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BAGOLIN, Luiz Armando. Geração reeditada. Resenhas Online, São Paulo, ano 02, n. 019.01, Vitruvius, jul. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/02.019/3208>.


Depoimento de uma geração retorna em nova edição da Cosac & Naify após exatos 15 anos e redita discursos emblemáticos sobre a arquitetura brasileira moderna. Os textos que a compõem, coligidos em publicações de diversos gêneros espalhados desde a década de 20 do século XX, configuram agora um importante e imponente material de pesquisa reunido num só volume competentemente organizado por Alberto Xavier. A reunião investe os vários discursos captados aqui e ali como sequentes às obras e instruindo-as, porquanto valiosos para o entendimento da implantação do modernismo em nossa arquitetura. O editor adverte, contudo, quanto à não inclusão de textos sobre Brasília, tema copiosamente tratado em muitas outras edições, e chega a espantar ao leitor desavisado a reclamação feita pelo egrégio professor Katinsky em prefácio, sobre a ausência de Niemeyer que, ao contrário, muito bem representado na referida edição, comparece com nada menos do que oito textos.

Estas opiniões, ou depoimentos críticos, assinados por nomes não menos emblemáticos tais como Gregori Warchavchik, Rino Levi, Lúcio Costa, Mário Pedrosa, Giulio Carlo Argan, entre outros, são importantes vias de acesso ao pensamento sobre arquitetura moderna num momento de nossa história em que a revolução decretada pela modernidade na prática e no ensino da arquitetura era vista como algo incontornável. Como incontornável parece ser a assimilação visceral das idéias de Le Corbusier pelos arquitetos brasileiros do primeiro modernismo. Warchavchik, Lúcio Costa e Rino Levi, na primeira parte de Depoimento, assumem posições semelhantes quanto à tópica lecorbusieriana – a casa é a máquina de morar – admitindo a edificação como um processo eminentemente racional, não personalista, obedecendo tão somente a uma lógica construtiva que se vê inexplicavelmente oposta ao espírito da tradição. Em certo trecho de um texto datado de 1925, Gregori Warchavchki diz : "O arquiteto, educado no espírito das tradições clássicas, não compreendendo que o edifício é um organismo construtivo cuja fachada é a sua cara, prega uma fachada postiça, imitação de algum velho estilo, e chega muitas vezes a sacrificar as nossas comodidades por uma beleza ilusória". Muito próximo ao tom derrisório de manifestos de vanguarda, por exemplo, dos futuristas, Warchavchik desconhece, assim como os outros colegas, a arquitetura como arte de doutrina em que circulam e são interpretadas as tópicas vitruvianas, entre outras, variamente; estas doutrinas, no entanto, recusam as arquiteturas de fachada, porque os três princípios firmitas-utilitas-venustas se interpolam sempre, comparecendo na educação do arquiteto antigo que não desconhece, por sua vez, os efeitos da imitação e da emulaçao enquanto operações retóricas. Esta última, ou seja, a emulação, também é tópica relativa ao certamen, isto é, o concurso entre arquitetos, não sendo absolutizada como comportamento antitético ao criativo ou ao lógico na construção. Nas doutrinas, o tríplice firmitas-utilitas-venustas está em toda parte, agenciando a edificação. Por exemplo, Francesco Milizia, em tratado sobre arquitetura do XVIII, não recusa a beleza (venustas) da Cloaca Maxima, o esgoto romano, mas investe-a na justaposição entre solidez (firmitas) e utilidade (utilitas). Muito bem e solidamente construído, e útil para toda a Roma, a Cloaca não é bela em si, mas a beleza comparece como um efeito do acordo mútuo entre os dois outros princípios partícipes.

Desse modo, a arquitetura como resultado de uma lógica construtiva não pode ser absolutizada como fenômeno pertinente somente à modernidade, como ingenuamente propõe o discurso de nossos primeiros arquitetos modernistas. No entanto, a rígida dicotomia entre um presente plenamente livre e promissor, particularmente quanto à técnica para Rino Levi (texto de 1925), e um passado outorgante de regras, não é apartável, contudo, de gênero de discurso ativo naquela época, em que soa ainda o tom dos primeiros manifestos modernistas europeus, como já referido. A queima do tratado de Vignola, tendo as suas cinzas espalhadas pelas praias do Rio de Janeiro após Lúcio Costa assumir a direção da Escola Nacional de Belas Artes, relatada em depoimento de Abelardo de Souza (texto de 1978), no tocante a este gênero de discurso, é ato sumamente alegórico. Como também o é o modo pelo qual Lúcio Costa (texto de 1936) desencarece o ornamento, apassivando-o pelo pejorativo enfeite, vestígio bárbaro, segundo diz, que na contrafação modernista perde para os procedimentos industriais, dotados de perfeição de acabamento. Também aqui não é possível ativar o diálogo entre o que Lúcio Costa propõe como ossatura independente e as tópicas relativas à arquitetura como campo doutrinário porque o discurso modernista é, no talante do novo, impassível, irretorquível. Perde com isso o Lúcio da década de 30, de confrontar, por exemplo, a sua lâmina de cristal com a fileira de colunas perpassada por muitas aberturas de Leon Batista Alberti. Como não se quer cânonica, a nova arquitetura não admite em nível de seus discursos qualquer possibilidade de dialogar com outros cânones, os antigos, sendo apenas possível o apartamento deles, entre outras estratégias, pela irrisão, na aplicação do termo arquitetura-de-fachadas.

Em campo real, contudo, outro inimigo irrompe, muito mais ameaçador, porque justamente academicizante, que resulta de atividade construtiva em demasia, pois para o mesmo Lúcio (em texto de 1951) alguma arquitetura escapa à febre construtiva e o quadro da arquitetura em São Paulo e Rio de Janeiro, no final dos vinte e início dos anos trinta, como manifestação isenta, desinteressada, e, portanto, essencial, não pode ser comparado à repetição meramente formal desprovida da arte de projetar.

As repetições de formas e soluções implementadas posteriormente àquele primeiro modernismo, embora louváveis, ressentem-se de uma orientação, que é tão somente estilizante, e que sustenta superfluidades denominadas pingentes do modernismo. No limite, a crítica de Lúcio Costa censura a utilização de formas compositivas acadêmicas agenciadas em roupagem modernista, o que faz resultar uma espécie de classicização do modernismo motivada e desenvolvida pelo ensino oficial.

Lúcio opera uma polarização que joga os oponentes deste ensino, os primeiros modernistas, em campo distintivo, à revelia da institucionalização, representantes de um deliberado alheamento circunspecto, segundo diz. Descontinuada, porque não plenamente entendida pelos seus sucessores, a primeira arquitetura modernista defendida por Lúcio Costa fica isolada como uma ilha num mar de transigências. Quanto a este isolamento, a nostalgia revivida pelo autor em seu texto permite que se acrescente ao colonial, já resgatado bem antes enquanto sabedoria construtiva popular, os seus velhos mestres da academia ou escola nacional, por exemplo, um Lucílio de Albuquerque ou um Rodolfo Chambelland, entre outros, que pendem como contrapontos necessários à formação daqueles que mobilizaram as ações em torno da construção do Ministério da Educação e Saúde. Paradoxal pela defesa de posturas no mais das vezes dicotômicas, como as que encenam simultaneamente nos discursos, razão e intuição, passado e presente, tradição e vanguarda, acadêmicos e  vanguardistas, utilidade na arquitetura e isenção da mesma frente a demandas extemporâneas à arte, Lúcio Costa não pode ser encarado como crítico amargurado diante da oficialização do moderno. Isso porque a sua critica exige ainda hoje, mesmo com todos os seus paradoxos, uma reflexão cerrada sobre a arquitetura como processo, a um só tempo, artístico e social. 

A utilização de soluções formais e estilísticas modernistas antecipando, contudo, as necessidades de expressão de onde elas poderiam surgir, permitem além da gratuidade nos usos das referidas soluções, a transformação da arquitetura brasileira modernista em escola, no mau sentido. Em parte, contribuíram para isso os próprios modernistas de primeira hora, inebriados, conforme texto de Mario Pedrosa de 1953, recolhido neste Depoimento, com o clima de revolução da década de 30. Os favorecimentos concedidos pela ditadura Vargas aos nossos primeiros modernistas colocaram-nos diante de contradição grave, e não plenamente satisfeita aos olhos do crítico: se por um lado, a associação entre artistas e poder tornou possível construir a nova arquitetura brasileira, por outro, representou uma conivência perigosa em que os grandes espaços da arquitetura modernista puderam preencher a necessidade de suntuosidade demandada pela extrema direita populista. O gosto dessa, ainda ligado àquela arquitetura de partido classicizante, pôde, contudo, ser atendido por um programa modernista conciliador entre os pressupostos técnico-construtivos modernos e os valores de beleza absolutizados pela cultura humanista burguesa, segundo Giulio Carlo Argan em texto de 1954.

Para Argan, este programa reflete a assimilação canônica das propostas arquitetônicas de Le Corbusier pelos arquitetos brasileiros, e que, alegoricamente, é comparada pelo autor como uma colonização da arquitetura brasileira em relação à arquitetura européia, ocupando Le Corbusier o posto de Vice-Rei. Em sua estrutura programática e canônica, a nova arquitetura brasileira estaria a serviço da plena demonstração de sua adesão, encenando a eficácia e presteza do Governo Novo getulista, à forma moderna, sem, contudo, representar os verdadeiros ideais da sociedade brasileira, coforme diz o marxista Argan. Tal tese, obviamente põe em colapso a arte desinteressada proposta por Lúcio Costa em texto aqui já referido, mas principalmente predispõe os maus humores daqueles modernistas que se apresentaram, mais pela via do discurso, como vermelhos incorruptíveis.

Para Lúcio Costa, algo como um milagre aconteceu naqueles primeiros vinte anos, sugerindo a formação congenial do primeiro modernismo e as suas relações com as mudanças na ordem política e social que se faziam então no Brasil. Mas outras opiniões podem sugerir que a aproximação entre modernistas e Governo Novo não necessariamente pode ser pensada como relação histórica de causa-e-efeito, o que deliciaria os idealistas de plantão.

O ex-Secretário do Interior e braço direito de Getúlio, Gustavo Capanema, por exemplo,  tido como o articulador político de todo o processo que levou à construção do Ministério de Educação e Saúde, confessa-se em depoimento de 1985 um amador nessas matérias de cultura, tendo na ocasião compreendido o termo moderno como algo genérico. Associa-o apenas a uma turma de gente moderna (...) que o secundava (...), como diz, desmascarando o assédio que grassava nos bastidores do poder. Diante dessa exposição, os idealistas têm de mascar o riso, pois a relação determinante entre história e cultura, ou particularmente entre política e arquitetura é algo que simplesmente pode não ter ocorrido como parte de um plano para uma política cultural nacional planejada pelo Governo Novo. Por outra hipótese, menos elevada, a relação referida estaria contemplada pela categoria despacho, aplicando-se nas mesas dos gabinetes, referendados os lobbies. Por estas e outras questões, que contigencialmente emanam dos textos reunidos nesta edição, Depoimento de uma geração deve ser re-lido e debatido, analisado e posto sob os olhares, ainda reticentes, das novas gerações.

sobre o autor

Luiz Armando Bagolin é professor de História da Arte e Arquitetura no Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC/Poços de Caldas e professor de Estética no Curso de Artes Plásticas da FAAP

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