Algumas perguntas rodeiam as intenções que trazem à tona esta compilação de quarenta e cinco trabalhos selecionados, apresentados durante o Seminário Internacional Projetar 2005, no Rio de Janeiro, como extensão e fortalecimento da primeira experiência bem sucedida no Seminário Projetar 2003, em Natal, e como intermediador de um terceiro encontro decorrido em 2007, em Porto Alegre. “Qual o lugar do projeto no ensino e na pesquisa (?), quais as difculdades para ensinar (e aprender) projeto (?), quais as possibilidades e rebatimentos dessas pesquisas na construção de um diálogo com a sociedade (?)”, entre outras dúvidas, faceiam este empreendimento encadernado. Não é mero acaso, portanto, que o livro surja para firmar e lançar no cenário acadêmico e literário a força empreendedora de um tema assaz importante e emblemático na arquitetura e no urbanismo: o projeto.
Do latim proiectus (lançado) e particípio passado de projicere (lançado adiante), a etimologia do termo nos dá a dimensão seminal do que estamos tratando. E, podemos assim colocar, esta dimensão é inerente a cada artigo apresentado e cada palestra proferida, uma vez que tentam escrutinar e alimentar as questões essenciais da arquitetura e do urbanismo no campo do ensino, da pesquisa e do fazer arquitetônico. De todas as linhas redigidas e postuladas neste livro, a preocupação com o papel desse agente ativo e instigante coloca-se como central para o entendimento e desenvolvimento de uma consciência crítica que não apenas dialetiza, mas usa a dúvida como combustível para decifrar os jogos patrocinados pela diversificação dos saberes na ciência arquitetônica e urbanística; ao mesmo tempo em que ratifica a amplitude do seu campo de atuação (nas pesquisas, na construção e no rebatimento social), o resumo capitular dos assuntos tratados neste livro mostra, sem penalizações, que a arquitetura continua se debatendo entre a necessidade de uma revisão no ensino e o anseio por uma forma eficaz de qualificar sua produção através da interposição de seus seguimentos.
O saber-ensinar e o saber-fazer da arquitetura também estão, aí, presentes. Quando da delimitação do tema central deste Seminário (1), em cuja equipe executiva estive presente, três grandes grupos de conhecimento haviam se firmado para gerenciar e estruturar as contribuições acerca de ‘Ensino de Projeto’, ‘Projeto como Campo de Pesquisa’ e ‘Rebatimentos, Práticas, Interfaces’ – este último grupo como um grande recipiente de trabalhos das mais variadas esferas de atuação da ciência arquitetônica e urbanística. No decorrer das sessões de trabalhos e palestras proferidas, no entanto, cada grupo pareceu tornar-se (como em todo evento que sedia a multiplicidade) um espaço para a inoculação dos temas, ou seja, um espaço-entre, híbrido e polivalente, que associava os temas dos demais, comprovando as inter-relações postas em debate e acirrando as discussões que pretendiam delimitar a atuação de cada entidade compositiva. Projeto e pesquisa; ensino e prática; interfaces. Todos, ao mesmo tempo, participantes de uma grande aula conjunta sobre hermenêutica da arquitetura.
Por este motivo, também, creio que os organizadores deste livro redefiniram suas sessões e capítulos, trazendo de forma ampliada três novos grandes grupos que conseguem reunir, com qualidade, temas relacionados ao Ensino (Prática/Experiências, Pedagogia, Avaliação e Mídia Digital) [1], à Concepção e Crítica [2] e à Pesquisa e Prática [3]. Cada grupo apresenta um panoramo didático, metodológico e crítico acerca do ensino de arquitetura e de sua inter-relação com os questionamentos suscitados – através de contribuições de professores, pesquisadores e profissionais dentro e fora do Brasil.
No primeiro grupo emergem questões relacionadas ao papel do ensino de arquitetura enquanto mediador de uma realidade teórico e prática, as práticas e mitos que envolvem o ensino de projeto, o compromisso com a qualificação dos espaços educativos, a necessidade da experimentação e da diversificação das metodologias e a construção da autonomia do estudante de arquitetura e urbanismo. Todos os trabalhos sinalizam o que, de certa forma, acaba por criar mais um ramo de interesse da arquitetura: o diálogo (coerente) com o habitante das cidades.
No segundo grupo recebemos contribuições que apontam, através da problematização e da crítica, a necessidade de associação do processo de concepção ao processo de argumentação no ensino de projeto, a defesa de um processo subjetivo no ato de notação na comunicação gráfica, as idênticas finalidades que desenho e modelo cumprem nas distintas etapas do processo criativo, e terminam por “atacar o mito da originalidade e da inspiração sem desenvolvimento trabalhoso” no exemplo paradigmático do projeto do prédio do Ministério da Educação (RJ).
O terceiro e último grupo traz uma reflexão sobre a forma indissociável com que caminham pesquisa, prática e ensino de projeto, através de trabalhos que discorrem sobre a formação projetual em arquitetura frente à atividade de coordenação de projetos multidisciplinares, os problemas advindos das teorias e práticas diante do cenário de empreendimentos imobiliários em SP, a importância da Programação Arquitetônica no projeto de edificações, além de apresentar o esforço metodológico de dois grupos de pesquisa (no Rio de Janeiro) em construir ferramentas adequadas à pesquisa e ao ensino de arquitetura.
Os trabalhos apresentados no corpo do livro, entretanto, são ancorados pelas conferências – carro-chefe da programação do evento e espaço sediador dos questionamentos. Estas inauguram o “Lugar do Projeto” para leitores que não participaram do evento e têm a chance de esbarrar em algumas produtivas considerações de cenários nacionais e internacionais. No capítulo um do livro, Georges Teyssot e Philippe Boudon comentam sobre a arquitetura ‘anatômica’ e o espaço arquitetural como locus das questões conceituais em arquitetura e, de forma diferenciada, terminam por atestar que a imanência da ciência em todos os artefatos sociais, assim como a idéia de uma ‘poiética e didática arquiteturológica’ (2), são princípios caracterizadores da importância do projeto de arquitetura, em suas diversas aplicabilidades. Salvador Schelotto, Paulo Bruna e Vicente Del Rio contribuem, de forma acadêmica, com o compartilhamento do conhecimento e da prática desenvolvida em suas realidades e experiências de ensino (Montevidéu, Chile e San Luis Obispo, respectivamente), fomentando e incrementando as discussões e deixando em aberto (como todo conhecimento que se preza) a lacuna das possíveis respostas para o avanço e aprimoramento do ensino nas instituições espalhadas pelo mundo.
A dúvida, como comentada, está presente em todas as páginas. Não como elemento que encarcera, ou anula o desenvolvimento, mas como agente instigador e proliferador. A mesma dúvida que rodeia a apresentação do livro e que, de fato, produziu em seus organizadores a competência necessária para transformar uma publicação de trabalhos selecionados em uma obra de referência.
notas1
Projetar 2005 - II Seminário sobre Ensino e Pesquisa em Projeto de Arquitetura: rebatimentos, práticas e interfaces. Rio de Janeiro, Clube de Engenharia.
2
Termo cunhado por Philippe Boudon para o desenvolvimento de duas linhas de pesquisa
sobre o autor Ethel Pinheiro é arquiteta e professora do Departamento de Análise e Representação da Forma da FAU-UFRJ