In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.
português
Segundo Ana Rosa Chagas Cavalcanti, a proposta da Escola de Arquitetura da Favela (School of Favela Architecture), criada em 2014, é introduzir o morador de modo ativo nas discussões acadêmicas e nas práticas de construção da cidade.
CHAGAS CAVALCANTI, Ana Rosa. Escola de Arquitetura da Favela. Ensinando e aprendendo a desenhar cidades. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 183.04, Vitruvius, out. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.183/5764>.
Você já parou para pensar em como as políticas públicas e a ciência tradicional estreitam a nossa compreensão da cidade? E em quantas infinitas possibilidades o cotidiano do morador pode contribuir para esta discussão? Queremos o morador nas discussões e práticas da cidade, já! A proposta da Escola de Arquitetura da Favela (School of Favela Architecture) é introduzir o morador de modo ativo nas discussões acadêmicas e nas práticas de construção da cidade.
Acreditamos que devemos pensar a arquitetura a partir dos saberes dos moradores. Entendemos também que a arquitetura e o planejamento urbano precisam se voltar para a realidade, para o dia-a-dia. E que escutar as pessoas é um aspecto crucial para a construção das cidades, principalmente no contexto da moradia informal, já que, atualmente, 1/3 dos moradores das cidades vive em assentamentos informais.
Criamos este lugar em 2014, onde os habitantes são os responsáveis em ensinar arquitetura e suas correspondentes visões para os arquitetos. Começamos com as crianças como proponentes de soluções para o espaço da favela porque, parafraseando Aldo van Eyck, “se a sociedade de hoje não está disposta a construir cidades para as crianças, porque razão é que desenvolvemos uma sociedade?”. Aqui concebemos um espaço para discutirmos ambos os espaços públicos e a moradia dos assentamentos informais através das falas dos seus habitantes. O principal objetivo de estabelecer esta ideia pioneira é conceber uma forma coerente de pensar arquitetura das favelas e uma nova postura diante da arquitetura informal. A intensão é tanto a de transmitir conhecimento cientifico presente na arquitetura para as comunidades e para o público interessado mas, principalmente a de aprender no sentido inverso, onde o habitante é quem nos ensina sobre seus conhecimentos. Entendemos que a arquitetura e o planejamento urbano tradicional precisam se voltar para a realidade, para o dia-dia.
A nossa escola está localizada na Favela Grota de Santo Antônio, em Maceió. Desde o início das primeiras atividades, em maio de 2014, investigamos o cotidiano das favelas. Esta pesquisa complementa a produção de intervenções urbanas desejadas pelos habitantes, o que visa revolver a dialética entre a teoria, a pesquisa e a ação em termos da arquitetura e do urbanismo.
Quatorze crianças e adolescentes compuseram a primeira turma da Escola de Arquitetura da Favela. Eles se juntaram a escola devido a sua curiosidade obre a sustentabilidade, a arquitetura, a criação e, claro, porque eles gostariam de participar ativamente da construção do seu bairro. Eles têm produzido muitas intervenções urbanas nos espaços da favela onde moram, desde o primeiro rascunho.
Procedendo assim, pretendemos examinar algumas narrativas dominantes tradicionais sobre o planejamento arquitetônico, principalmente aqueles que abordam o chamado “desenvolvimento da favela”; e onde, muitas vezes, os planejadores impõem sua vontade aos habitantes da moradia informal.
Além disto, queremos discutir a compreensão do planejamento tradicional em que o desenho da moradia (um direito fundamental) é acessado como um produto e elaborado através de um programa. Gostaríamos que este diálogo fosse o mais aberto possível, para formularmos assim, uma crítica mais endereçada ao real cotidiano da favela. Uma investigação que fique distante de caricaturas, preconceitos ou de clichês.
Estamos aprendendo bastante com esta experiência, principalmente quando vivenciamos os pormenores da arquitetura da favela, que se baseia na vida cotidiana, nas narrativas diárias das pessoas. Ela é processual, viva, performática, e os seus atributos espaciais são definidos pelas necessidades das pessoas e não por programas espaciais como dita o planejamento tradicional.
Aqui, novamente, repetimos que as pessoas devem ser contempladas novamente no discurso do conhecimento arquitetônico. Suas narrativas devem ser entendidas a partir de suas lógicas internas, aquelas que estão profundamente ligadas as experiências e aos gestos dos moradores.
Estes meninos da escola nos desafiam a pensar a arquitetura da vida. Por exemplo, o conceito que os espaços públicos das favelas são mais deficientes que inexistentes (é sabido que as favelas são compostas por apenas 2% de espaços públicos). Será que é isto mesmo? Aprendemos que o espaço público das favelas não é apenas o espaço físico entre as casas, mas são as inúmeras apropriações espontâneas e as atividades que acontecem dentro destas limitações – às vezes, dentro das casas dos moradores, ou fora de suas casas, dentre becos etc.
Ou, o fato da moradia ser relacionada com a família e suas gerações. Aqui na favela, o padrão de entes familiares que moram próximos uns aos outros é bastante comum. Descobrimos que muitas crianças definem a moradia como sendo os vários espaços onde ela se reúne com a sua família. Como as casas destes familiares estão perto umas das outras, as muitas crianças conseguem “morar” nas “várias casas” de seus parentes durante o curso de um dia. O que isto implica para planejamento urbano e de moradia social, por exemplo? Se sabemos que os laços familiares são um recurso estimado para o habitante, como integrar este discurso com a linguagem do desenho da moradia?
Outras descobertas foram feitas, mas seria impossível descrever todas elas nesse texto. Queremos concluir afirmando que a construção do cotidiano deve ser vibrante e inclusiva. Todos devemos participar ativamente da produção da cidade, mas também nas discussões acadêmicas sobre as cidades. Afinal, a cidade somos todos nós.
sobre a autora
Ana Rosa Chagas Cavalcanti arquiteta e urbanista (2009, Ufal). Seu trabalho de graduação culminou com uma indicação ao Opera Prima de 2009. Em São Paulo, trabalhou no Bijari (2010) e na Triptyque Arquitetura (2011). Em 2012, concluiu mestrado na Universidade LaSapienza e Paris-Val-de-Seine e em 2013 trabalhou como pesquisadora de desenho urbano a convite da Universidade de Hamburgo (Alemanha). Atualmente ela estuda seu Ph.D. sobre a linguagem da moradia informal das favelas na TUDelft (Holanda) com Bolsa de Doutorado pleno do Ciências sem Fronteiras (Capes).