Coroando as comemorações do seu primeiro centenário, o Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB acaba de lançar o livro Instituto de Arquitetos do Brasil 1921 a 2021 – um século de arquitetura e urbanismo pela democracia, cultura e direito à cidade, elegante publicação organizada por Cêça Guimaraens, Gilberto Belleza, Ivan Mizoguchi, Joaquim Cartaxo, Luiz Eduardo Sarmento, Maria Elisa Baptista e Vera França e Leite. O livro de capa dura vermelha e mais de quinhentas páginas, é um presente para os leitores, ao reunir rica documentação que conta e celebra a trajetória do instituto.
“Nascido” em 26 de janeiro de 1921, e criado como instituição de agremiação, representação e plataforma para as políticas do campo profissional dos arquitetos e arquitetas do Brasil, o IAB vem representando na história nacional um coletivo empenhado na construção de cidades mais justas e dignas à vida humana.
O livro de celebração pelo seu aniversário de 100 anos é um dos frutos do trabalho realizado pela Comissão do Centenário, e reúne depoimentos, artigos, manifestos e iconografia. Organizado em três seções – Arquitetura de uma história, Vivências e impressões e Ensaios no Centenário –, seu conteúdo narra histórias passadas, articula caminhos presentes e apresenta aspectos futuros da instituição.
Para abrir a obra, foi selecionado o Manifesto do Centenário, originalmente divulgado de forma virtual, por força da epidemia do Covid-19, em 21 de janeiro de 2021. Assinado pela atual presidente Maria Elisa Baptista e por todos os ex-presidentes do IAB, o manifesto se soma ao elenco dos célebres manifestos lançados pelo instituto ao longo de sua história. Seu título é compartilhado com o livro – Um século de arquitetura e urbanismo pela democracia, cultura e direito à cidade – e, através dele, o IAB afirma, enfaticamente e mais uma vez, sua adesão histórica à democracia, face aos desafios atuais, em defesa das conquistas civilizatórias alcançadas, muitas com a participação ativa do Instituto.
A primeira parte do livro pode ser lida como um olhar para trás na história do Instituto até os dias de hoje. Esta seção se inicia com o artigo de Vera França e Leite O IAB – Um século de história construída, no qual é sintetizada, em forma de linha do tempo, a trajetória do Instituto em seus 100 anos, entrelaçada com os principais acontecimentos políticos e culturais brasileiros. O segundo texto tem a autoria de José Alberto Almeida, Antônio Carlos Campelo Costa e Joaquim Cartaxo Filho, e apresenta um panorama geral dos temas dos Congressos Brasileiros de Arquitetos – CBA, promovidos pelo IAB desde 1945, destacando sua importância ao pautar bandeiras políticas e profissionais para a categoria.
A transcrição de uma roda de conversa conduzida por Maria Elisa Baptista e Telmo Magadan, com a participação de Beto Almeida, Vera França e Leite, Ivan Mizoguchi e Rafael Passos, é o conteúdo do terceiro texto desta parte do livro. Realizada de maneira virtual durante a pandemia e organizada pela direção nacional do Instituto, a roda teve como mote inicial o conteúdo e as circunstâncias políticas da elaboração de diversas cartas e manifestos assinados pelo IAB em congressos e reuniões do Conselho Superior do IAB. O arquiteto David Léo Bondar assina o texto Mais de cinquenta anos de lutas para conquistas do conselho próprio, no qual narra as lutas conduzidas pelo IAB, desde meados da década de 1950, para a criação do seu próprio conselho profissional. Reivindicação histórica dos arquitetos que somente foi atendida em 2010, com a criação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU, hoje parceiro do IAB em diversas frentes de batalha.
Cêça Guimaraes e Luiz Eduardo Sarmento nos brindam com uma extensa pesquisa histórica no artigo A escrita na história do centenário. Os autores discorrem sobre o contexto e o conteúdo das publicações produzidas pelo IAB ao longo do tempo. O corpus apresentado pelos autores, é composto por livros, revistas e jornais, boletins informativos e relatórios internos, manifestos, catálogos e panfletos, programas de TV e charges, entre muitos outros. Acompanhado por uma preciosa iconografia, o artigo busca conduzir o leitor através das diversas vozes registradas nos seus escritos. Também ilustrado por imagens valiosas, Homenagens necessárias e merecidas, de Gilberto Belleza, reúne uma compilação de todas as honrarias outorgadas pelo Instituto a seus membros e colegas de profissão.
As Bienais de Arquitetura de São Paulo, realizadas sob a coordenação do IAB desde 1973, são apresentadas em artigo de Elisabete França. Já Antônio Carlos Moraes de Castro discorre sobre a consistente e efetiva presença do IAB na política das entidades de arquitetura e urbanismo de outros países. A recente experiência de organização do 27º Congresso Mundial de Arquitetos no Rio de Janeiro UIA2021RIO é contada por Igor de Vetyemy, Comissário Geral do Comitê Executivo do Congresso e presidente do IAB-RJ. Por força dos desdobramentos da pandemia do Covid-19, o encontro teve que ser adiado em um ano e toda a sua programação foi adaptada ao formato híbrido virtual e presencial. O modelo adotado pela organização possibilitou o acesso ao congresso de um público imenso, inimaginável de ser alcançado nos padrões tradicionais pré-pandêmicos.
Outra questão relevante abordada no livro é a crescente participação feminina nos cargos de chefia do Instituto. Nesse sentido, Júlia Meneghel apresenta a história de Maria do Carmo de Novaes Schwab, primeira mulher a ocupar o cargo de presidente de um Departamento do IAB, entre 1974 e 1975, no Espírito Santo.
Uma coletânea de manifestos produzidos pelo IAB, com belas ilustrações do arquiteto Campelo Costa, fecha a primeira parte do livro, que tem como foco as importantes contribuições do Instituto para o desenvolvimento da arquitetura e do urbanismo no Brasil.
A segunda parte do livro – Vivências e impressões – agrupa depoimentos colhidos especialmente para a publicação. Políticos, jornalistas, sanitaristas, arquitetos e arquitetas que participaram de diferentes fases da história do Instituto contam suas experiências e vivências. Destacam-se os testemunhos de Almino Affonso, Ministro do Trabalho do governo de João Goulart durante o Seminário Quitandinha; das ganhadoras dos Colares de Ouro, Rosa Kliass (2019) e Dora Alcântara (2022), e dos ex-presidentes da direção nacional. São incluídas também as saudações de entidades coirmãs de arquitetura e urbanismo pela passagem do centenário.
Integram ainda essa seção entrevistas feitas pela jornalista Sabrina Ortácio com funcionários “veteranos” do IAB, que guardam consigo importante memória sobre experiências vividas junto ao Instituto. A realização dessas entrevistas reflete o reconhecimento a esses colaboradores, cujo trabalho e dedicação foram fundamentais para o sucesso da instituição. A jornalista também entrevistou os atuais presidentes dos departamentos estaduais, ressaltando sua importância para a abrangência nacional das ações do Instituto. Uma galeria de fotos dos presidentes, destacando-se a presença entre eles de uma única mulher, fecha esta parte do livro.
A terceira parte – Ensaios no Centenário – é dedicada a artigos sobre temas prioritários para o IAB e que ganharam relevância ao longo do tempo, focalizando batalhas atuais e lutas futuras na defesa de uma arquitetura e de um urbanismo comprometido com a democracia e o desenvolvimento social. Nesse sentido, o texto de Fernando Luiz Lara – Para uma arquitetura brasileira para o próximo século – lança projeções sobre o futuro, à luz das lentes decoloniais de análise. Esse novo olhar é corroborado pelo texto Mulheres, equidade de gênero e pluralidade: momento de inflexão na história do IAB, que aborda a presença feminina nos espaços profissionais da arquitetura e do urbanismo, e sua representatividade na entidade, tendo como marco a recente criação da Comissão de Equidade de Gênero Rosa Kliass, em 2019, para promoção de políticas que garantam às mulheres ocupar os espaços profissionais em situação de igualdade com os homens. Significativa para esse movimento foi a eleição da primeira mulher como presidente do IAB, Maria Elisa Baptista.
A importância de concursos públicos, bandeira carregada pelo IAB desde a sua formação, é reforçada em dois artigos, assinados por Cesar Dorfman, e Vera Pires em coautoria com Roberto Ghione, que enfatizam seu papel como meio democrático e transparente para a licitação de obras públicas de arquitetura e urbanismo. O ensino e a formação profissional do arquiteto são abordados nos textos de David Léo Bondar, Flávio Carsalade em coautoria Romeu Duarte Júnior, e Ivan Mizoguchi. A partir de sua experiência pessoal, Pedro Rossi apresenta reflexões sobre as ações do IAB na luta pelo direito à cidade, e seu envolvimento nas causas e movimentos sociais defensores da democracia, em busca de uma sociedade mais justa e igualitária.
O arquiteto e chargista Claudius Ceccon nos brinda com algumas reminiscências e uma seleção das suas famosas charges, elaboradas com seu humor e traço refinados, para ilustrar importantes publicações do IAB, em especial a revista Arquitetura (1961-1968). E, fechando a terceira parte, a resenha escrita por José Roberto Almeida, do livro Caminhos que levam à cidade, de Vera França e Leite, que analisa a participação do Instituto na elaboração das políticas públicas de arquitetura e urbanismo.
Escrito por arquitetos e para arquitetos, o livro percorre a trajetória da instituição centenária, marcando suas conquistas ao longo de dez décadas e apontando para o seu papel em prol da construção de cidades mais justas, igualitárias e dignas à vida humana.
A leitura de Instituto de Arquitetos do Brasil 1921 a 2021 - Um século de arquitetura e urbanismo pela democracia, cultura e direito à cidade nos remete ao artigo Sonhadores com muita Honra, escrito por Marcos Konder e publicado na revista Arquitetura n. 27, de setembro de 1964, como resposta às acusações do Ministro do Planejamento do governo militar, Roberto Campos, de que os arquitetos eram uma categoria profissional de “sonhadores”. Como apontou Konder, o livro mostra que os arquitetos brasileiros continuam sonhando com um país melhor, mais justo e menos desigual.
sobre a autora
Marina Lage da Gama Lima é arquiteta e urbanista (FAU/UFRJ), mestre e doutora em Urbanismo (PROURB/UFRJ). Atua em projetos de arquitetura desde de 2001 e atualmente é professora de projeto (FAU/UFRJ 2022-2023). É também vice-presidente eleita para o IAB-RJ (2023-2025).