Na maioria dos casos, a publicação de um livro sobre um arquiteto de província (1) se deve ao carinho dos seus familiares e à amizade dos colegas, sem que a obra necessariamente mereça o registro. Não é o caso do livro publicado sobre o arquiteto gaúcho Emil Bered. Embora tenha sido publicado por iniciativa das suas filhas e inclua textos de amigos, ex-colaboradores e de estudiosos da sua obra, trata-se de um livro imprescindível.
Posso estar tomado por um ufanismo pampeano ao afirmar que a obra de Bered não deve nada à de grandes arquitetos paulistas como Rino Levi, Oswaldo Bratke, Franz Heep, Salvador Candia, Vital Brasil e tantos outros que deixaram sua marca na cidade de São Paulo, especialmente no bairro Higienópolis.
Durante o período que vai do final da década de 1940 à primeira metade dos anos 1970, Bered e um grupo de arquitetos que incluía Carlos Fayet, Moacir Moojen Marques, Cláudio Araújo, Luiz Fernando Corona, além de outros, produziu uma arquitetura rigorosa, atenta ao seu compromisso com a funcionalidade e a correta instalação no lugar e que, do ponto de vista formal, tinha fortes vínculos com o que foi denominado Estilo Internacional.
Mesmo quem conhece o arquiteto e sua obra, ao percorrer o livro se dá conta do número elevado de obras de Bered –sozinho ou em parceria com outros colegas– que se destacan na paisagem porto-alegrense e resistem ao assédio de vizinhos de qualidade cada vez mais decrescente. Assim, temos o edifício Faial, digno representante da nossa melhor arquitetura moderna na Praça Marechal Deodoro, a nossa Acrópole, e o incrível Edifício-Sede da então Companhia Rio-grandense de Telecomunicações, na avenida Salgado Filho, uma jóia que certamente seria mais conhecida e admirada se não estivesse tão ao sul do Brasil.
O livro reserva algumas surpresas, como a constatação de que a qualidade de Emil Bered como arquiteto não depende de programa, como é aparente em duas garagens – Ladeira e Moinhos de Vento – cujas fachadas são uma aula de ritmo e textura, além de solucionarem o problema da ventilação desses espaços ocupados por veículos.
Outra obra tão interessante quanto pouco conhecida é o Edifício Ipase, no centro histórico de Porto Alegre, cuja planta em H, que parece ter saído das páginas de Durand, é magistralmente resolvida em três dimensões.
O livro, como objeto, faz jus à arquitetura que apresenta, tanto no que se refere ao desenho gráfico como à organização do material apresentado, ambos excelentes. Mesmo que os organizadores tenham se desculpado por algumas fotos (antigas) de baixa qualidade, em geral as fotografias são muito boas e os desenhos muito claros. Sobre os desenhos, é importante salientar que alguns foram produzidos, ou seja, redesenhados, pelo arquiteto especialmente para o livro, tal o seu entusiasmo com a iniciativa.
Emil Bered Arquiteto é um livro bastante completo, pois nos conta sobre a vida profissional e acadêmica de Bered, além de facilitar o contato do público interessado com uma obra de enorme qualidade que, talvez, não tenha sido mais conhecida antes pela modéstia do seu autor.
Para mim, que fui aluno do professor Bered e que segui aprendendo da sua arquitetura depois de formado, é um grande prazer encontrar a sua obra registrada de maneira tão competente.
nota
1
Em relação aos centros de decisão e influência econômica e cultural, o Rio Grande do Sul é um estado periférico – não apenas no sentido geográfico do termo – e o era ainda mais nas décadas em que se realizou a maior parte da obre de Emil Bered.
sobre o autor
Edson da Cunha Mahfuz é arquiteto (UFRGS, 1978), pós-graduado pela Diploma School da Architectural Association School of Architecture (Londres,1980) e doutorado pelo Doctoral Program In Architecture da University of Pennsylvania (Filadélfia,1983). Professor titular de projetos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde leciona na graduação e na pós-graduação (Propar).