Dando sequência à coletânea Uma nova agenda para a arquitetura: Antologia teórica 1965-1995 (Cosac Naify, 2006) organizada por Kate Nesbitt, o livro O campo ampliado da arquitetura: Antologia teórica 1993-2009 de A. Krista Sykes procura atualizar o debate sobre a teoria arquitetônica tanto do ponto de vista dos temas que têm animado arquitetos, teóricos, historiadores, críticos e estudiosos em geral, quando do ponto de vista disciplinar, ou seja, das definições, objetivos e sentidos da teoria em arquitetura. Para Sykes, nas antologias que a precederam – incluindo aí, também, Architecture Theory Since 1968 (MIT Press, 1998), de K. Michael Hays – prevaleceu um tipo de teoria, nomeada crítica, de natureza polêmica, comprometida com orientações políticas e éticas explícitas, que tinha como objetivo central avaliar o mundo construído e suas relações com a sociedade para então estimular mudanças por meio da (e na) arquitetura. Especulativa, questionadora e muitas vezes utópica, a teoria crítica que marcou o período enfocado por Nesbitt e Hays teria entrado em crise nos anos 1990, sobretudo em função de sua falta de correspondência com a prática. Segundo a autora, o que ocorre a partir dos anos 1990 não é uma descrença total na teoria, mas uma defesa grande da prática, da ação, do produto concreto, algo que “se tornou bastante atraente para os que se sentiam frustrados e desapontados com os processos conceituais mais abstratos, ligados à teoria arquitetônica tal como ela existia desde os anos 1960”.
A crise da teoria crítica que se consolidou em uma posição pró-prática teve como marcos uma série de eventos ocorridos na virada dos anos 1990 para os anos 2000. Entre esses eventos merecem destaque o workshop promovido em 2000 na Universidade de Columbia pela fundação Skidmore, Owings & Merril que culminou com a conferência “Things in the Making: Contemporary Architecture and the Pragmatist Imagination”. Participa dos sinais da crise o fim das revistas Assemblage: A Critical Journal of Architecture and Design Culture editada por Hays e Alicia Kennedy como sucessora da Oppositions – um dos principais veículos da teoria crítica do período anterior –, e da ANY, fundada por Cynthia Davidson, esposa de Peter Eisenman, um dos fundadores da Oppositions. Ao mesmo tempo foram criadas, como contraponto, as revistas Praxis (1999), Hunch (1999) e 306090 (2001), cada uma à sua maneira colocando em primeiro lugar a prática projetual.
É a partir da recuperação dos debates travados nesses eventos, revistas e também nas universidades e centros de pesquisas, notadamente nos Estados Unidos, que a organizadora seleciona os 28 textos que compõe sua antologia. Diferentemente da antologia organizada por Nesbitt, também editada pela Cosac Naify, em O Campo ampliado da arquitetura os textos são organizados não por temas, mas sim cronologicamente. Justificada a princípio pela falta de unidade do discurso teórico dos anos de 1993 a 2009, a escolha pela ordem cronológica mostra uma intenção de evitar classificações que poderiam limitar as interpretações dos textos e com isso impedir novos agrupamentos temáticos, garantindo mais liberdade aos professores que intentem rastrear temas conforme seus interesses e cursos específicos.
Apesar diversidade do debate teórico, Sykes aponta a predominância de alguns temas. A revisão da teoria crítica, a defesa de uma posição pró-prática, a crítica à arquitetura moderna e a busca de alternativas a essa produção são alguns desses temas que aparecem nos textos assinados por John Rajchman, Stan Allen, Jeffrey Kipnis, Michael Speaks, Robert Somol e Sarah Whiting, Reinhold Martin, Sylvia Lavin, John McMorrough, Arie Graafland e Rem Koolhaas. Os avanços tecnológicos recentes, em particular a expansão do domínio digital e suas repercussões no plano da idealização e produção do projeto e na fabricação do objeto arquitetônico é outro tema recorrente no período que aparece de diversos modos nos artigos de Antoine Picon, Saskia Sassen, Karl S. Chu e William J. Mitchell. A questão ambiental e o imperativo de criar uma arquitetura ecológica e sustentável diante das alterações climáticas do planeta, dos altos níveis de poluição e do esgotamento dos recursos naturais são tratados pelo “Questionário Verde” (2001) respondido por arquitetos renomados como Norman Foster, Jan Kaplicky, Richard Rogers, Ken Yeang e Thomas Herzog, e pelo texto de William McDonough e Michael Braungart. Relacionado a esse tema, mas também às críticas ao movimento moderno e à produção arquitetônica do star system, outro conjunto de textos trata da preocupação com os costumes e as práticas cotidianas locais, procurando inserir a arquitetura e o urbanismo no contexto regional com todas as suas especificidades humanas e materiais. Essa é a intenção dos autores da “Carta do novo urbanismo” (1996), publicada pelo Congresso para o Novo Urbanismo, além das questões tratadas por Deborah Berke, Sanford Kwinter, Samuel Mockbee, Steven A. Moore e Glenn Murcutt. Como se vê, a maioria dos autores é pouco conhecida entre nós, e a edição em português tem o mérito de apresentá-los ao público brasileiro.
O caráter menos especulativo e mais operativo dos textos selecionados, assim como o horizonte distópico que os marcam, é fruto do momento, mas também da atuação da organizadora, diretora de uma consultoria chamada Architecture in Context, cujo objetivo declarado é o identificar as transformações na profissão e orientar arquitetos e seus escritórios a evoluir e prosperar. Assim, todos os textos de algum modo são dedicados mais diretamente a apontar caminhos para a produção arquitetônica real diante dos desafios colocados pelos novos tempos do que instrumentos de reflexão em si.
Cada um dos textos apresentados é precedido de uma pequena introdução, na qual a autora procura situar o momento de sua publicação e o debate por ele suscitado. Sykes assina também o prefácio e a introdução, cabendo a K. Michael Hays o posfácio. A antologia conta ainda com uma bibliografia selecionada, com indicações de outros artigos e livros importantes no período; biografias que ajudam a localizar os autores e suas produções e índices de nomes, obras, localidades e temas que são um bom instrumento de investigação.
Décimo quinto livro da coleção Face Norte, O campo ampliado da arquitetura: Antologia teórica 1993-2009 dá continuidade ao trabalho da editora Cosac Naify de divulgar entre o público brasileiro textos de teoria que dão conta do debate acerca da arquitetura moderna e contemporânea, interessando, portanto, a todos aqueles que têm se dedicado ao tema, notadamente arquitetos, urbanistas, estudantes, pesquisadores e professores universitários.
sobre a autora
Joana Mello é arquiteta e urbanista (1997), mestre em Arquitetura e Urbanismo (2005) pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo e doutora em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo - EESC USP (2010) pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU USP. É docente da Escola da Cidade desde 2003 na sequência de História da Arquitetura. Publicou o livro Ricardo Severo: da arqueologia portuguesa à arquitetura brasileira (Annablume/ FAPESP, 2007) e O arquiteto e a produção da cidade: a experiência de Jacques Pilon 1930-1960 (Annablume/ FAPESP, 2012).