Yannis Tsiomis assim inicia sua resenha do livro de Paola Vigano (2009), publicada originalmente em francês:
“No quinto volume da Encyclopédie, Diderot assim define o eclético: O eclético é um filósofo que, passando por cima dos preconceitos, do passado, do consenso universal (…) ousa pensar em primeira pessoa.
Poder-se-ia admitir que a autora de I territori dell'urbanistica seja uma eclética que, ultrapassando os limites da filosofia, insiste na própria experiência e suas reflexões, a partir de seu vasto conhecimento da história do urbanismo, pelo diálogo que trava com disciplinas que tratam de modo metafórico ou literal do território, e que fazem deste livro uma mina de informações, de saber, e de meditações” (1).
O livro está divididos em três partes perpassadas por três hipóteses, que remontam claramente a "Ler, descrever e transformar", o aporte teórico de André Corboz publicado no ensaio La description: entre lecture et écriture, de 2000 (2).
Na relação estabelecida entre o título e subtítulo do livro emerge um diálogo íntimo entre pesquisa e projeto: de um lado elucida a geografia de uma pesquisa e a consolidação de seu objeto “Os territórios do urbanismo”: I – Territórios conceituais, II – Territórios da descrição, III – Territórios do futuro; de outro, apresenta suas três hipóteses, a partir da sedimentação de teorias e práticas do Dottorato di Urbanistica da Universidade IUAV de Veneza – IT: o projeto como produtor de conhecimento por conceituação, por operações de descrição e por conjecturas sobre o futuro.
A aparente não linearidade observada na estruturação de cada parte, nos permite pensar na interdependência dos três procedimentos de Corboz, mas também na deconstrução de uma sequência lógica entre análise – projeto, muito sedimentada no atelier dos cursos de arquitetura. A narrativa criada pela autora, que no meu ponto de vista está explícita no livro como um todo, compõe-se de imagens/projetos/croquis que ora assumem caráter de leitura, ora de reflexão exponenciando situações hipotéticas, e ora de elementos transformadores.
Nas palavras de Schön, referência importante citada pela autora:
“O laboratório de arquitetura, o atelier, tornava-se o protótipo de uma educação à prática reflexiva" (3)
Nos capítulos “Os territórios do urbanismo”, “Repensar o urbanismo” e “Conceitos dos urbanistas”, a autora possibilita repercorrer os últimos trinta anos de história do projeto urbano e do urbanismo a partir de dois filões: a escala territorial como “Uma nova escala, uma nova forma de cidade”, e figuras do vazio, detectando “deslizamentos” (4), que permitem justificar diferenças substanciais observadas nos anos 1990:
“na metade dos anos 80, a reflexão entre o campo disciplinar do urbanismo, girava em torno da idéia de que deveriam ser repensadas os instrumentos do projeto, em diversas escalas. Uma nova forma de plano, a relação entre plano e projeto alimentaram uma longa e laboriosa discussão produzindo inovações, releituras e alguns casos exemplares que pretendiam refundar a prática do urbanismo (No contexto italiano e Europeu, por exemplo as experiências de Oriol Bohigas e Manuel Solà Morales em Barcelona; na Itália, Secchi em Iesi e em Siena).
Neste intervalo, a autora detecta “dissoluções” de conceitos que embasaram a reflexão sobre a passagem da cidade moderna á cidade contemporânea: 1- dissoluções funcionais; 2- dissolução do conceito de densidade e dos modos nos quais isso era proposto no Urbanismo Moderno; 3- dissolução dos materiais que compõem a cidade.
Em definitivo, o livro de Vigano, assim como as recentes publicações aqui citadas, explicitam novas condições que embasam as novas formas de planos e intervenções: o doutorado como dispositivo e suporte para construção de hipóteses a partir da pesquisa; a prática de pesquisa alimentando uma nova forma de ensinamento e intervenção; e por fim, a relação entre pesquisa e o âmbito profissional.
A pergunta “qu’est-ce que la recherche en urbanisme?” de Bernardo Secchi no prefácio do livro Matieres de Ville. Projet Urbain et Enseignement (Editions de La Villette: Paris, 2008) organizado por Tsiomis, no qual a autora publicou um ensaio intitulado “Le projet come producteur de connaissance”, subtítulo do livro em questão, nos introduz a esse quadro rico de reflexões específicas da disciplina, da pesquisa, da profissão e de uma nova didática.
notas
1
TSIOMIS, Yannis. Mondi inconciliabili?. L'Indice, Turim, abr. 2011, ano XXVIII, n. 4, p. 32. <http://pt.scribd.com/andreapagliardi/d/61191657/1-N-3-2>.
2
CORBOZ, André. La description: entre lecture et écriture. Faces, n. 48, Geneve, IAUG, 2000, p. 52-54.
3
SCHON, D.A. The Reflexive Practitioner. New York, Basic Books, 1983
4
O termo usado em italiano é Slittamenti e aparece na tese de doutorado em urbanística desenvolvido entre 2002 a 2006 sob coordenação de Bernardo Secchi e Paola Vigano, posteriormente publicado: SAMPIERI, Angelo. Nel Paesaggio. Il progetto per la città negli ultimi anni. Roma, Donzelli, 2008.
sobre o autor
Adalberto da Silva Retto Júnior é professor de Desenho Urbano e História do Urbanismo na Universidade Estadual Paulista – Unesp Bauru e Visting Schoolar do Programa Erasmus Mundus Sorbonne I (Paris, Evora, Pádua). Doutor pela USP/IUAV de Veneza e Pós Doutorado no Doutorado de Excelência do IUAV de Veneza.