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my city ISSN 1982-9922

abstracts

português
As políticas públicas para qualificar a paisagem urbana, em especial aquela que releva a cidadania via participação popular, ainda está engatinhando no Brasil.

how to quote

HONORATO, Rossana. O projeto urbanístico e a identidade da paisagem cultural. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 183.03, Vitruvius, out. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.183/5760>.


Foto aérea do centro de João Pessoa
Foto Marco Vidal [Cedida/IBAMA]


Opiniões e análises científicas têm frequentemente comungado uma visão crítica sobre a qualidade da paisagem urbana brasileira: a falta de correspondência das políticas públicas às expectativas da população por boas práticas em intervenções na cidade, sobretudo aquelas que promovem alterações na configuração de espaços abertos de permanência e de circulação e livre acesso.

Ainda que esta temática não envolva amplamente o espectro das políticas públicas de necessidade básica, nela reside o fundamento das críticas às cidades contemporâneas, à essência dos problemas que desafiam a viabilidade urbana, e principalmente àquele que alicerça a multiplicação da desigualdade social e contraria o direito à cidade e à plena cidadania.

As intervenções urbanas de interesse público decorrem, ou deveriam, de ações governamentais de um mandato municipal delegado por maioria do voto direto da população após um debate sobre propostas concorrentes ao longo de um processo eleitoral, com vistas, com vistas, à promoção do desenvolvimento socioeconômico e cultural local.

O votado melhor programa administrativo tem especial rebatimento no território urbano e suas proposições deveriam continuamente ser submetidas ao debate público se o governo municipal garantisse a constitucionalidade da participação popular desde a destinação das rubricas orçamentárias do Plano Plurianual, cuja aprovação o Executivo divide com o Legislativo em prol das metas de interesse público.

Ocorre que a debilidade – ou seria o êxito? – flagrante de parte significativa das intervenções urbanísticas advém da falência do planejamento municipal e de orçamentos públicos, cujos agentes de poder decisório chegam inclusive a nominá-los de “peças de ficção”. Nisto, a sociedade tem podido confortar-se com a lealdade relativa a atividades da gestão pública.

Por princípio legal, o PPA se alicerça nas determinações da Lei Orgânica Municipal, a sua Constituição, e nos instrumentos reguladores que guiam as intervenções municipais, tais como as leis complementares que constituem um plano diretor de desenvolvimento municipal, códigos urbanísticos de ocupação e uso do solo e de transporte e trânsito, aliando à rotina administrativa o aprendizado (dada a falta estrutural de experiência democrática no país) em implantações vivenciadas de gestões participativas.

É impossível que não se reconheça que processos decisórios participativos, que suplantam as instâncias representativas, não têm os mesmos ritos e o mesmo cronograma físico de governos ortodoxos. A participação popular no processo de gestão implica um redimensionamento essencial do tempo na administração pública que prescreve uma outra gestão de prazos. Uma perspectiva certamente na contramão da celeridade do pragmatismo do mercado; contudo altamente impactante para o benefício das administrações municipais, cujo objetivo programático, não fossem somente governos signatários de estratégias partidárias, se asseguraria por uma política municipal democrática, planejada continuamente e legitimamente vigiada socialmente. Entretanto a descontinuidade cultural de políticas públicas nos mandatos governamentais no Brasil inviabiliza visões administrativas holísticas, sustentáveis a médio e a longo prazos, inovadora quanto aos prazos da ‘praticação’ democrática que uma gestão participativa por seus estágios requisita e com dividendos lícitos para a municipalidade, seus gestores e servidores, incluindo remunerações altamente satisfatórias.

À parte essa tentativa de contextualização que se pretendia um preâmbulo, o que se tem visto nas iniciativas e decisões urbanísticas governamentais é o imediatismo programático, sobretudo em operações urbanas de grande porte e de altíssimos investimentos financeiros, que repercute em impactos de vizinhança daninhos para o cotidiano citadino e que podem macular drasticamente marcos, símbolos, identidades culturais, ambientais e/ou urbanísticas, de reconhecimento popular e de pertença social.

Profissões e mais profissões têm conseguido assegurar socialmente as fronteiras de suas habilitações com aparente tranquilidade para seus prestadores de serviços e clientes; é uma breve impressão. No urbanismo, entrementes, essa asseguração é permeada de uma complexidade intrínseca à diversidade dos consumidores potenciais. O usufruto de seus benefícios é indireto mediante a condição simultânea, e essencial, de habitantes que os constitui inexoravelmente usuários das áreas urbanizadas e de equipamentos instalados nos espaços públicos abertos da cidade.

O reconhecimento dessa complexidade estrutural intrínseca a uma boa prática na formulação de propostas de intervenção urbana somente pode ser considerada responsiva em se adotando metodologias de participação para a garantia do direito constitucional à cidade. Em não sendo assim, e sem nem mesmo a aplicação de recursos de sondagem da expectativa social, projetos urbanísticos se fazem duramente insensíveis e certamente ferinos sobre a identidade da paisagem urbana, enaltecida como lugar de referência para parcelas consideráveis de habitantes.

E assim como têm sido desprezadas as tentativas de implantação de recursos e instrumentos de gestão municipal participativa, também têm sido preterida a realização de concursos de projetos urbanísticos como um instrumento intrínseco à lei de licitações públicas; uma prática administrativa que se tem expandido internacionalmente em defesa da qualidade das intervenções na paisagem urbana e do bom investimento financeiro. E, com esse cenário de corrosão da noção de coisa pública, procedimentos que também subutilizam quadros humanos próprios, técnicos municipais especializados e aptos à tarefa do desenho urbano.

A academia em sua tarefa de formar futuros profissionais de arquitetura e de urbanismo tem procurado ser então um lugar de exercício da profissão do urbanista. A adoção de problemáticas urbanas localizadas em sítios concretos visa simular realidades obedientes a regras e a ritos institucionais e segue conformando aplicações metodológicas para a concepção de projetos urbanísticos participativos, através do envolvimento de segmentos sociais diretamente envolvidos desde o início da ideia de intervenção até a reflexão sobre as proposições espaciais em que resultam. O que tem por objetivo uma experiência disciplinar oportuniza também aos urbanistas professores a condução de um repertório de objetos de projetação mediado por simulações representativas de relações instituídas no mercado de trabalho.

Os temas que constituem os objetos de trabalho correspondem naturalmente às ementas disciplinares e a uma graduação progressiva da complexidade da intervenção. Em detrimento deste encadeamento sucessivo, a opção didática por metodologias participativas na elaboração dos projetos pode ser capaz de influenciar mudanças de mentalidades nas próximas gerações de profissionais, senão na multiplicação de visões de mundo estruturantes de uma cultura democratizante porvir sobre o rebatimento territorial do direito à cidade. Uma perspectiva fragilizada no presente mediante a carência do predomínio de visões urbanas socialistas.

Com relação a grandes operações urbanas de reordenamento territorial, de impacto sobre o meio ambiente, sobre a paisagem e sobre o orçamento público, se tem propugnado pela aplicação experimental de instrumentos de sondagem popular, constituindo meras amostragens potenciais, da elaboração à tabulação e à interpretação dos dados, que fornecem os parâmetros para as decisões arquitetônicas. Essas simulações se somam aos procedimentos relatados com a tentativa de contribuir para a formação de perfis profissionais reflexivos sobre a função social da arquitetura da cidade e sensíveis à complexidade do quadro de carências da vida urbana, e à grandeza real da expectativa social por serviços profissionais de arquitetos e urbanistas.

Com a clareza dos limites de propostas acadêmicas pretensamente socializantes da arquitetura da cidade, a intenção tem sido provocar futuros profissionais à inquietude de pensar a realidade de entorno do campus universitário e dessa provocação esperar fluir visões de mundo que revisem estigmas relacionados ao sentido da arquitetura da cidade e do edifício, algumas vezes replicados inconscientemente na própria prática profissional.

Com a escassez de oportunidades de exercício do urbanismo e a fragilidade do empenho da categoria profissional na conquista da ordem de concursos públicos para as obras municipais, tal como se assevera há tanto tempo para construção civil, a eleição de temas urbanos pungentes alimenta a engrenagem criativa de alunos e de professores do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPB visando a aptidão profissional consciente, e conscientizadora, da função social da arquitetura o um desencadeamento de repercussões responsivas à essência da intervenção democrática sobre a fisionomia da cidade que reafirme identidades paisagísticas e realce significados e significações para a memória coletiva.

sobre a autora

Rossana Honorato é arquiteta e urbanista, mestre em Sociologia Urbana pela UFPB, doutoranda do Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional da UFRJ e professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPB.

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