretações, enfim, vamos debater.

nota

Texto originalmente publicado com o título "Papai faz cem anos" no Jornal de Resenhas, Folha de S. Paulo, nº 83, 09/03/2002, p 5. Republicação em Vitruvius autorizada pela autora.

sobre o autor

Silvana Rubino é antropóloga, professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Puc de Campinas, SP.

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Lúcio Costa

Lúcio Costa

Guilherme Wisnik

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