Partiremos de três questões complementares: os conflitos no espaço público, a corporeidade destes e a vitalidade e intensidade da vida pública dos espaços populares. Mas abordaremos estas questões por negação. As relações entre espaço público e imagens da cidade contemporânea passam hoje inevitavelmente pelo processo de espetacularização urbana contemporânea (2), que é um dos maiores responsáveis tanto pela negação dos conflitos e dissensos no espaço público contemporâneo quanto pelo empobrecimento das experiências corporais nestes espaços e, sobretudo, pela negação, eliminação ou ocultamento da vitalidade dos espaços mais populares das cidades, que buscam se tornar midiáticas e espetaculares.
O processo de espetacularização urbana está cada vez mais explicito e sua crítica já se tornou recorrente no meio acadêmico, mesmo que muitas vezes com outros nomes: cidade-cenário, cidade-museu, cidade genérica, cidade-parque-temático, cidade-shopping, em resumo: cidade-espetáculo (3). Correntes urbanas aparentemente distintas como o planejamento estratégico, o new urbanism, o urbanismo extra large ou o urbanismo corporativo, chegam a um mesmo resultado: a mercantilização espetacular das cidades, o que pode ser visto como um pensamento hegemônico, único ou consensual (4). Diferentes processos urbanos, tais como: estetização, culturalização, patrimonialização, museificação, musealisação, turistificação, gentrificação, privatização, disneylandização, shoppinização, cenograficalização etc, fazem parte, contudo, do mesmo processo de espetacularização das cidades contemporâneas que, por sua vez, é indissociável das estratégias de marketing ou mesmo do que se chama branding (construção de marcas), que buscam construir uma nova imagem para as cidades contemporâneas de modo a lhes garantir um lugar na geopolítica das redes globalizadas de cidades turísticas e culturais. Talvez um dos maiores exemplos disso seja ainda o chamado “modelo Barcelona” que, em sua versão para exportação, em particular para América Latina, oferece consultores especializados na criação de imagens-cenáriose na construção de consensos-simulacros de participação (5).
Dentro desta lógica espetacular de criação de imagens e construção de consensos, os espaços públicos contemporâneos, assim como a cultura, também são vistos como estratégicos para a construção e a promoção destas imagens de marca consensuais, ou seja, são pensados enquanto peças publicitárias, para consumo imediato. Marilena Chauí é categórica: “o fenômeno mais importante é a passagem do espaço público à condição de marketing, merchandising e midiatização (...). A peculiaridade pós-moderna – o gosto pelas imagens – se estabelece com a transformação das imagens em mercadorias, isto é, coloca-se uma imagem com finalidade de manipular o gosto e a opinião” (6).
Se a noção de publicidade (öffentlichkeit) um dia já foi pensada por alguns teóricos, como Jürguen Habermas (7), como o caráter ou o sentido público de algo, como a condição deste algo tornar-se público, ou seja, se um dia esta noção já foi pensada dentro da esfera de interesses principalmente públicos, hoje o termo publicidade está inequivocamente ligado à propaganda, marketing, merchandising, é a “voz” do mercado, com interesses prioritariamente privados. O que já foi pensado enquanto opinião pública, debate público, acabou resumido a mera pesquisa de mercado, cujo principal objetivo é atuar como uma eficiente fábrica de consensos. Na atual sociedade do espetáculo não há, de fato, lugar para qualquer tipo de espaço dissensual ou contra-hegemônico, o que resulta no empobrecimento da própria experiência urbana, em particular da experiência sensível e corporal das cidades – aquilo que vai além da pura visualidade imagética. O consenso busca também uma homogeneização das sensibilidades, das diferentes formas de “partilha do sensível” (8).
Os atuais projetos urbanos contemporâneos são realizados no mundo inteiro segundo uma mesma estratégia": homogeneizadora, espetacular e consensual. Estes projetos buscam transformar os espaços públicos em cenários, espaços desencarnados, fachadas sem corpo: pura imagem publicitária. As cidades cenográficas contemporâneas estão cada dia mais padronizadas e uniformizadas. Um bom exemplo disso é o mobiliário urbano globalizado: uma mesma empresa francesa se orgulha por atuar em 54 países, 3500 cidades, 145 aeroportos, 300 redes de transporte público e alcançar diretamente 200 milhões de consumidores (não se fala mais em habitantes) com os mesmos painéis publicitários em mobiliários urbanos (abrigos de ônibus, banheiros públicos, quiosques, etc.) também semelhantes. O que interessa, antes de qualquer tipo de funcionalidade, forma ou estética do mobiliário urbano contemporâneo é, evidentemente, o tamanho do painel disponível para publicidade no espaço público, ou seja, para venda de espaços públicos para fins privados (9).
As imagens de marca de cidades distintas (seus cartões postais), com culturas distintas, se parecem cada vez mais entre si. Como já ocorre com os espaços padronizados das cadeias dos grandes hotéis internacionais ou, ainda, dos aeroportos, das redes de fast food, dos shopping centers, dos parques temáticos, dos condomínios fechados e demais espaços privatizados. As intervenções contemporâneas sobre os territórios ditos históricos ou culturais também obedecem a este ritmo de produção, o que cria uma superabundância mundial de cenários e simulacros para turistas (10). Também ocorre hoje um tipo de mimetismo às avessas nos espaços públicos: não é raro encontrarmos recentes projetos ditos de “revitalização” desses espaços, como praças públicas por exemplo, que imitam as ditas “praças” dos shoppings (em particular, os materiais usados, a paginação do piso e o cercamento), exatamente o contrário do ocorrido nas galerias e primeiros centros comerciais que mimetizavam os espaços públicos urbanos, as suas ruas e praças tradicionais. Hoje, paradoxalmente, a referência de espaço público dito “de qualidade” passa a ser um espaço privado, na maior parte das vezes, um espaço interno, cercado e com segurança privada.
As ditas “praças” dos shoppings, além de privadas, são extremamente controladas e policiadas, configurando espaços pacificados, ou seja, espaços assépticos onde os conflitos são devidamente eliminados. Richard Sennett, a partir dos estudos de Michel Foucault, nos mostrou como esses espaços pacificados estão diretamente relacionados com a pacificação de nossos corpos. Para Sennett o espaço pacificado já faz parte de nossos corpos (11). O importante aqui é perceber uma inversão de valores, de como esta pacificação de conflitos dos espaços privados securitários também passou a ser vista como um objetivo na construção das imagens dos novos espaços públicos, pensados como spots publicitários para turistas ou especuladores imobiliários. As imagens dos espaços públicos das cidades, quer seja Barcelona ou Salvador, veiculadas em seus sites oficiais, por exemplo (12), são também elas imagens de espaços pacificados e domesticados. Vários projetos recentes de novos espaços públicos ou de “revitalização”, a maioria com financiamento público, se pautam nesse tipo de imagem urbana.
Tais imagens consensuais de espaços aparentemente destituídos de seus conflitos inerentes, dos desacordos e dos desentendimentos, são imagens de espaços apolíticos. Se pensarmos como Jacques Rancière, no desentendimento como categoria fundamental do político, nos conflitos e dissensos que caracterizam a própria vida pública, estes espaços públicos transformados em simples imagens espetaculares são a própria negação do político – caráter que está ou deveria estar, na base de qualquer formulação de esfera pública. Rancière é bem claro: “O que o consenso pressupõe portanto é (...), em suma, o desaparecimento da política” (13). Ou, ainda, “O consenso é bem mais que do que aquilo a que o assimilamos habitualmente, a saber, um acordo global dos partidos do governo e de oposição sobre os grandes interesses comuns ou um estilo de governo que privilegia a discussão e a negociação. É um modo de simbolização da comunidade que visa excluir aquilo que é o próprio cerne da política: o dissenso, o qual não é simplesmente o conflito de interesses ou de valores entre grupos, mas, mais profundamente, a possibilidade de opor um mundo comum a um outro” (14).
Rosalyn Deutsche, no texto intitulado “Agoraphobia”, também se coloca claramente contra “as imagens nostálgicas do espaço público que externalizam ou deslegitimam os conflitos” (15) e mostra que não podemos ser nostálgicos e tentar recuperar aquilo que nunca tivemos. Ela mostra que o espaço social é produzido e estruturado por conflitos e que só a partir deste reconhecimento é que uma política espacial democrática poderá surgir. Chantal Mouffe ainda é mais radical ao defender a idéia de um modelo agonista, onde o espaço público é sempre, ao contrário dessas imagens de espaços públicos dos spots publicitários, um eterno campo de batalha onde se enfrentam diferentes interesses, sem possibilidade alguma de conciliação final. Na perspectiva de Mouffe não há possibilidade de emergência de qualquer tipo de consenso no espaço público. A importância do seu modelo agonista está precisamente “em impugnar a difundida concepção, em que se baseiam as teorias sobre o espaço público, concebido como o âmbito onde pode surgir o consenso” (16). Para ela, os espaços públicos são sempre plurais e a confrontação agonista se produz em uma multiplicidade de superfícies discursivas. Mas também não se trata, como poderíamos ser levados a pensar, do espaço liso, o espaço nômade onde se desenvolvem as máquinas de guerra, teorizado por Deleuze e Guattari (17) pois, para ela, o espaço público é sempre estriado e hegemonicamente estruturado. Mouffe deixa claro também que sua proposta difere da idéia de esfera pública (ou do espaço público político) de Habermas que, segundo ela, também buscava um tipo de consenso racional em uma situação discursiva ideal. Ela salienta que sua idéia de espaço público agonístico também difere da conceituação de Hannah Arendt (18), uma vez que, para Mouffe, a compreensão agonística de Arendt seria de “um agonismo sem antagonismo”.
Um dos maiores antagonistas do "modelo Barcelona", o antropólogo catalão Manuel Delgado, que publicou o livro "A cidade mentirosa, fraude e miséria do modelo Barcelona", no último capítulo intitulado: "o mito do espaço público", nos mostra em detalhes como o espaço público de Barcelona é concebido como peça de marketing e, sobretudo, como a conversão da cidade em produto publicitário faz com que tudo aquilo que fuja da imagem que se pretende mostrar de um espaço público expurgado de qualquer tipo de conflito, seja ocultado ou eliminado. Ele explica como esse espaço modelo não prevê a irrupção de conflitos e o espaço público passa a ser concebido como: "lugar onde se materializam diversas categorias abstratas como cidadania, convivência, civismo, consenso entre outras ‘supertições’ políticas contemporâneas (…) Barcelona é um exemplo deste sonho maior de espaço público convenientemente desinfetado de conflitos" (19). Delgado costuma dizer que Barcelona se transformou em uma cidade top-model (20) e nos mostra que por trás da imagem consensual de civilidade e civismo, do espaço público pacificado, uma "outra cidade", desigual e agonística, está escondida.
Esta "outra cidade" escondida, ocultada, apagada ou tornada opaca (para lembrar da idéia de Milton Santos dos espaços opacos e luminosos, que podem ser relacionados aos espaços lisos e estriados de Deleuze/Guattari) – por todas essas estratégias de marketing que criam imagens urbanas pacificadas e consensuais – existe e resiste por trás de todos os cartões postais das cidades espetaculares contemporâneas e esta poderia ser vista de fato como uma forma de resistência ao processo de espetacularização. As imagens simulacros consensuais não conseguem apagar essa "outra cidade" latente e pulsante dos espaços opacos lisos dissensuais. Estes espaços não correspondem às imagens criadas e vendidas pelo marketing urbano mas são sempre de uma intensa vivacidade. Talvez seja o caso de pensarmos a idéia de resistência exatamente em termos de desacordo, dissenso e desentendimento, como a noção de política proposta por Rancière. É evidente que não se trata de uma proposta de instauração de um ambiente urbano belicoso, mas sim de uma oposição à pacificação consensual e segregadora das cidades. Enquanto a construção de consensos, que busca esconder os conflitos, é uma forma de despolitização, o desentendimento, a explicitação de dissensos, seria uma forma ativa de resistência, de ação política.
Se boa parte do poder simbólico já foi capturado pelo capital financeiro privado nesta atual fábrica de imagens consensuais, podemos pensar em micropoderes sensíveis como possibilidade de ação política crítica, como micro-máquinas de guerra. Uma guerrilha do sensível, ou seja, uma resistência não pensada como uma simples oposição binária, mas sim como uma coexistência não pacificada de diferenças, sobretudo de diferenças no mundo sensível, de divisões ou "partilhas do sensível", como diz Rancière, que mostra como é precisamente uma configuração consensual que solicita, de diferentes maneiras, a intervenção da arte (21). É evidente que não se trata aqui da escultura tradicional na praça pública (presente nos cartões postais das cidades), da arte pública cenográfica, usada para ornar ou embelezar ou ainda para tentar "criar novos laços", com pseudos fins sociais ou identitários, em espaços públicos problemáticos (o que Henri-Pierre Jeudy chama de "arte esparadrapo»), que também está à serviço do espetáculo e que promove essas imagens de espaços pacificados. Ao contrário, se trata da arte que poderia ser vista como uma forma de ação dissensual que possibilita a explicitação dos conflitos escondidos, do campo de forças que está por trás da cidade-imagem espetacular, ou ainda, a arte enquanto micro-resistência, experiência sensível questionadora de consensos estabelecidos e, sobretudo, potência explicitadora de tensões do e no espaço público, em particular diante da atual despolitização e estetização consensual dos espaços urbanos.
Pode ser de fato interessante pensar a arte como uma possível fonte explicitadora, mantenedora ou até mesmo criadora de tensões no espaço público. Chantal Mouffe faz uma proposta semelhante, no que ela chama de Arte Crítica: "De acordo com a abordagem agonística, arte crítica é a arte que fomenta dissensos, que torna visível o que o consenso dominante tenta obscurecer e esquecer. Esta é constituída por uma série de práticas artísticas que buscam dar voz àqueles que foram silenciados pela estrutura da hegemonia existente" (22). Essa idéia de dar voz aos silenciados precisa ser relativizada para se evitar a falácia que Jeudy chama de "usos sociais da arte" (23), muito em voga hoje e que também leva a criação de consensos, sobretudo identitários. O importante aqui não seria tanto dar voz aos silenciados mas, sobretudo, mostrar, explicitar, o campo de tensão entre os que têm e os que não têm - ou que de tão apaziguados nem desejam mais ter - voz ativa. Talvez seja preciso abrir um parêntese para voltar à Adorno, quando ele enuncia a frase clássica de sua teoria estética": "a função da arte é não ter função" (24) pois, talvez seja exatamente esta liberdade da arte de não ter função outra que a função estética, da "partilha do sensível" ou da própria experiência estética sensível, que venha possibilitar uma outra forma de ação – e também de pensamento através da arte – no e sobre o espaço público.
O mais interessante em Chantal Mouffe é esta idéia da arte como fomentadora de dissensos, ou melhor, construtora de formas de dissenso. Nesse ponto, ela dialoga com Rancière quando ele diz que o dissenso é, no seu sentido estrito, uma diferença na partilha do sensível, ou seja, o dissenso seria, antes de tudo, estético, um conflito entre diferentes regimes sensíveis, ou como ele diz": "agenciamentos de relações entre regimes heterogêneos do sensível" (25). Para Rancière, arte e política têm em comum o fato de produzirem ficções ou novas relações, tensões ou dissensos, ou seja, outras formas de reconfiguração da nossa experiência sensível, e ele tenta mostrar o caráter estético da política ao embaralhar as fronteiras existentes entre política e estética (26). Rosalyn Deutsche (27), que também trabalhou muito com a questão da arte no espaço público, prefere evitar o termo "arte política", precisamente porque usar este termo seria afirmar que outras formas de arte não seriam também intrinsecamente políticas. Chantal Mouffe busca diferenciar "o político" da política para explicar que algumas práticas artísticas podem ser o "lócus do político". Mouffe, como Rancière, também acredita que há uma dimensão estética no político e uma dimensão política na arte, e aposta no caráter político do que ela chama de ativismo artístico que, segundo ela, deve ser visto como "intervenções contra-hegemônicas".
As ações artísticas críticas na cidade – que podem ser vistas tanto como "intervenções contra-hegemônicas", na denominação de Mouffe, quanto como "micro-resistências urbanas", na denominação que preferimos usar – têm o objetivo de ocupar, se apropriar do espaço público para construir outras experiências sensíveis e, assim, perturbar essa imagem traquilizadora e pacificada do espaço público que o espetáculo do consenso tenta forjar. Nestas ações que buscam um escape da hegemonia das imagens consensuais, a questão do corpo é prioritária, em particular, a experiência corporal urbana, as relações entre corpo – corpo ordinário, vivido, cotidiano, ou seja, o corpo enquanto possibilidade de micro-resistência à espetacularização e, portanto, oposto do corpo mercadoria, imagem ou simulacro, produto da própria espetacularização – e cidade (28). Explorar essas relações entre corpo e cidade, entre corpo humano e corpo urbano e entre corpo da arte e corpo político é determinante para a explicitação ou criação de tensões no espaço público. (29) O que está em jogo é a questão da experiência sensível, corporal e dissensual, que se opõe à imagem consensual, mas não busca se tornar hegemônica e, sim, manter uma tensão permanente no espaço público. O importante a ressaltar aqui é o potencial problematizador que este tipo de experiência sensível sobre o espaço público - e esta pode ser tanto uma intervenção artística realizada no próprio espaço público ou mesmo no espaço museal (que é um espaço também pacificado) - pode nos propor enquanto material empírico e, que, ainda muito raramente, é considerado em nossas análises, teorias ou práticas urbanas, urbanísticas ou de planejamento urbano.
Se de fato, como diz Marilena Chauí: "A democracia não é o regime do consenso, mas do trabalho dos e sobre os conflitos" (30). Podemos ir além e pensar que os conflitos urbanos não só precisam ser considerados como legítimos e necessários, mas que é exatamente da permanência da tensão entre eles que depende a construção de uma cidade mais democrática, que mistura permanentemente, embaralha e tensiona as fronteiras entre espaços opacos e luminosos (lisos e estriados, nômades e sedentários) mantendo viva a tensão entre eles no que podemos chamar de "zonas de tensão", ou seja, precisamos urgentemente aprender a trabalhar com os conflitos e a manter essas tensões no espaço público, aprender a melhor agenciar, atualizar e incorporar estes conflitos e tensões nas teorias e práticas urbanas, e a arte crítica - a experiência sensível enquanto micro-resistências sobre ou no espaço público - pode vir a ser, efetivamente, uma grande aliada. Talvez os artistas, que já trabalham com essas "zonas de tensão", possam efetivamente nos ajudar a inventar - recuperando as nossas três questões-pontos de partida deste texto - um urbanismo mais dissensual, incorporado e vivaz.
notas
1
O presente texto foi em parte apresentado oralmente na mesa redonda “Espaço Público e Imagens da Cidade" no XIII Encontro Nacional da ANPUR que ocorreu em Florianópolis (25 a 29/05/09). Gostaria de agradecer à organização do Encontro (Leila Cristina Dias) pelo convite, que me deu a oportunidade de repensar a questão e, também, aos demais membros da mesa (Paulo César da Costa Gomes, Maria Cristina da Silva Leme e Virgínia Pontual) e aos interlocutores da platéia (Ana Clara Torres Ribeiro, Brasilmar Ferreira Nunes, Pasqualino Romano Magnavita, Sarah Feldman, Sérgio Luís Abrahão, Tamara Cohen Egler, entre outros que não sei os nomes) que permitiram um frutífero debate de idéias. Gostaria de agradecer também aos que me ajudaram na preparação dessas notas, com debates prévios em Salvador: Fabiana Dultra Britto, Regina Helena Alves da Silva, Aruane Garzedin e Ana Fernandes.
2
Ver nosso artigo Espetacularização Urbana Contemporânea no número especial “Territórios Urbanos e Políticas Culturais” dos Cadernos do PPG-AU//FAUFBA (Salvador, 2004), disponível em <www.portalseer.ufba.br/index.php/ppgau/article/view/1684>
3
Espetáculo no sentido dado por Guy Debord, que diz: “o espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem” in A sociedade do espetáculo, Contraponto, Rio de Janeiro, 1997. Ver também IS, Paola Berenstein Jacques (org.), Apologia da deriva, escritos situacionistas sobre a cidade, Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2003.
4
Ver Otília Arantes, Carlos Vainer e Ermínia Maricato, A cidade do pensamento único, Petrópolis, Vozes, 2000 e Ana Fernandes, Consenso sobre a cidade?, in Maria Stella Bresciani (org), Palavras da cidade, Porto Alegre, EdUFRGS, 2001.
5
Essas questões voltam à ordem do dia no Brasil com os preparativos das cidades-sede da Copa de 2014.
6
Marilena Chauí, Público, privado, despotismo, in Adauto Novaes (org), Ética, São Paulo, Companhia das Letras, 2007, p. 550.
7
Jürguen Habermas, L’espace public, archéologie de la publicité comme dimension constitutive de la société bourgeoise, Paris, Payot, 1992 (versão em português: Mudança estrutural da esfera pública, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984, título original: Strukturwandel der Öffentlichkeit).
8
Jacques Rancière, Le partage du sensible, esthétique et politique, Paris, La Fabrique, 2000.
9
Um exemplo é um abrigo de ônibus que foi instalado em Salvador, que é idêntico ao de Paris, todo de vidro com um pequeno teto que funciona bem no clima de Paris mas que, em Salvador, não protege nem do sol nem da chuva com vento mas, claro, - e é isso que está em jogo - oferece como um enorme painel lateral para venda de publicidade no espaço público. Um prática corrente é a oferta pelas empresas às prefeituras do novo e “moderno” mobiliário urbano em troca da liberação da exploração da publicidade pelas empresas, sobretudo multinacionais, que exportam “modelos” já em uso em outros países/cidades.
10
Ver Henri-Pierre Jeudy, Espelho das cidades, Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2003 e Henri Pierre Jeudy e Paola Berenstein Jacques (org), Corpos e cenários urbanos, Salvador, EDUFBA, 2006.
11
Ver Richard Sennett, Espaces Pacifiants, in Isaac Joseph (org), Prendre Place, espace public et culture dramatique, Paris, Recherches, 1995 e, também, do mesmo autor, O corpo passivo (introdução) in Carne e Pedra, o corpo e a cidade na civilização ocidental, Rio de Janeiro, Record, 1997.
12
Estes cartões postais virtuais oferecidos pelos sites oficiais das cidades fazem parte do que é chamado de “boas práticas” no “pacote” vendido pelo CIDEU – uma rede criada por consultores catalães para exportar o “modelo” Barcelona de “fazer cidade” (leia-se fazer imagens de marca de cidades) para cidades latino-americanas. Já são mais de 75 cidades latino-americanas que participam desta rede, sendo 9 brasileiras. Ver <www.cideu.org/site/>
13
Jacques Rancière, O desentendimento, política e filosofia, São Paulo, editora 34, 1996, p. 105.
14
Jacques Rancière, Política da Arte, palestra realizada no evento São Paulo S.A. práticas estéticas, sociais e políticas em debate – Situação #3 Estética e Política (17/19 de abril 2005 no Sesc Belenzinho).
15
Rosalyn Deutsche, Evictions, art and spatial politics, Cambridge Mass, MIT Press, 1998.
16
Chantal Mouffe, Práticas artísticas y democracia agonística, Barcelona, MACBA/UAB, 2007.
17
Importante lembrar que, para Gilles Deleuze e Félix Guattari, os dois espaços – liso/nômade e estriado/sedentário – só existem de fato graças às misturas entre si : “o espaço liso não pára de ser traduzido, transvertido num espaço estriado; o espaço estriado é constantemente revertido, devolvido a um espaço liso”. Gilles Deleuze e Félix Guattari, Mil Platôs, capitalismo e esquizofrenia, São Paulo, editora 34, 1997, volume 5,, p. 180.
18
Ver Hannah Arendt, A condição humana, Lisboa, Relógio d’água, 2001.
19
Manuel Delgado, La ciudad mentirosa, fraude y miseria del “modelo Barcelona”, Madrid, Catarata, 2007, do mesmo autor ver também El animal público, hacia una antropología de los espacios urbanos, Barcelona, Anagrama, 1999. Ainda sobre o caso Barcelona ver: Nadja Monnet, La formación del espacio público, una mirada etnológica sobre el casc antic de Barcelona, Madrid, Catarata, 2002.
20
Poderia ser interessante relacionar a questão do empobrecimento da experiência corporal das cidades Top Model com a problemática ds anorexia entre modelos, sobre a questão do corpo-produto ver Ana Clara Torres Ribeiro, Corpo e imagem, alguns enredamentos urbanos no número especial “Resistências em espaços opacos” do Cadernos do PPG-AU/FAUFBA (Salvador, 2007), disponível em <www.corpocidade.dan.ufba.br/arquivos/Ana_Clara.pdf>
Ver também, Xico Costa, Cidade, souvenires e Gisele Bündchen, in Arquiteturismo 14, disponível em <www.vitruvius.com.br/arquiteturismo/arqtur_14/arqtur14_02.asp>
21
Ver Jacques Rancière, Sobre políticas estéticas, Barcelona, MACBA/UAB, 2005
22
Chantal Mouffe, Artistic Activism and Agonistic Spaces in “Art&Research, a journal of ideas, contexts and methods”, volume 1, no 2 (Londres, 2007).
23
Ver Henri-Pierre Jeudy, Les usages sociaux de l’art, Paris, Circé, 1999.
24
Ver Theodor Adorno, Théorie Esthétique, Paris, Klincksieck, 1989.
25
Jacques Rancière, Sobre políticas estéticas, Barcelona, op.cit, p.55.
26
O que difere da idéia da ‘estetização da política’ que Benjamin opôs à ‘politização da arte’. Ver em A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica (primeira versão), in Walter Benjamin, Obras Escolhidas, Magia e Técnica, Arte e Política, São Paulo, Brasiliense, 1985, p.196.
27
Ver interessante debate entre Rosalyn Deutsche e Chantal Mouffe (com a participação de Branden Joseph e Thomas Keenan) La dimensión política de las formas artísticas, in Prácticas artísticas y democracia agonística, op.cit.
28
Ver nosso texto Corpografias Urbanas, in “Arquitextos” 093, disponível em <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq093/arq093_02.asp>
29
Bons exemplos dessas práticas artísticas vistas como micro-resistências urbanas foram as diversas intervenções urbanas realizadas por artistas nos espaços públicos de Salvador na ocasião do encontro CORPOCIDADE (outubro/2008). O que importa salientar aqui é que todas as propostas de intervenções urbanas enviadas pelos artistas e selecionadas (pelo comitê artístico do encontro), direta ou indiretamente, exploravam, explicitavam ou criavam essas tensões no/do espaço público contemporâneo e isso no próprio espaço público, no caso, o soteropolitano. Um pouco dos debates, tensões, conflitos e dissensos deste encontro, pode ser visto em <www.corpocidade.dan.ufba.br>. Uma ação-desdobramento desse encontro, que faz parte da plataforma de ações CORPOCIDADE, é a intervenção urbanDÆ que busca questionar a pacificação e a mercantilização dos espaços públicos e será realizada em Weimar em julho de 2009 por estudantes da UFBA e da BUW, durante os eventos comemorativos dos 90 anos da BAUHAUS, ver <http://urbandae.wordpress.com/>
30
Marilena Chauí, O que é política?, in Adauto Novaes (org), O esquecimento da política, Rio de Janeiro, Agir, 2007, p. 51.
Para maiores informações ver também:<www.corpocidade.dan.ufba.br/resultado2.htm> ou <www.zonadeinterferencia.com/intervencoes_urbanas.html>
sobre o autor
Paola Berenstein Jacques é professora da FAUFBA, vice-coordenadora do PPG-AU/FAUFBA, coordenadora do grupo de pesquisa UC/Laboratório Urbano (www.laboratoriourbano.ufba.br), pesquisadora PQ CNPq. Publicou, entre outros, os livros: Estética da Ginga (Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2001); Apologia da Deriva (Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2003) e Corpos e cenários urbanos (Salvador, Edufba, 2006).