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BAGOLIN, Luiz Armando. A forma concisa. Resenhas Online, São Paulo, ano 02, n. 021., Vitruvius, set. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/02.021/3206>.


Para Herbert Read, a modernidade talvez tenha sido a época na qual a arte escultórica tenha encenado o seu maior conflito, qual seja, o do posicionamento entre a investigação do espaço mediante o uso consciente por parte do artista das qualidades e limitações inerentes a esta arte, investindo-a ainda como arte das massas e do bloco, e a superação dessa mesma em prol de sua inserção no plano da percepção coletiva em espaços públicos, resultantes do desenvolvimento das grandes metrópoles do século XX.

Em seu livro A concise history of modern sculpture, de 1964, e recentemente traduzido para a língua portuguesa sob o título Escultura moderna: Uma história concisa, Read declara ao leitor a impossibilidade de tratar do assunto anunciado pelo método convencional, em que seqüentes, os “estilos” prefigurariam uma historiografia meramente linear. Preferirá, então, tratar pontualmente de alguns artistas cujas produções excederiam quaisquer determinações estilísticas e, não obstante, se tornariam referenciais para outros artistas e produções coevas. Adota, por assim dizer, um viés mais aproximado do da crítica de arte, em que se encontram ressonâncias que operam desde o conceito de “gênio”, de Kant, até o de “família artística”, de Focillon, e em que o entendimento do método ou processo de criação de cada artista analisado é chave para a significação de sua obra. Mas, embora Read recuse a narrativa eminentemente sincrônica, mantém em seu texto o sentido de evolução na medida em que necessita explicitar as razões do que nomeia “prelúdio” e depois “difusão de estilos”, sendo aquele primeiro a origem da surgência desses estilos que se misturam e espargem na mesma velocidade em que se dissolvem os sentidos daquilo que convencionalmente (e para Read, apropriadamente) se entende por escultura.

No prelúdio, Read prefere não apontar a figura de Rodin para precursor da escultura moderna, embora isto fosse “tentador” uma vez que em termos de sincronia, o autor de A idade do bronze seja o correspondente “exato” para Cézanne, “pioneiro” na “nova arte da pintura” (tese defendida em outra obra emblemática de Read, sobre a pintura moderna). As razões disso explicitam-se pelo fato de que Rodin ainda está por demais apegado à “atmosfera do subjetivismo que então predominava”, conforme diz, além de particularmente envolvido com a recuperação de procedimentos estilísticos semelhantes aos de Michelângelo. Rodin está mais atento ao passado do que ao presente e, para Read, a sua escultura só poderia ser relacionada à modernidade em virtude da persecução de um forte “realismo visual”. Entretanto, é somente com Picasso, e depois com González, Brancusi, Archipenko, Lipchitz, Laurens e outros, que seguirão a seara aberta por Cézanne na pintura, particularmente quanto à “paciente compreensão da estrutura do objeto” e à “concentração no motivo”, que poderemos encontrar os intróitos da escultura moderna. Um outro antecedente, Honoré Daumier, que não pertence a esta família, é antes considerado pelo Autor uma “intromissão estranha”. Uma obra sua como l’homme à tête plate, por exemplo, é tratada na chave da caricatura, que pretensamente deforma a figura pendendo-a para o “moderno” como coincidência apenas, mas não como parte de um programa consciente e consistentemente moderno. Aqui fica difícil ao leitor saber de que se trata este “moderno”, pois o Autor não é claro a este respeito. Fica claro, contudo, que o mesmo desabona os gêneros e, particularmente, o satírico, em que circula a plástica de Daumier. Ou então, poderemos lê-lo de outra maneira – quanto à situação em que os gêneros são supostamente subsumidos pela “arte moderna” enquanto processo de criação que se atém a si mesmo e às suas partes constituintes.

O sentido de ouro da escultura universal, seria o “tato”, porque mais do que meramente visual, a escultura deve ser “háptica”. Por isso, Read registra de forma veemente a sua censura ao elogio que Adolf Hildebrand fez do pictórico no relevo da escultura. A difusão das idéias do escultor alemão teria sido desastrosa, e em grande parte responsável pela adesão de muitos artistas do século XX aos “métodos fáceis de colagem”, segundo sugere. Contudo, curiosamente é aos pintores que o Autor credita o “prelúdio” da escultura moderna. Além de Cézanne, aqui já referido, são também considerados “precursores” Degas e Matisse, pintores por excelência, que estenderam as suas preocupações também ao campo da escultura. Para o primeiro, a escultura terá sido um método de estudo e investigação acerca dos problemas das figuras em movimento, em circunstâncias ou posições em que estas se mostravam difíceis de solucionar, no plano bidimensional. Mas é principalmente em Matisse, segundo Read, que se pode verificar uma nova atenção à “totalidade” da figura, e que não se constitui em mera soma de suas partes. Os “dorsos” aos quais o artista se dedicou entre 1909 e 1929 investem as formas, principalmente os relevos, numa estrutura que tem no “arabesco linear” o seu aspecto mais imediato, compreendido pela visão. Também neste ponto não ficamos, enquanto leitores, plenamente esclarecidos e satisfeitos com a distinção entre os “relevos” de Matisse, elogiados, suspeita-se, como partes fundamentais daquele “prelúdio”, e o relevo pictórico proposto por Hildebrand, cuja existência, segundo o Autor, afastaria a escultura de sua condição essencialmente “háptica”. Mas de acordo com este mesmo raciocínio, também chama a atenção o elogio que fará sobre o novo método adotado por Picasso ao “retomar” o trabalho escultórico após a fase cubista, ou seja, após as experiências nas quais a “colagem” seria o procedimento mais freqüente de execução.

Na década de 30, Picasso utilizou um processo construtivo que já não contava apenas com a incorporação de “materiais já prontos” e “mesclados”; ao invés disso, iniciou um conjunto de construções em ferro e arame “que pertenciam a um tipo de arte completamente novo e inaudito”. E embora tais construções possam ser equiparadas às produções “construtivistas”, como as de Tatlin e Rodchenko, ao contrário destas, as “figuras de ferro” de Picasso investem em um humor ou em um mistério, e são, para além do racionalismo científico, fletidas pela “magia”. Neste ponto, Read invoca a obra de Collingwood em defesa da necessidade de se pensar a “magia”, ainda operante em nossos dias, como uma atividade que denotaria uma “função social específica”, equilibrando as produções culturais em geral, de modo que não pendam somente para o lado da cientificidade e da razão. A obra de Brancusi seria exemplar acerca deste equilíbrio, pois traz a noção de uma “harmonia universal” alcançada graças à utilização precisa dos materiais e à observação “das leis físicas e de crescimento”. A partir de Brancusi, Hans Arp chamará suas peças de “concreções” e a escultura passa a descrever um processo mais de apresentação de um determinado fenômeno do que de sua representação. Aliás, para Read, a arte moderna representou uma “ruptura decisiva com a tradição”, na medida em que a ela interessará não mais a imitação da natureza, mas a “assimilação”, a “regeneração” e a “substituição”. Quanto às duas primeiras ações mencionadas, é importante para o Autor a apresentação de duas categorias, “ecletismo” e “exotismo”, sem as quais teria dificuldade para superar os modelos estilísticos que se sucedem linearmente no tempo. Desse modo, a mistura de “estilos” passaria a caracterizar o próprio comportamento do artista moderno que “revivifica-os” (para usar uma expressão de Panofsky) mediante um “exo”, ou seja, uma referência exterior. Mas o mais importante ainda está na corroboração da hipótese mais convencional às teses sobre a arte moderna, segundo a qual, no início do século XX ou final do XIX, substituiu-se o ideal de “representação” da natureza a partir de uma “imagem fenomênica” pela “elaboração” de um “símbolo” que contingencialmente a refere. E a escultura de Picasso é plenamente indicativa deste processo de simbolização, embora contrarie os “ícones da ciência” para afirmar-se como “ícone de magia”.

De qualquer modo, além da pertinência da arte simbólica de Picasso, que abre caminho à concepção “vitalista” de Henry Moore (cujo elogio ocupa praticamente um capítulo deste livro) há a “difusão” das idéias construtivistas por toda a Europa, a partir de 1922. Para Naum Gabo, assim como para Tatlin, apesar da filiação a programas e manifestos distintos, o “motivo” apenas se apresentaria como um pretexto para a “organização rítmica do espaço”. Mas é, sobretudo, na Bauhaus que a escultura deixa de ser pensada como “arte separada” para se desdobrar na “instrução”, seja quanto às ferramentas, seja quanto aos “exercícios de composição” ou de “relações estático-dinâmicas”. Além disso, a noção de uma arte que exceda os seus próprios limites reportava-se ao futurismo de Boccioni que propunha “descerrar a figura e encerrá-la no ambiente”.

Para Read, embora não de todo desejável, a “eliminação da distinção formal” do que seja considerado “pintura”, “relevo”, “escultura cilíndrica” e “objeto pronto” foi uma etapa extremamente significativa, para a qual os procedimentos “futuristas”, “dadaístas” e “surrealistas” também contribuíram acerbamente quanto à limpeza das convenções artísticas burguesas, e ao “retorno à natureza”. Mas não será mais possível classificar um “Merzbild” de Kurt Schwitters, por exemplo, como escultura, e por isso o artista o nomeia construção-alguma-coisa, “Merz”, no caso. Também o ready-made de Marcel Duchamp afilia-se ao objet trouvé surrealista, e ambos, segundo o Autor, assignam-se sob a chave da “magia” enquanto “estranheza”.

Ainda que eliminadas as distinções nominais, tradicionais no campo da escultura, o fundamental para a modernidade é a criação daquele “ícone” que possa refletir o “numinoso”, a interioridade de cada artista. Entretanto, não se salvam as “colagens-caixas” de Joseph Cornell, que antes estariam vinculadas à categoria “tesouros de curiosidades”. Também não se salva o Morcego de Germain Richier, pois não tem esqueleto que possa estruturá-lo, pelo que é destinado ao “decadente”. E também não escapam ao mau humor do crítico inglês as “compressões” de Cesar, bem como outras produções do noveau realisme, embora haja aqui e acolá no texto o reconhecimento da transição da escultura enquanto uma arte destinada à fruição particular para uma arte de dimensões públicas. Read sustenta que com esta transição a escultura deixa de ser tanto uma arte associada à forma sólida para tornar-se uma investigação sobre o dinamismo e a “ocupação espacial”. Dos artistas surgidos na geração de Henry Moore, o Autor destaca ainda a obra de Louise Nevelson com os seus relevos sóbrios e comedidos pintados numa única cor, o preto ou o amarelo-ouro, o que o leva, no auge do elogio, a compará-los com as obras de Nicola Pisano ou Agostino di Duccio, e isto é sintomático: quando pensa a escultura moderna, Read o faz sem deixar, ao mesmo tempo, de pensar no “clássico”, conforme expressão do século XVIII.

sobre o autor

Luiz Armando Bagolin é professor de estética na FAAP-São Paulo, e de história da arte na PUC-Poços de Caldas

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