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GHIZZI, Eluiza Bortolotto. Cenários da arquitetura na ‘revolução digital’. Resenhas Online, São Paulo, ano 02, n. 022.02, Vitruvius, out. 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/02.022/3204>.


O tema da “revolução digital” tem sido tratado sob diferentes perspectivas. James Steele, autor de Arquitectura y Revolución Digital (título original: Architecture and computers: action and reaction in the digital design revolution), escreve que, no campo da arquitetura esse debate tem sido bastante silenciado, mesmo se considerarmos as manifestações de alguns críticos. Steele aponta a escassez de textos que analisem as conseqüências para o espaço físico do uso das recentes tecnologias digitais em arquitetura e defende a necessidade de um grande debate em torno do tema, semelhante ao que acompanhou a “revolução industrial” e que está na base conceitual da arquitetura do século XX.

A relativa ausência de debate, escreve o autor, pode estar associada à velocidade das mutações tecnológicas nos últimos anos, que tem estimulado muito mais a necessidade de atualização no uso das novidades tecnológicas do que a de debater criticamente sobre suas conseqüências. A isto o autor caracterizou como uma espécie de “sonambulismo tecnológico” que indica ter, ainda, causas mais profundas. Entre elas, uma “crença implícita no progresso” que, segundo analisa, continuamos mantendo apesar das desilusões que experienciamos com a idéia de progresso no último século, dado que o crescimento tecnológico não acarretou um avanço proporcional na resolução de muitos dos nossos problemas sociais, ambientais, etc; tendo mesmo provocado agravantes em alguns casos. Ilustra esse fato no campo da construção citando as experiências desastrosas do Japão com o uso de alta tecnologia e o debate paralelo entre a “teoria do acidente normal” e a da “alta confiabilidade”.

Fazendo o contraponto ao “determinismo tecnológico” e à aceitação incondicional das recentes tecnologias, estariam os novos ludistas que, diferentemente dos que quebravam as máquinas no período da revolução industrial, vêm optando por reconhecer as vantagens da tecnologia informática enquanto fazem sua crítica ou advertem para seus perigos. Os trabalhos de Herbert Dreyfus, Joseph Weizenbaum e Albert Borgmann são citados pelo autor como sendo de grande relevância. Dreyfus associa o valor agregado à tecnologia com o crescimento do valor dado à racionalidade na tradição científica ocidental. Joseph Weizembaum, e também em certa medida Albert Borgmann centram a discussão no poder da tecnologia relativamente à nossa liberdade de atuação e no fenômeno da ilusão de realidade que produz. Além disso, atentam para a não neutralidade da tecnologia e das suas ferramentas.

Apesar da timidez do debate, Steele constata que não faltam ações no campo da arquitetura já indicando algumas mudanças. A virtual ‘multidimensionalidade’ do espaço informacional tem estimulado especialmente investigações que exploram o próprio espaço e suas potencialidades para a arquitetura, o que tem se dado, até então, na forma de uma “modulação experimental e abstrata”. Do pré-industrial ao ciberespaço, passando pelos espaços moderno e pós-moderno, conclui, deverá haver importantes reavaliações.

No contraponto dessas pesquisas mais abstratas, situadas ainda nos limites da interface digital, aponta as investigações acerca da nossa realidade físico-gravitacional em toda sua diversidade. Refere-se à “ciência do espaço” de Henry Lefebvre e aos estudos acerca da relação entre percepção humana e princípios espaciais de Merléau-Ponty, ambas na vanguarda das novas políticas culturais da diferença, instigando uma reflexão acerca da capacidade (ou incapacidade) do ciberespaço de refletir as diferenças.

Propõe um debate em torno do espaço virtual como produto do que Lefebvre caracteriza como espaço abstrato. Para Steele esse espaço abstrato “se consuma de maneira crítica em seu equivalente digital”. Refere-se a alguns estudos sobre o papel desempenhado pela perspectiva na visualização e fabricação do espaço abstrato; entre esses, o de Alberto Pérez-Gomez e Louise Pelletier, que faz uma crítica segundo a qual a utilização de computadores em arquitetura implica na culminação da mentalidade objetiva da modernidade, já advertindo para a atitude fundamental de, ao utilizar os computadores em aplicações arquitetônicas, vencer a confiança excessiva nas representações espaciais tridimensionais, cartesianas, de modo a “penetrar no potencial desta tecnologia como uma ferramenta de prática crítica”.

Uma outra perspectiva de análise e entendimento da produção arquitetônica contemporânea é a do diálogo mais geral que estabelece com o discurso teórico do momento. Steele aponta a relativamente recente “teoria das cordas”, bem como seus avanços na “teoria de matrizes ou membranas”, como um “equivalente físico e matemático das amorfas e efêmeras formas digitais”. Além dessas, outras teorias citadas ao longo do texto têm proporcionado conceitos que podem ser associados à arquitetura do ciberespaço ou que vêm sendo intencionalmente explorados por alguns de seus investigadores.

Experiências no campo do urbanismo também vêm utilizando o computador de modo a vencer o isolamento virtual/real, enquanto aplicam a tecnologia, por exemplo, para envolver a população no processo de planejamento participativo. Nesses casos o controle da informação tem permitido estabelecer consenso em situações antes problemáticas. Segundo Steele, a técnica de simulação por computador está se popularizando no campo do urbanismo e mostrando resultados apreciáveis, ainda que se tenha que levar em consideração o fato de que elas não são descrições precisas da realidade, mas pontos de vista intermediários entre a realidade e a população e limitadas no que se refere a proporcionar aspectos intrínsecos da experiência urbana real.

Estes e outros temas aparecem nos trabalhos apresentados por James Steele neste seu livro, ainda que tomados de maneiras diversas e em diferentes graus. Os quatro primeiros capítulos da obra o autor dedica à exposição e análise dos trabalhos de diferentes arquitetos contemporâneos. Seguindo (ou coincidindo) com os modos de análise de outros fenômenos contemporâneos, em outras áreas, o autor elabora uma divisão tripartida da produção arquitetônica: trata-se da definição de dois pólos apresentados como opostos e de um terceiro, ‘híbrido’. A metáfora do ‘híbrido’ têm sido corrente na atualidade, especialmente para se referir à relação entre tecnologias tradicionais (analógicas) e contemporâneas (digitais), que se resolveria de modo a gerar um terceiro tipo de uso de tecnologia: o ‘híbrido’ (analógico/digital).

Com base nesse raciocínio, o autor elabora três grandes cenários para a arquitetura contemporânea, segundo o modo de uso das tecnologias de elaboração de projeto (especialmente de desenho). No primeiro, as tecnologias tradicionais predominam no processo e o potencial digital é utilizado como uma ferramenta complementar. Nesse primeiro cenário ganha destaque e se diferencia pelo tipo de uso que faz da tecnologia, a aplicação CATIA, transferida da engenharia aeronáutica para a arquitetura pela equipe de Frank Gehry e aplicada em projetos como o Guggenhein de Bilbao, na Espanha. No segundo cenário o autor localiza os experimentos arquitetônicos em que o projetista se deixa conduzir pelo computador ou pelos softwares que utiliza. O terceiro e último cenário é dedicado aos híbridos gráfico-digitais, às experiências que, do ponto de vista do autor, demonstram um equilíbrio não hierárquico de forças entre tecnologias tradicionais e contemporâneas no ato de projetar. Uma seleção de projetos (já que o próprio autor alega não pretender exaurir os exemplos) é apresentada em cada um dos cenários. Um último capítulo é dedicado à reflexão sobre o uso do computador na educação, deixando claro que, tal qual a prática arquitetônica, o processo de formação de arquitetos está passando por uma importante transição.

No primeiro cenário a temática gira em torno do grande número de softwares gráficos que vêm surgindo e sendo utilizados em arquitetura, bem como dos diferentes modos de uso segundo cada empresa ou arquiteto. Além dos desenhos e cálculos, cita que algumas empresas com escritórios em diferentes cidades e países utilizam softwares interativos para facilitar a comunicação e a troca de dados à distância entre suas equipes, o que inclui até a criação de sites na web para atualização de informações entre as partes envolvidas em um projeto. Analisa também o processo de construção de maquetes eletrônicas, amplamente utilizadas na visualização dos conceitos e espaços, tanto pela equipe de projetistas quanto pelos clientes; todavia, sem dispensar as maquetes construídas com materiais tradicionais.

Alguns exemplos mostram que a pesquisa e a proposição de soluções para relação da arquitetura com o meio ambiente faz da tecnologia digital uma aliada e conquista novas versões para uma problemática não tão nova. Ganham destaque as idéias de arquitetura sustentável e adequação ao contexto. Em outro campo, o da preservação do patrimônio arquitetônico, a tecnologia informática também aparece como uma aliada, contudo não sem provocar polêmica. De um lado, demonstra ser uma poderosa ferramenta para registrar o patrimônio que vai se perdendo com o tempo e a modernização dos espaços urbanos, de outro, o uso desses recursos para replicar tridimensionalmente esse patrimônio em um novo projeto causa polêmica.

Nesse e nos demais cenários a análise do autor e as imagens das obras e projetos já permitem notar que um novo campo formal está se delineando para a arquitetura. A princípio parecem predominar as formas curvas ou muito angulosas, as formas ‘fluidas’ (que sugerem movimento) e a acentuação da transparência dos elementos de vedação. Mas de um ponto de vista menos superficial isso poderia ser resumido no ‘intenso uso de formas complexas’. Essas formas complexas assumem diferentes configurações e se caracterizam menos pela versão final e mais pela sugestão de serem resultado de um cálculo preciso envolvendo ‘geometrias complexas’ e tornadas viáveis pela maior facilidade de manipulação de dados pelo computador. Em alguns casos elas provavelmente seriam possíveis de serem concebidas por processos tradicionais (de desenho e cálculo), mas resultariam abandonadas pela extrema dificuldade de solução dos problemas para torná-las exeqüíveis.

Essas formas passam a ser, portanto, um fenômeno próprio desses primeiros tempos do uso de tecnologia informática no ato de projeção. Misturam-se a essas e por vezes se confundem, aquelas que mais do que aparecerem como representações de um novo modo de projetar são representações metafóricas das próprias máquinas digitais. Querem parecer ou sugerir essas máquinas, como elas funcionam e o que elas fazem para o indivíduo e a sociedade. Isso sem desconsiderar que ainda seguem conquistando espaço as arquiteturas geradas sob o princípio de que ‘menos é mais’.

A aplicação CATIA - que está na base da viabilização das formas concebida por Frank Gehry para o museu Guggenhein de Bilbao, Espanha, além de outros projetos, como o da companhia Chrysler em Toledo, Ohio - mereceu um capítulo à parte no livro de Steele. Nesse capítulo o museu de Gehry ganha destaque especial e uma minuciosa análise que explora, para além do passo tecnológico, seu caráter simbólico para a arquitetura contemporânea e a revolução que incorpora e engendra. Entre os destaques feitos para a obra do Guggenhein de Bilbao está o de que a aplicação CATIA proporcionou economia de tempo e uso eficaz dos materiais, bem como precisão na documentação para execução; o que, de um lado, proporcionou economia de recursos financeiros e, de outro, possibilitou a geração de formas arquitetônicas sem ela dificilmente viabilizáveis. Associa-se a isso o fato de Gehry defender a idéia de que o computador, ao contrário do que acreditam alguns, pode aproximar o arquiteto tanto do processo de construção quanto dos clientes, além de ajudar a “manter o ímpeto e a variedade formal”. Para o arquiteto, escreve Steele, sua arquitetura segue sendo moderna, entre outras razões, por introduzir tecnologia especializada.

No segundo cenário, o do uso do computador como condutor do processo de projeto, extremo oposto dos usos indicados no primeiro e segundo capítulo da obra, surgem experimentos que buscam desvendar ou criar um novo paradigma espacial para a arquitetura. Este ligado conceitualmente às pesquisas biológicas, especialmente à evolução de organismos vivos e à genética, que servem de referência a uma possível simulação espacial do processo evolutivo (espaço evolutivo) ou de uma cadeia genética (espaço genético). Aqui o autor indica uma associação com a temática da transformação da natureza (iniciada no Iluminismo) sob a influência da racionalidade, cristalizada na modernidade e desenvolvida nas pesquisas contemporâneas.

O trabalho de John Frazer busca um “algoritmo genético” que simule no computador a evolução natural. Cria modelos arquitetônicos virtuais que, além de trabalhar com princípios da natureza, problematiza o contexto, buscando fugir do risco da criação de um espaço puramente abstrato em relação ao entorno. A pesquisa de Karl Chu, ainda restrita ao ciberespaço, traz no referencial científico a mecânica quântica e as tecnologias de informação e percepção do espaço, especialmente as relativas ao conceito de movimento abstrato. De um modo próprio, também a firma NOX trabalha um discurso gerativo, utilizando o computador para gerar diagramas que são combinados e convertidos em espaço arquitetônico. A temática do meio ambiente é ainda desenvolvida de um modo particular por Ken Yeang, que patenteou a expressão “arranha-céu sustentável”, bem como pelos arquitetos que trabalham com ele.

No terceiro cenário, quando trata dos chamados híbridos gráfico-digitais, o autor dedica um espaço significativo ao trabalho de Eric Owen Moss e a seu projeto em Culver City, a oeste de Los Angeles, que possibilitou, pela arquitetura, uma transição da economia industrial para uma economia de serviços baseada na informação, estimulando a retomada do desenvolvimento local. Trata-se de uma espécie de reabilitação da arquitetura dos edifícios industriais existentes, para receberem um novo tipo de trabalhador ligado á eletrônica e com novas exigências para o programa arquitetônico. Moss é também um exemplo de arquiteto-escultor e, tal como Gehry, parece ter reforçado a veia escultural de seus projetos com o uso da tecnologia informática. Sua experiência, contudo, escreve Steele, diferentemente da de Gehry, propõe rever o poder da tecnologia para controlar o processo de fabricação das peças de construção, já que, apesar da grande precisão e correção dos dados cientificamente controlados por computador, alguns momentos do processo exigiram a intervenção manual e empírica.

Uma proposta de habitação pensada em partes combináveis de diferentes modos aparece também nesse bloco de projetos. De autoria dos arquitetos Moore, Ruble e Yudell, este protótipo de casa para o novo milênio trabalha o programa de conciliar as necessidades humanas básicas e as rápidas e diferentes mudanças próprias da contemporaneidade. Além disso, o processo de projeto combina desenhos a mão livre com imagens digitais. O conjunto de peças inclui elementos que são combinados de um modo particular em cada situação à qual tenham de se adaptar, como uma espécie de jogo.

No quinto capítulo Steele pontua uma série de problemas relacionados à formação de futuros arquitetos. Em um primeiro momento, registra o autor, uma grande diversidade de experiências com o uso do computador no ensino vem sendo colocada em curso. E é nessa pluralidade que está sendo formada uma geração de transição que deverá predominar durante as primeiras décadas do século XXI. Essa geração demonstra, no geral, grande habilidade no manejo dos softwares mais comuns; mais inclusive que muitos dos arquitetos que deveriam ser seus mestres na teoria ou na prática. E isso poderá – de um modo não muito diferente do que já acontece com as técnicas tradicionais –, nos estágios profissionais, levá-los a assumir predominantemente as tarefas repetitivas com o computador e isoladas de outros aspectos do aprendizado.

Esse processo, no qual tanto a arquitetura quanto o ensino de arquitetura deverão sofrer importantes mudanças, opina o autor, está comprometido tanto pela ausência (com raras exceções) de uma pedagogia apropriada quanto de um debate aberto sobre o assunto, de modo que cada estudante está na dependência “de seus interesses pessoais, e das motivações e habilidades de seu mestre ou instrutor de projetos”.

A ousadia da obra em abordar e arriscar classificar um material arquitetônico tão novo já recomenda a si mesma. Ainda que a classificação das obras (ou projetos e experimentos) em alguns casos possa parecer imprecisa, dado que os limites entre um cenário e outro estabelecido pelo autor não são absolutamente nítidos, é didaticamente importante para refletir a experiência em curso. Acerca dessa divisão, a obra deixa transparecer claramente que prática citada no primeiro cenário é a mais presente na arquitetura contemporânea. A segunda, em que o computador aparece como “comandando” o processo, caracteriza uma arquitetura altamente experimental e abstrata, com conseqüências ainda muito vagas. Já a terceira prática parece ser aquela para a qual a arquitetura do futuro se dirige, ao menos no que se refere à idéia que incorpora. Conciliar pólos opostos (sejam opostos tecnológicos, espaciais, diferenças de época ou culturais) parece ser a idéia do futuro, trabalhada também em outras áreas, além da arquitetura. Essa idéia poderia ser representada na ficção científica pela figura-símbolo do cyborg, a criatura parte humana parte máquina (híbrido do cibernético com o orgânico).

sobre o autor

Eluiza Bortolotto Ghizzi é arquiteta, professora do Departamento de Arte e Comunicação da UFMS, mestre e doutoranda em Comunicação e Semiótica na PUC/SP

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