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NUNES, Brasilmar Ferreira. As várias faces da violência em Brasília. Resenhas Online, São Paulo, ano 05, n. 049.01, Vitruvius, jan. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/05.049/3144>.


O lançamento pela Editora da UnB do livro Brasília: dimensões da violência urbana, organizado pelos professores Aldo Paviani, Ignez Costa Barbosa Ferreira e Frederico Flósculo Pinheiro Barreto, merece algumas reflexões. Em primeiro lugar trata-se de mais uma demonstração da produção acadêmica que a Universidade de Brasília vem nos trazendo ao longo de sua existência. Em seguida, está refletindo um aspecto significativo: ao longo dos seus 46 anos vem sendo paulatinamente construído um discurso sobre a realidade social de Brasília que se agrega àquele sobre a especificidade do seu desenho o qual, de certa forma, monopoliza parte substancial das analises acadêmicas aqui realizadas. Contribuíram para a obra geógrafos, psicólogos, sociólogos, arquitetos, todos discutindo o fenômeno da violência que aqui está atingindo níveis semelhantes aos das demais metrópoles brasileiras.

Surge daí uma primeira inquietação que a leitura do livro nos provoca: como num espaço urbano planejado para ser a síntese de um modelo de cidade e de sociedade alcança em tão pouco tempo semelhanças com aspectos tão depreciativos da sociedade brasileira como é o da violência urbana? De fato, o lançamento deste volume foi o resultado de discussões levadas a cabo pelo Núcleo de Estudos Urbanos (NEUR) da UnB onde várias dimensões da vida local foram postas à mesa sendo a violência o que mais sensibilizou os pesquisadores. Por si só esta constatação chega a ser instigante.

Verdade é que no imaginário nacional a imagem de Brasília é a da cidade-Estado, onde grandes decisões políticas necessariamente devem acontecer. E aí está um fato curioso que se repete para o conjunto das metrópoles brasileiras. Acostumamo-nos a enxergar nossas cidades através do olhar do “senso comum” onde certas características são mais ressaltadas que outras. Este aspecto é dominante na visão que o país tem de sua capital. Isto não se deve apenas ao fato de se tratar de um modelo urbano único no mundo; as mídias eletrônicas, que cotidianamente coloca nos lares de milhões de brasileiros as noticiam da política nacional mostra de forma rotineira uma cidade que, neste meio, está restrita ao seu plano piloto, mais particularmente à sua Esplanada dos Ministérios.

Pois bem, a obra agora publicada vai buscar uma Brasília ausente dos meios de comunicação nacional. Mostra de forma crua, embora elegante, uma outra cidade que se funda a partir de um processo de urbanização que não foi planejado e, portanto fora de quaisquer cenários que queiramos buscar nos planos originais da cidade. Descortina uma cidade heterogênea que se apresenta como a face oculta de uma imagem da ordem tal qual ela se tornou conhecida. Isso se deve a que nestes seus 46 anos de existência Brasília terminou por ser um retrato do Brasil, o que de resto, embora mesmo inevitável, deve ser valorizado.

Pois bem, o tema geral do livro é a violência, especialmente sua manifestação urbana. Dele podemos ressaltar que, apesar se tratar de um estudo sobre Brasília, temos oportunidade de participar como leitores de alguns excelentes textos que tratam a temática de forma ampla facilitando a inserção da realidade local nesta discussão. Não se trata, contudo de comparar a realidade de Brasília com o restante do país; o objeto essencial da obra é a realidade local. Evidente que textos tais como os de Nogales e Costa; o de Steinberger e Cardoso; o de Ferreira e Pena; o de Paviani; Porto, dentre outros, são passagens obrigatórias para se compreender o espírito da obra. Evidente que o tema não é consenso dentro do campo científico. Entretanto, os artigos da obra, uns com elevada dose de empiria outros com reflexões mais teóricas nos levam a formular uma concepção da violência urbana fina e precisa, sobretudo se estivermos refletindo sobre a realidade brasileira. Neste sentido é que as abordagens teóricas dão sustentáculo aos estudos empíricos apresentados trazendo um novo patamar no conhecimento da realidade social de Brasília.

Alguns aspectos chamam a atenção, e a obra sendo multidisciplinar aborda questões nas mais diferentes perspectivas. Para não causar injustiças faremos um rápido caminhar pelo livro. Ele se compõe de três partes: “Territorialidade e violência”, “Agentes, vítimas e ações violentas” e “Planejamento urbano e violência nas cidades”.

No artigo de Nogales e Costa há uma distinção entre criminalidade e violência sendo esta última considerada como um “fenômeno social decorrente de processos macrossociais e das características subjetivas individuais da vitima e do agressor que se articulam e interagem de forma dinâmica” (34); portanto há uma diferença de violência e criminalidade, sendo aquela muito mais ampla do que a criminalidade. Essa sutil distinção é que vai permitir aos autores comparar os níveis de mortalidade causados por homicídios em Brasília com as demais capitais do país e do exterior.

Uma primeira informação que se destaca é o fato do Centro-Oeste ser, depois do Sudeste, a macro-região mais violenta do país, bastante acima do Nordeste, Norte e Sul. Brasília, por si só apresenta taxas bastante elevadas; acima da média nacional. Comparando as taxas de Brasília com as demais capitais do país, a cidade se situa no nível intermediário, entre aquelas com elevada criminalidade (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Velho, Cuiabá, etc.) e aquelas com taxas inferiores (Porto Alegre, Natal, Curitiba, Goiânia, Florianópolis; etc.). O que chama atenção nos dados é o fato de que o crescimento da criminalidade em Brasília é bastante superior à do Brasil, mantendo-se a partir de 1994 no patamar de 34 homicídios por mil habitantes. Mais significativa ainda é a comparação das taxas de homicídios em Brasília com a verificada em outras cidades em outros paises: seríamos a segunda cidade mais violenta dos Estados Unidos, perdendo apenas para Washington; apresentamos taxas de homicídios dez vezes maiores do que algumas capitais européias. Vale destacar a distribuição desta criminalidade no espaço intra-urbano de Brasília. Aqui temos com evidência uma correlação positiva entre baixa renda e elevada criminalidade. Este, aliás, é um dado que é retomado em estudos específicos na obra que tratam do Varjão (Silveira e Jatobá) e da Estrutural (Gouvêa). As vítimas são na grande maioria homens, na faixa etária dos 15 aos 59 anos e solteiros. O texto de Nogales abre a série de artigos da obra que vai justamente tratar de dimensões da violência, tais como: as estruturais, institucionais, interpessoais e individual.

Esta constatação de altos índices de violência em áreas de baixa renda vai ser espacializada e aprofundada no texto de Ferreira e Penna. Brasília, nos seus 46 anos, já apresenta as características típicas de um espaço urbano dito “subdesenvolvido”: uma área super urbanizada, onde habitam as classes privilegiadas, uma classe média que habita áreas absolutamente corretas no estoque de infra-estrutura e uma periferia que cresce permanentemente habitada, sobretudo por migrantes recentes que para cá se dirigem à procura de emprego e acesso a serviços coletivos. Sobretudo nesta última área que se identificam os territórios mais violentos da cidade onde já se implanta o crime organizado que encontra na carência cotidiana das populações um espaço propício à sua permanência. A referência das autoras a Yves La Coste para quem o espaço não é neutro, pois interfere no processo social, e nem inocente, pois é elemento estratégico na reprodução social, cai como uma luva. A correlação positiva entre os fatores sociais da urbanização brasileira (favelas, pobreza, desemprego, desigualdade, etc) encontra no espaço urbano de Brasília um ambiente propício à apropriação destes espaços por grupos criminosos. Gera-se um efeito perverso onde a violência é confundida com a pobreza espacializada nas áreas da cidade. O estigma de “pobre e violento” se instala gerando confusões das mais variadas em detrimento de populações e famílias que, por não terem condições materiais adequadas, são taxados automaticamente de violentos simplesmente porque moram em áreas violentas.

Esta problemática vai ser tratada por Steinberger e Cardoso que, analisando a violência como um sentimento coletivo de insegurança, atinge pessoas de todas as classes sociais nos seus vários territórios de referência (moradia, trabalho, ensino, culto e lazer) permite analiticamente inserir o Estado como elemento estratégico no seu controle. A generalização da relação pobreza/violência segundo as autoras vem provocando posturas de imobilismo e individualismo. A impotência face à complexidade do fenômeno termina por encontrar como saída a medida mais imediata: policiamento ostensivo e soluções assistencialistas. Por outro lado, ações isoladas típicas de medidas individuais transformam bairros e residências em verdadeiras fortalezas que estão a refletir a desconfiança no papel do Estado em resolver a questão. A originalidade aqui está em tratar a violência em termos geopolíticos o que “equivale a trabalhar com atores/agentes que detêm poder para atuar sobre os territórios.”. Neste enfoque somos todos responsáveis pela situação na medida em que todos somos atores; detemos um grau de poder e habitamos em territórios no quais se instalou a violência com injustiça sócio-espacial.

Romero vai articular a violência com uma das dimensões resultantes da configuração e da débil gestão territorial. Temos em Brasília um modelo distinto dos tradicionais centros industriais que se degradam econômica e socialmente. Brasília não conta ainda com um parque industrial que dite os rumos da produção de seu espaço. E, pela própria natureza do processo social na cidade, o modelo centro-periferia acaba sendo o mais adequado para entender o fenômeno da violência na cidade. A sua malha urbana se constrói com um centro hegemônico e várias cidades satélites, verdadeiros espaços dormitórios. Romero analisa como o tamanho, a disposição, a escassa diversidade, a falta de tratamento de espaços, a pobreza condicionam um espaço público de baixíssimo potencial de criar e reproduzir vínculos sociais, reforçando o potencial de conflito do lugar. A disponibilidade de espaços de lazer, por exemplo, excessivamente concentrada no Plano Piloto, é deficitária em satélites super povoadas como a Ceilandia; entre a ociosidade de um se contrapõe os déficits de outro, tencionando o espaço publico. Romero traça uma critica mordaz do desenho urbano de varias cidades satélites do DF, um modelo pobre com zoneamento funcional e rígido de seus espaços, inibindo a manifestação da diversidade dos tipos sociais presentes.

A segunda parte do livro abre com o texto de Porto. A autora vai buscar no paradigma da dádiva elementos para entender o aparecimento das associações em favor de vitimas da violência como novas possibilidades em busca de uma cultura da paz. O enfoque é original. Mostra como numa cultura da impunidade, usual em áreas urbanas carentes, a dificuldade de estabelecer interações sociais termina atuando como indutor de espaços de violência. Temos nas entrelinhas de seu raciocínio um recurso ao interacionismo simbólico onde os códigos sociais, uma vez rompidos geram situações de risco e incerteza favorecendo uma cultura do isolamento e da violência. Há nas experiências analisadas no Distrito Federal ações sociais que procuram redefinir sentidos e conteúdos orientadores de condutas mais pacíficas. Neste equilíbrio instável onde a balança tende a pender para uma cultura da violência, as organizações coletivas de apoio às vitimas aparecem como contrapeso na medida em que reforçam vínculos de solidariedade; aqui, estas associações de apoio às vitimas da violência aparecem como estratégias dos grupos à procura de uma cultura da paz, redesenhando dimensões do espaço publico.

Óbvio que a violência no DF é também resultado de processos de ocupação de áreas que se manifestam de forma excludente; também é consenso que o modelo de planejamento urbano implantado atua como um elemento a mais nessa exclusão. Entretanto, o texto de Paviani vai buscar nas causas estruturais da economia local, na sua incapacidade de absorver as levas de migrantes que chegam a Brasília uma razão de fundo para a eclosão de um ambiente urbano violento. Se não bastasse o fato de que a decisão de migrar já é, por si só, uma ruptura com vínculos originais, a chegada a Brasília não é, de forma nenhuma, garantia de emprego, renda e inserção social. Os dados apresentados apontam taxa de desemprego em Brasília em torno de 20% da PEA, em 2001, um pouco abaixo da de Recife, a maior taxa entre as grandes áreas urbanas do país. Ora, para uma PEA total de 916.000 pessoas este dado nos está falando de cerca de 200 mil desempregados no DF. A vida social na cidade, os vínculos entre indivíduos estão predominantemente calcados em relações monetárias; ora, com um contingente assim elevado de desempregados, é fácil imaginar as dificuldades em acessar ganhos em moeda e garantir a vida cotidiana. Daí para um ambiente violento não é tão difícil: “a violência do desemprego surge exatamente do desalento proveniente da situação; uma vez que ele avoluma e tenciona condições por vezes de penúria e baixa estima por parte dos que sofreram a perda da fonte de seus recursos financeiros”.

A leitura da obra nos faz concordar com Almeida, que considera no seu texto a banalização da violência na sociedade brasileira. A autora vai abordar o tema no segmento da população adolescente de Brasília. Considerando resultado de pesquisa sobre as representações sociais da adolescência entre a população de Brasília (adultos, professores, adolescentes...) a autora chega a resultados tais como: “ser adolescente é ser estudante”, “adolescência ligada à idéia de crise, rebeldia, transformação no corpo, descobertas sexuais”. Os dados corroboram a idéia, socialmente partilhada, da adolescência como uma fase de transição entre a infância e a vida adulta, quando processos de maturação são rapidamente desencadeados. O arcabouço teórico e analítico se sustentará quando a autora apresenta a incidência da violência juvenil na mídia e a representação que se produz sobre este segmento.

Peluso e Tormin vão procurar numa das áreas de influência de Brasília, no seu entorno (Luziânia), as possíveis manifestações de violência ali observadas e até que ponto são causas justamente da construção de Brasília, ou melhor, um de seus efeitos perversos. Guardando ainda resquícios de um ambiente rural, o que irá interessar às autoras é aquele tipo de violência causada pela aglomeração urbana. A escolha de dois grupos de jovens católicos com características próprias: um da periferia de Luziânia e outro do centro da cidade. A opção pela analise do discurso dos jovens escolhidos dá o tom original ao texto. Chama atenção a dificuldade dos jovens em delinear o(s) sentido(s) do mundo contemporâneo. Esse fenômeno, orientando as premissas da pesquisa, atua no rumo de se aceitar a violência como “natural” o que, agregado às causas das carências materiais urbanas, vai inclusive reforçar e legitimar possíveis dificuldades de mobilidade social por parte dos jovens. Ao autoproclamarem-se “potenciais criminosos” os jovens da periferia de Luziânia (e de Brasília, portanto) se vêm diminuídos nas suas perspectivas de futuro e alimentam uma baixa estima crônica. Para eles a violência é efeito da exclusão social. Os jovens da área central da cidade, ao contrário, apesar de terem a mesma percepção do fenômeno, se colocam como vitimas e não como agressores. Mesmo as autoras atribuindo esse fato, em parte, à influência da Igreja Católica e sua noção de pecado, o fato é que a representação da violência é sempre vista como uma motivação pessoal, com dificuldades para inseri-la numa lógica social maior. O texto é instigante, pois aponta para um modelo explicativo da violência com dupla dimensão: aqueles que são violentos, pois, na sua trajetória de vida foram “mal” formados e aqueles que por inveja ou sentimento de inferioridade procuram compensar a situação social com atos transgressores. Há em ambos uma naturalização da violência.

Finalmente a Unidade III foge, em parte, ao espírito do conjunto da obra – no sentido em que discute propostas concretas de intervenção. Inicia-se com o texto de Barreto recuperando na teoria algumas explicações do papel que o projeto físico – de arquitetura e urbanismo – pode ter na redução da criminalidade; ou na construção de comunidades “pacificadas” e discutindo a aplicação de algumas dessas teorias em um projeto de revitalização da Avenida W3 Norte e Sul do Plano Piloto. O interesse de sua leitura é no sentido de possibilitar uma percepção minuciosa de como o arquiteto e o urbanista entendem o papel do desenho na montagem de propostas de sociedade. Pode ser polêmico, pois se nos reportarmos ao projeto de Lúcio Costa para o Plano Piloto, ali também havia um modelo de sociedade implícito que só se mostra pertinente quando analisado em si próprio; se o olharmos nos seus efeitos e impactos sobre o processo de urbanização ocorrido no Distrito Federal nos daremos conta de que, inclusive o custo de sua manutenção, o torna praticamente caso isolado, impossível de ser replicado; sem falarmos tampouco do idealismo ali presente, onde grupos sócio-profissionais e classes sociais conviveriam “harmonicamente” em relações de vizinhança na esfera do mundo do “não-trabalho”. As ciências sociais já têm como dado que essa convivência é, no mínimo, problemática. A proposta de Barreto para a W3 tem componentes demonstrando acurada sensibilidade social que faz do desenho uma variável dentre outras na formatação de uma proposta de “pacificação”. Guardadas as devidas proporções podemos notar certa aproximação com o texto de Romero já comentado acima onde a autora insiste no desenho como um dos elementos críticos na compreensão de ausência de sociabilidade em Ceilandia. A W3 sendo uma extensa área onde convivem comércio e prestação de serviços próximos a residências unifamiliares e coletivas pode ter, no projeto apresentado, um embrião de um modelo de território urbano menos segmentado como é o do Plano Piloto.

Este debate é retomado por Silveira e Jatobá que, na analise de uma área carente do DF partem da pressuposição de que “o planejamento urbano não se pode limitar às intervenções físicas e à instalação de equipamentos públicos, mas deve, necessariamente; ser parte de uma ação integrada, na qual; as ações de geração de renda e promoção social devem estar necessariamente associadas às melhorias urbanas”. A área escolhida, Vila Varjão, vem sendo objeto de uma ação do GDF com o BID nas áreas urbanas do Distrito Federal. Ela atendia a um dos requisitos principais para ser escolhida: contava com certa organização comunitária que seria utilizada como um dos vetores de ação a ser implantada. A hipótese dos autores, comprovada ao longo do estudo, é de que ações desta natureza embora não resolvam a violência urbana contribui para sua diminuição na medida em que atacam diretamente certos problemas sociais da área, favorecendo a inclusão social dos grupos. Como ressaltam os autores, pode-se estar à frente de um caminho a ser explorado pelas políticas publicas urbanas no DF.

Gouvêa situando a precariedade urbana como uma das faces da globalização vai se debruçar sobre o estudo da Vila Estrutural, uma das áreas precárias de Brasília e um dos efeitos da urbanização excludente que aqui ocorre. Próxima ao Plano Piloto, Taguatinga e Guará, a área é ocupada na origem por famílias que, para seu sustento, se serviam do deposito de lixo ali existente. Historiando a ocupação da área Gouvêa chama atenção para o uso político da situação de vulnerabilidade que atinge parcelas substanciais de Brasília. A relação dos moradores organizados com políticos interessados funcionou no sentido de se garantir a permanência ou de se evitar a expulsão da área. A relação do Estado com a comunidade local sempre foi carregada de ambigüidades, independentemente da coloração política dos ocupantes do Palácio do Buriti. Gouvêa apresenta um projeto de urbanização que, à primeira vista, trata a área como ocupada por “cidadãos” detentores de direitos.

Finalmente, temos o texto de Castilho que procura entender os efeitos da violência urbana sobre o uso dos espaços públicos de Brasília, propondo uma modalidade de intervenção de forma a consolidar áreas publicas no Plano Piloto. Apresentando a concepção original de Lúcio Costa e a experiência de Nova York com a questão, o autor nos apresenta um projeto de intervenção que poderia ser viabilizado desde que contasse com a participação da coletividade. Se compararmos esta proposta com a que Flósculo apresenta para a W3, a de Gouvêa para a Estrutural, ou mesmo a do Varjão analisada por Silveira e Jatobá podemos constatar que Brasília não deixa de ser um celeiro de idéias para solução da paisagem urbana de nossas metrópoles: talvez seja esse um dos fatores mais significativos do livro.

Para terminar gostaríamos de ressaltar a importância da obra neste momento da historia urbana do Brasil, aonde práticas violentas vêm assumindo ares de naturalidade. A correlação entre violência urbana e padrão de urbanização, aliada à lógica excludente da sociedade brasileira vem exigindo dos intelectuais, pesquisadores uma permanente atenção que não só deve atender aos princípios acadêmicos de decodificar suas lógicas implícitas como também apresentar propostas plausíveis que possam orientar os formuladores de políticas públicas. Nesse sentido, o presente livro passa a ser assim uma passagem obrigatória aos interessados nos estudos urbanos. De qualquer maneira, a escolha de Brasília para tratar tema tão recorrente está apontando os limites do planejamento urbano e a importância de articulá-lo a diferentes esferas da vida social. A sociedade acaba tendo, sobretudo, vínculos sociais e estes devem estar sempre na mente dos que atuam nos rumos de nossas cidades. Em outras palavras, espaço e sociedade são variáveis que guardam estreitas relações e devem ser vistas como interdependentes. Estética e desenho só serão absorvidos num planejamento na medida em que respondam às expectativas de vida coletiva, essência do meio urbano.

sobe o autor

Brasilmar Ferreira Nunes, Professor Titular do Departamento de Sociologia, Universidade de Brasília, pesquisador do CNPq

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