Meu playground (1) poderia acompanhar as recentes espetacularizações do parkour, com a solidificação dos parkourfilms como gênero cinematográfico. Ao contrário, Astrup Schröder apodera-se do parkour como um fenômeno moderno importante no reconhecimento corporal das cidades. Disposto a avaliar essa nova forma de entendimento do homem com o espaço urbano, Schröder localiza em cidades distintas de países como Dinamarca, Estados Unidos, Inglaterra, China e Japão a relação entre arquitetura, corpo e movimento numa modalidade esportiva e performática nascida nas periferias de Paris e hoje predominante como um fenômeno urbano mundial.
Grupos de jovens irrompem a arquitetura inerte de prédios, casas, muros, fachadas e postes com saltos, pulos e acrobacias. Em bandos, esses jovens sentem-se estimulados a ver a cidade como uma força agregadora aos desafios físicos de pular e saltar estruturas rígidas, típicas das construções urbanas. Planos gerais no tripé intercalam-se com câmeras presas aos corpos dos praticantes a fim do espectador reconhecer a agilidade dos movimentos e a condição de desafio no qual esses jovens se colocam.
Schröder avalia a beleza do movimento em planos que balanceiam corpo e arquitetura, agilidade dos saltos e paralisia das construções. Distante de um ranço elitista que muitas vezes norteou as discussões sobre o parkour e os filmes sobre o tema, o diretor assume uma dianteira propositiva de debate na qual se inserem arquitetos, pensadores e agentes públicos interessados em criar estruturas para que o parkour seja amplamente difundido como uma modalidade cultural.
O mapeamento por diversas cidades reconhece os avanços e diferenças envolvidas nas arquiteturas e na sociedade de cada espaço investigado, além de ressaltar questões como diferença de gênero entre os praticantes. O parkour é, em Meu playground, uma prática apresentada também como feminina, pois há a ênfase na performance de duas garotas, uma dinamarquesa e outra chinesa, e faz com que seja desconstruída também a mística do parkour como um universo sedimentado do masculino.
Elogioso, Meu playground assume a possibilidade de conciliação entre vida e espaço urbano através de uma modalidade que faz da cidade o campo do lúdico.
nota
1
My Playground, filme de Kaspar Astrup Schröder, Dinarmarca, 2010, documentário, 50’
sobre a autora
Laura Carvalho, formada em Audiovisual pela Universidade de São Paulo, é pós-graduanda pela mesma instituição de ensino, onde desenvolve uma pesquisa sobre cor, cinema e pintura. Ministra aulas teóricas há cinco anos e apresentou os resultados de sua pesquisa acadêmica em conferências no Brasil e no exterior. No campo da prática cinematográfica, desenvolve projetos relacionados à direção de arte, decoração de cenários e figurino.