Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

reviews online ISSN 2175-6694


abstracts

português
A autora resenha o livro Conversas com Gaudí, que recupera, pela oralidade, o pensamento e as idiossincrasias do arquiteto catalão.

english
The author reviews the book Conversas com Gaudí. This book registers the thoughts and idiosyncrasies of the Catalonian architect Antoni Gaudí.

how to quote

LORDELLO, Eliane. Conversando com Gaudí. Resenhas Online, São Paulo, ano 14, n. 168.01, Vitruvius, dez. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/14.168/5847>.


“As mais belas curvas deste século não foram feitas com computadores e pixels, mas com arrojo e engenhosidade: as cascas em concreto de [Félix] Candela, os arcos em pedra de Gaudí e o mobiliário em madeira laminada dos Eames”
Willem Jan Neutelings (1).

Nos áudio guias de turismo de Barcelona, é comum ouvirmos que um professor de Antonio Gaudi teria dito não saber se estava a formar um gênio ou um louco. O comentário prosaico é bem revelador do senso comum em torno do arquiteto catalão, cuja obra e influência ainda são muito pouco estudadas nas escolas de arquitetura no Brasil. Em Vitruvius, no entanto, constam algumas publicações sobre Gaudi que serão recuperadas nesta resenha do livro Conversas com Gaudí, que registra, pela oralidade, a experiência e os valores do arquiteto catalão.

Gaudí em Vitruvius

Influenciado, em um primeiro momento, pelas obras e pensamentos de Viollet Le Duc, Gaudí abriu um novo caminho no modernismo espanhol e não obstante a ausência de um legado textual ou gráfico, sua experiência influencia até hoje arquitetos e artistas.

Em Arquitextos, registram-se casos dignos de nota desse influxo no Brasil. Por exemplo, o trabalho de Vitor Lotufo, como demonstra o artigo de Edite e Ricardo Carranza (2). Já o artigo de Evelyn Furquim Werneck Lima, que identifica uma afinidade entre Lina Bo Bardi e Gaudí, afirma: “É indispensável analisar, ver e sentir a obra, mesmo porque Lina realizava, tal como Antoni Gaudí, a construção e a tradução de seus conceitos espaciais durante a própria obra” (3). Na mesma revista, em outro artigo da mesma autora, encontramos uma nota explicativa da relação dos dois arquitetos: “A relação da obra de Lina com a obra de Gaudi é explicada pela arquiteta, que se impressiona com as formas da natureza utilizadas de maneira expressionista” (4). Ainda em Arquitextos, outro artigo revelador da influência de Gaudí sobre Lina é o de Ana Carolina de Souza Bierrenbach – “Como um lagarto sobre as pedras ao sol: as arquiteturas de Lina Bo Bardi e Antoni Gaudí” (5).

Park Güell. Arquiteto Antoni Gaudí
Foto Eliane Lordello, out. 2015

Já na revista Drops, Otávio Lacombe faz a seguinte confissão,

“Eu, em minha tese, “Diagramas Digitais”, fui um pouco além da atividade projetiva e quis saber como certos modos de pensar, como alguns processos de concepção do projeto do passado poderiam estar na origem do pensamento e do processo de concepção da arquitetura no campo do digital. Foi assim que encontrei similaridades entre o modo de pensar de, por exemplo Corbusier e Gaudí com Gehry e Eisenman” (6).

Sagrada Família: uma grande árvore. Arquiteto Antoni Gaudí
Foto Eliane Lordello, out. 2015

Em Arquiteturismo, Gabriela Celani fala de um Gaudí que podemos tomar como um matemático da forma: “Gaudí, por outro lado, pode ser considerado um exemplo canônico do processo tectônico de definição da forma, com seu método baseado nas catenárias” (7).

Casa Batllò. Arquiteto Antoni Gaudí
Foto Eliane Lordello, out. 2015

Seguindo a linha aberta por Claudio Bastos, no artigo “Gaudí e a água” (8), poder-se-ia falar ainda do “Gaudí ecológico” preocupado com questões bioclimáticas muito antes que se falasse em ecologia. Ou do “Gaudí místico”, que se apreende nos vídeos das visitas guiadas do Parque Güell e que se patenteia no artigo de Fábio Muller, em Arquitextos, em especial quando aborda a cripta da Sagrada Família:

“a cripta semi-enterrada pode ser lida enquanto representação da caverna cristã primitiva ou como figuração, quase literal, das raízes que unem a terra ao universo, ou que prendem aqui o homem, na busca incessante pelo paraíso” (9).

Poder-se-ia também falar do “Gaudí artesão”, por seus mosaicos de ladrilhos, os “trincadis”; e artefatos como sinos, sua relação estreita com a caldeiraria, profissão de seu pai, seu avô e seu bisavô, e à qual atribuía sua visão de espaço. Mais ainda: pela dedicação de Gaudi ao ornamento, que particulariza sua obra. Vejam-se a exemplo disso, não apenas os mosaicos do Park Güell, mas também os guarda-corpos e gradis das casas Milá e Batllò, o portão do Pavellon Güell, por exemplo (sem falar em todas os adornos presentes na Sagrada Família na forma de estatuárias, símbolos sagrados, signos do zodiaco, vitrais).

Além disso, o aniversário de 150 anos de Gaudí foi dignamente celebrado em Vitruvius pelo artigo “Antoni Gaudí: 150 anos de arquitetura inovadora”, que destaca o respeito de Gaudí pela cultura catalã, e sua propagação por meio da obra deste arquiteto.

“Não se imagine, porém, que inovação e criatividade podiam fazer com que Gaudí negasse, ou mesmo se afastasse dos valores e tradições da cultura catalã. Assim como a obra de Oscar Niemeyer está impregnada pelos valores do barroco mineiro, na produção gaudiniana a ‘identidade cultural’ ibérica está permanentemente retratada. Reflete o Mediterrâneo como local de confluência de culturas muito diversas e, sobretudo Barcelona, como seu centro de referência nos últimos séculos” (10).

Como, porém, compreender esse Gaudí que não registrava textualmente e graficamente seus trabalhos? Essa parece ser a questão do arquiteto a que se refere Eladio Dieste no depoimento contido no artigo de Sulamita Lino em Arquitextos. Eis o que depõe o mestre uruguaio:

“Recuerdo que al preguntar a un amigo sobre la obra de Gaudí me contestó que no le había interesado nada: “esto no tiene nada que ver con nosotros” me dijo, y, como argumento final agregó: “Yo no sabría cómo dibujar un edificio de Gaudí y cómo haríamos hoy una obra sin plantas, fachadas y cortes”” (11).

Casa Millà. Arquiteto Antoni Gaudí
Foto Eliane Lordello, out. 2015

Conversas com Gaudí

Compreender Gaudí, acima dos preconceitos e dos estranhamentos, eis o que permite a leitura de Conversas com Gaudí. Isso porque a obra que aqui se resenha registra, a partir da oralidade, o pensamento e as idiossincrasias do arquiteto catalão.

Casa Millà, cobertura. Arquiteto Antoni Gaudí
Foto Eliane Lordello, out. 2015

A leitura do livro deve ser iniciada pelo preciso prefácio de Joaquim Guedes, que relativiza a obra de Gaudí no contexto de época,  na formação dos estudantes da arquitetura e na crítica especializada. O prefácio finaliza por confessar algo que já se evidenciou acima – a admiração de Lina Bo Bardi por Gaudí. Nas palavras do prefaciador: “nunca vi alguém tão transportado de admiração diante de uma obra de arte, como Lina diante de Gaudí” (Joaquim Guedes, prefácio).

A Introdução ao livro foi escrita pelo próprio tradutor, Alberto Marsicano, que é também filósofo, músico e escritor. Em sua introdução, Marsicano discorre sobre as linhas mestras da obra de Gaudí, e qualifica a sua arquitetura de essencialmente orgânica. A propósito, recupera uma fala altamente reveladora do mestre catalão: “Este cipreste; eis meu mestre!”, teria dito Gaudí ao apontar uma árvore ao lado do seu escritório de obras.

Além da límpida introdução à obra gaudiniana, ao longo de toda a tradução, as notas de Marsicano são elucidativas e sensíveis, é preciso ressaltar. Vejamos duas delas.  A primeira é aquela em que à explicação de que Gaudí fazia todas as suas experiências sonoras no campanário, Marsicano acrescenta:

“Toquei sitar no campanário e nas escadas espirais da Sagrada Família. Sua extraordinária acústica pode ser ouvida na gravação “A Sitar Tribute to Gaudi” feita neste local” (nota do tradutor, nota XI, p. 116).

A segunda se dá quando do relato de que Gaudí teria advertido ao engenheiro Mariano Rubió de que seu intento de chamar um pavilhão de “O Palácio da Luz” soaria pretensioso e cairia no ridículo quando surgisse a luz do sol. Pois bem, glosando o ensinamento de Gaudí, Marsicano apresenta um haikai do poeta japonês Aon: “amanhece/ o vagalume/ vira inseto”.

Sagrada Família, fachada do Nascimento. Arquiteto Antoni Gaudí
Foto Eliane Lordello, out. 2015

Em sua Introdução, Marsicano ainda discorre sobre a ideia de totalidade da vida que Gaudí possuía e sua grande sensibilidade para captar a capacidade dos ouvintes; inclusive a cada ocasião moldando seu discurso para torná-lo compreensível à audiência. A propósito, conclui: “Neste ponto, como em todos, procurava imitar o Divino Mestre, que por meio de singelas parábolas expunha aos humildes verdades evangélicas” (p. 49).

Sagrada Família – detalhe da fachada do Nascimento. Arquiteto Antoni Gaudí
Foto Eliane Lordello, out. 2015

Por fim, resta dizer que nesta introdução, com grande propriedade, Marsicano define Gaudí como “arquiteto-luthier” em tributo dimensão acústica de sua arquitetura.

Passemos agora ao texto de Brunet propriamente.

O autor teve a sua primeira oportunidade de escutar Gaudí quando da abertura dos escritórios de obra da Sagrada Família à visitação pública, o que se deu em janeiro de 1915. Brunet diz acreditar que, desde então, passou a assistir à maioria das visitas feitas pelos alunos de diversas faculdades de Barcelona e começou a compreender o “grande significado da arquitetura de Gaudí cuja obra-prima é a Sagrada Família” (p. 45).

Toda a narrativa centra-se na construção da Sagrada Família, a que se dedicava Gaudí no tempo daquelas conversas. Muito se pode aprender sobre os valores do mestre catalão na leitura dessas conversas. Por exemplo, sobre sua convicção de que se aprecia a vida com os olhos.  Mais ainda: que os mediterrâneos têm uma percepção mais apurada da plasticidade e de tudo o que se pode apreciar com o sentido da visão.  Em suas palavras: “Nós, homens do Mediterrâneo, temos os olhos acostumados às imagens e não a espectros. Somos mais imaginativos que fantásticos, portanto mais aptos às artes plásticas” (p. 94). Em outro momento, complementa: “Os mediterrâneos são os únicos que conseguiram vislumbrar a geometria e, para desvendá-la é preciso recorrer aos gregos”. Quanto as suas próprias qualidades pessoais gregas, Gaudí as atribuía ao Mediterrâneo, cuja visão assumia como uma necessidade.

Gaudí, aprendemos nessas conversas, considerava a Sagrada Família um templo grego, e Brunet bem explora os aspectos helenísticos desta igreja. O autor diz que tudo na Sagrada Família é grego e que Gaudí afirmava: “quando estiver pronta, virá gente de todo o mundo para vê-la e influenciará a arte”.

A longa duração das obras do templo era explicada por Gaudí em termos ecológicos e transcendentes, como relata Brunet:

“O templo cresce pouco a pouco, mas isto acontece com tudo que está fadado a ter longa vida. Constantes interrupções no crescimento também fazem parte da natureza. Os carvalhos centenários levam anos e anos para ficarem gigantescos e ciclicamente gélidas nevascas interrompem seu crescimento” (p. 64).

Os aspectos ecológicos e bioclimáticos da obra de Gaudí são um fértil terreno para pesquisa, e não poderia ser diferente na obra de um artista que admitia a natureza como sua grande mestra, como já foi visto acima. Exemplar desse raciocínio, é o sistema de aeração da cripta, assim descrito por Brunet:

“Sua ventilação é feita de modo natural, com correntes de ar produzidas pelo desequilíbrio entre as temperaturas que se alternam entre o nascer do sol e o poente, ou vice-versa, segundo se trate da manhã ou da tarde” (p. 64).

Os aspectos bioclimáticos da obra de Gaudí transparecem no texto de Brunet. O estudo da geometria, as experiências com paraboloides hiperbólicos e com hiperboloides são explicadas detidamente pelo atento ouvinte de Gaudí que foi Brunet. A estrutura das torres da Sagrada Família é claramente associada aos castelos humanos dos tradicionais Xiquets de Valls, numa passagem tão divertida quanto elucidativa da obra de Gaudí, graças ao limpidez do texto de Brunet.

A crítica, em especial ao gótico, que Gaudí considerava uma arte imperfeita, uma arte industrial ainda a ser resolvida, e uma arte nórdica, está presente no texto. Causa curiosidade essa crítica, e merece muita atenção, sobretudo quando nos lembramos das altas torres da Sagrada Família e da iluminação caleidoscópica dessa igreja, que, inevitavelmente nos faz pensar no gótico.

Além disso, patenteia-se no livro de Brunet a relação do arquiteto com seu mecenas, Eusebi Güell. Mais ainda, os aspectos cotidianos e os característicos humanos de Gaudí: sua vida seráfica, sua dedicação exclusiva à Sagrada Família; sua religiosidade. Vale notara que não apenas a vida do arquiteto está presente no livro, mas a própria vida do autor, que mudou com a experiência de conviver com Gaudí. Em suma: Gaudí, sua vida, sua arquitetura, e seu interlocutor Brunet transparecem neste livro.

Considerações finais

Sete obras de Gaudí são registradas como Patrimônio Mundial pela Unesco. São elas: Parque Güell; Palacio Güell; Casa Milà; Casa Vicens; o trabalho de Gaudí na fachada do Nascimento e Cripta da Sagrada Família; Casa Batlló; Cripta na Colônia Güell. Gaudí é reconhecido no mundo inteiro e suas obras atraem enorme visitação. Diante dessa realidade, o livro de Brunet é fundamental.

notas

1
NEUTELINGS, Willem Jan. Bolhas, pixels e sutiãs [Blobs, pixels and push-up bras]. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 017.10, Vitruvius, out. 2001 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.017/844>.

2
CARRANZA, Edite Galote R.; CARRANZA, Ricardo. Alvenaria alternativa. A obra do arquiteto Vitor Lotufo. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 126.01, Vitruvius, nov. 2010 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.126/3659>.

3
LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Estudo de relações simbólicas. Entre espaços teatrais e contextos urbanos e sociais com base em gráficos de Lina Bo Bardi. Arquitextos, São Paulo, ano 09, n. 107.03, Vitruvius, abr. 2009 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.107/58>.

4
LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Por uma revolução da arquitetura teatral:. O Oficina e o SESC da Pompéia. Arquitextos, São Paulo, ano 09, n. 101.01, Vitruvius, out. 2008 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.101/100>.

5
BIERRENBACH, Ana Carolina de Souza. Como um lagarto sobre as pedras ao sol:. As arquiteturas de Lina Bo Bardi e Antoni Gaudí. Arquitextos, São Paulo, ano 04, n. 044.00, Vitruvius, jan. 2003 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.044/620>.

6
LACOMBE, Octavio. Sobre a arqueologia do digital. Drops, São Paulo, ano 13, n. 069.02, Vitruvius, jun. 2013 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/13.069/4764>

7
CELANI, Gabriela. Caadria 2011. Conhecendo a Austrália participando de um congresso científico. Arquiteturismo, São Paulo, ano 05, n. 051.03, Vitruvius, maio 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/05.051/3893>.

8
BASTOS, Claudio. Gaudí e a água. Arquitextos, São Paulo, ano 10, n. 114.01, Vitruvius, nov. 2009 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.114/10>.

9
MÜLLER, Fábio. Gaudí e a síntese naturalista do sagrado. Arquitextos, São Paulo, ano 04, n. 044.03, Vitruvius, jan. 2004 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.044/619>.

10
ROCHA, Ari Antonio da. Antoni Gaudí: 150 anos de arquitetura inovadora. Arquitextos, São Paulo, ano 03, n. 029.04, Vitruvius, out. 2002 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.029/739>.

11
LINO, Sulamita Fonseca. A obra de Eladio Dieste: flexibilidade e autonomia na produção arquitetônica. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n. 096.04, Vitruvius, maio 2008 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.096/142>.

12
BRUNET, Cesar Martinell. Conversas com Gaudí. São Paulo, Perspectiva, 2007.

sobre a autora

Eliane Lordello é arquiteta e urbanista (UFES, 1991), mestre em arquitetura, na área de Teoria e Projeto (UFRJ, 2003), doutora em desenvolvimento urbano, na área de Conservação Integrada (UFPE, 2008).

comments

resenha do livro

Conversas com Gaudí

Conversas com Gaudí

Cesar Martinell Brunet

2007

168.01
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

168

168.02

O encontro com o Brasil grotesco

Sobre o filme Chatô, o Rei do Brasil, de Guilherme Fontes

Abilio Guerra

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided