Este livro fala de olfato, de sensações táteis e térmicas, dos sons, da luz e das cores nos ambientes. Embora utilizadas freqüentemente, as expressões conforto e conforto ambiental são de significado bastante variável, dependendo de quem as emprega. Todavia, há unanimidade com respeito à necessidade de conforto, e isto é observado para todos os ambientes.
Uma questão básica, tratada pelo livro, é se conforto é apenas a ausência de desconforto, ou se ele também significa prazer, ou alguma emoção positiva.
No meio acadêmico, predomina o conforto como simples proibição do desconforto. Mensura-se variáveis do ambiente e se as compara com valores-limite estabelecidos em normas. Logo, um significado bastante quantitativo. Em outubro de 2005, ocorreu em Maceió o VIII Encontro de Conforto no Ambiente Construído. Em cerca de 300 trabalhos de pesquisa apresentados, comprovou-se a nítida tendência de se buscar “conforto” mediante o simples cuidado com as condições físicas e mensuráveis (como temperatura e umidade) adequadas ao corpo humano.
Já no meio profissional de Arquitetura de interiores, predomina um conceito de conforto mais abrangente. Comumente reúne requinte, bom gosto e alguma emoção. Mas também existem os ambientes rústicos que parecem muito confortáveis. Ou seja, conforto não é simplesmente algo que o dinheiro pode comprar.
A origem de “conforto” se explica pelo verbo “confortar”: este vem do latim confortare e tem a mesma origem que “força”; levar força significava consolar. O arquiteto canadense Witold Rybczynski descreve em Casa: pequena história de uma idéia o momento aproximado em que o termo comfort passa a referir-se ao ambiente da casa. Isto ocorre na Inglaterra rural do início do séc. XIX. É quando Jane Austen, em seus populares romances (como Emma e Orgulho e preconceito), retrata donzelas casamenteiras em meio a desilusões e intrigas amorosas. Elas vão encontrar conforto entre amigas, mediante leituras e, enfim, no aconchego do lar. No Brasil, a palavra conforto ganhou tal significado somente muito mais tarde. José de Alencar – que seria contemporâneo de Austen – raramente fala em conforto; não mostra sequer a casa com conotação de prazer. Na polaridade casa e rua, é nesta última que o personagem masculino vai encontrar deleite, no final da tarde, sob vento e à sombra dos morros do Rio de Janeiro. A mulher em geral está em casa, e a visão sensual de Alencar perpassa muitas cortinas translúcidas. O conceito proposto por Austen não aparece em Machado de Assis; um dos primeiros registros aparece na obra O mulato (1881), de Aluízio de Azevedo. Entre nós, portanto, conforto é um produto importado. Uma idéia cultural (insiste Rybczynski) relacionada à casa. E com origem nos climas mais frios. Mas antes que conforto tivesse nome, alguns elementos já eram objeto de nossa busca.
Rybczynski identifica muitos valores que foram surgindo ao longo da história: intimidade e privacidade, domesticidade, deleite, leveza, eficiência, estilo e consistência, austeridade. Fala ainda da paz, e esta é tratada por importantes filósofos. Gaston Bachelard, autor de A poética do espaço, por exemplo. Para ele, a maior virtude da casa é abrigar o sono de quem dorme e sonha, não somente recupera-se para o dia seguinte, mas medita sobre sua origem.
Já no campo aparentemente distante da Enfermagem, a pesquisadora Katherine Kolcaba e o marido, filósofo, procuraram formular teoricamente o que seria conforto – pensando em quem mais necessita conforto: o enfermo. Nele, identifica diferentes contextos. A um deles chama corporal (ausência de dor), a outro ambiental (luz tênue, ar fresco e outras variáveis bem controladas), a outro sócio-cultural (como a regalia do quarto privativo num hospital) e, enfim, a outro ainda psico-espiritual (um telefonema amigo). E para ela o conforto tem três níveis: o alívio (imediatamente depois que cessa o desconforto, como um sapato apertado), a liberdade (que permanece, depois do alívio) e a transcendência, que é a compensação de um desconforto inevitável mediante um valor destacadamente positivo noutro aspecto ou outro contexto. Logo, conforto é um complexo, e não pode depender somente daquilo que é mensurável.
A segunda importante dúvida tratada pelo livro é se o conforto poderia vir a ser a mesma coisa que funcionalidade. Por exemplo, se a iluminação de um ambiente de trabalho (como uma mesa de ourives) deve ser de fato confortável. A resposta a esta pergunta pode decepcionar os leitores: não. Visitando um fabricante de ar condicionado no Japão nos anos 90, tomei contato com uma pesquisa em que, ao se variar temperaturas, umidade e velocidade do ar, procurava-se medir o nível de atividade cerebral das pessoas. Outra empresa, do mesmo país, injetava no ar condicionado fragrâncias que procuravam atenuar estados menos produtivos dos funcionários: dormência no meio da manhã e após o almoço, e excitação antes da pausa ou no término do expediente. Ou seja, assumiam um ideal distinto de conforto.
Uma fonte de informações para entender esta questão é uma obra do filósofo alemão Otto Friedrich Bollnow (O homem e o espaço), falecido nos anos 90. Para Bollnow, o conforto é um ideal da casa, a casa de cada um, e somente nela se encontra conforto pleno. Na intimidade de poucas pessoas e objetos, no meio do escuro envolvente da noite, largamo-nos ao sono, mergulhamos em nossa essência. E quando, despertos, pisamos fora da casa, já nos tomou a atração do mundo, que oferece paisagens, encontros, oportunidades, estímulos, trabalho e também diversão.
Isto não significa que os ambientes de fora da casa não devam ter algum conforto. Mas também não lhes falta uma adequação à tarefa pretendida. A pessoa, em cada busca, sacrifica parte do seu conforto em prol de alguma realização. Ou alguém falaria, aqui, em conforto no passeio de moto? Na fila do banco? Na danceteria rave? O conforto, sim, virá quando a pessoa voltar para casa com missão cumprida. Na visão de realidade do Taoísmo, diríamos que conforto é um valor yin, da casa, enquanto que no mundo predominam valores yang.
Ainda sem sair de um estágio introdutório, o livro procura comparar conforto e arte. As palavras de alguns ícones do Modernismo, Adolf Loos e Le Corbusier, falam de conforto como algo oposto à arte. Como Christopher Reed propõe em sua coletânea Not at home: the Suppression of Domesticity in Modern Art and Architecture, o conforto teria um ranço burguês e caseiro (e portanto feminino), saudosista e tradicional, enquanto que a arte é arejada, máscula, e vanguardista, desafia o que está consolidado e conclama a técnica a salvar a sociedade. Propuseram casas como máquinas de morar, muito funcionais, despojadas de ornamentos e com móveis clean, mesas ortogonais, cadeiras tubulares, uma estética que cheira a quarto de hospital. Com as bugigangas pessoais desapareceu das casas a intimidade. Com o luxo da decoração, seu encanto. E os ambientes por demais espaçosos – como as casas que se parecem caixas de vidro – destruíram os princípios sociais da privacidade.
Depois desta discussão de cunho mais abstrato, seguem capítulos específicos sobre os sentidos.
O capítulo sobre calor, por exemplo, advertindo do perigo apresentado pelo termotédio – já existe no mundo certo consenso em torno do thermal boredom, algo causado pela temperatura uniforme de um condicionador de ar. A isto se opõe a rica experiência de um furô ao ar livre com neve sobre a cabeça e um copo de sakê quente à mão, ou ainda uma torta de maçãs saída do forno com sorvete de creme.
O capítulo sobre tato, procurando explicar por que muitas texturas, as formas envolventes e os desníveis na habitação nos parecem aconchegantes. Muitos objetos têm, aliás, em seu significado intrínseco – tradição, num relógio antigo, ou fartura, nos víveres da adega – sua maior contribuição para o conforto.
O capítulo sobre olfato – talvez o mais inusitado – contrapondo o ideal de pureza do ar das normas técnicas internacionais, e a absoluta riqueza de aromas em que vivemos. De acordo com muitos pesquisadores (dos quais Richard Axel e Linda Buck levaram o Prêmio Nobel de Medicina de 2004), os aromas são processados, no cérebro, junto com a memória das emoções. É por este motivo que podem nos transportar no tempo e nos emocionar. Como na trilogia de Marcel Proust: À procura do tempo perdido, o odor a chá com madeleine o fez relembrar toda sua infância. E os interiores de arquitetura poderiam ser planejados de modo a conter referências olfativas, de flores ou de madeira, ou do que for, para que as pessoas cultivem o afeto às suas às vezes muitas moradas do passado.
O capítulo sobre som, explorando a expressividade acústica dos ambientes: tudo o que eles têm a dizer com suas propriedades acústicas, e ainda sua musicalidade. Como já estou mais da metade de minha vida tentando tocar violino, tento buscar explicação no ambiente, não para meu fraco desempenho, mas para o desempenho mais ou menos brilhante dos mestres no espaço. Procuro saber o que é ideal para a música de cada época – da Idade Média até o século XX – e cada gênero, desde o canto a capela ou o piano sozinho até o coral com orquestra sinfônica.
Enfim, o capítulo sobre luz procura explorar aquilo do que menos se fala: a estética do escuro, objeto da obra Elogio da sombra do escritor japonês Junichiro Tanizaki, que já foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura.
O ambiente construído é, enfim, fonte força interior, consolo, conforto. Logo, é de importante demais para ser ignorado. É também complexo demais para ser deixado de lado, e ao mesmo tempo tão presente na vida das pessoas que não o deveriam terceirizar por completo. O cliente precisa conhecê-lo para revelar ao profissional de Arquitetura e Urbanismo suas vontades mais íntimas. E aqui reside a maior utilidade deste livro.
sobre o autor
Aloísio Leoni Schmid é Engenheiro Mecânico pela UFPR. Cursou mestrado no Japão (Universidade de Utsunomiya) e doutorou-se pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de Karlsruhe, Alemanha. Desde 1997 leciona Conforto Ambiental no Curso de Arquitetura e Urbanismo e no Programa de Pós-Graduação em Construção Civil da UFPR.