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my city ISSN 1982-9922

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O Museu do Amanhã é uma embalagem descartável e inadequada para um conteúdo que deveria ter sido colocado em um dos belos edifícios abandonados existentes nas imediações da Praça Mauá, ou na Estação Leopoldina.

how to quote

RHEINGANTZ, Paulo Afonso. Museu do Amanhã. Ou o esqueleto-cyborg de um crocodilo gigante com duas bocas? Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 185.05, Vitruvius, dez. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.185/5867>.



Movido apenas por uma certa curiosidade, alertado pelo Marcelo Sbarra, aproveitei o dia nublado desta última segunda-feira de 2015 para visitar o dito Museu do Amanhã sem colocar em risco a integridade de minha pele e o risco de cozinhar os miolos; ou ainda de, à saída, vir a ser confundido com um velho camarão de óculos.

Ao visitar pela primeira vez a Praça Mauá sem o elevado da Perimetral, o impacto da paisagem foi muito maior do que o produzido pelo esqueleto-gigante de estética prá lá de questionável. Que vista esplendorosa!!!

Depois do primeiro impacto me associei ao formidável formigueiro humano de curiosos por conhecer as entranhas do grande esqueleto albino plantado no Pier Mauá pela dupla midiática Paes-Calatrava.

Museu do Amanhã, lobby, Rio de Janeiro. Arquiteto Santiago Calatrava
Foto Paulo Afonso Rheingantz

Na medida em que me dirigia à entrada me veio à a letra da música Mestre Jonas, de Sá, Rodrix e Guarabira. Me imaginei entrando numa grande baleia... Não, na verdade, me senti sendo engolido pela gigantesca boca de um esqueleto-cyborg de crocodilo albino, provável irmão maior daquele que vive no Museu de História Natural de San Francisco. Sim, lá existe um imenso crocodilo completamente branco.

Valendo-me das benesses da terceira idade, num piscar de olhos estava no lobby. Um amplo ambiente totalmente branco cuja profusão de formas, curvas e gigantesca bandeira em arco invertido produziu uma overdose que me fez sentir saudades da elegância despojada da nave do pilotis do MAM. Trata-se de mais um exemplo de abandono da sabedoria com que os edifícios modernos do MAM, da Estação de Hidroaviões e do Aeroporto Santos Dumont souberam dialogar e valorizar a beleza da paisagem natural desta cidade que já foi merecidamente Maravilhosa. A vaidade do autor tenta inutilmente competir com a paisagem natural.

Museu do Amanhã, vidraça no lobby, Rio de Janeiro. Arquiteto Santiago Calatrava
Foto Paulo Afonso Rheingantz

A primeira impressão que tive ao entrar no museu foi a de uma embalagem descartável e inadequada para um conteúdo que deveria ter sido colocado em um dos belos edifícios abandonados existentes nas imediações ou, melhor ainda, na Estação Leopoldina valorizando um edifício cuja elegância e história seguem injustificadamente esquecidos. A proposta do museu é, inegavelmente, atraente, diferentemente de sua dispendiosa embalagem e localização inadequada. O Pier deveria ser transformado "no" principal lugar urbano público para usufruir a beleza da paisagem da Baia de Guanabara. Um lugar com muita sombra, grama e vegetação.

Museu do Amanhã, formas curvas com arestas sem qualidade, Rio de Janeiro. Arquiteto Santiago Calatrava
Foto Paulo Afonso Rheingantz

Ao subir uma das duas escadas que dão acesso ao pavimento superior, cheguei a um girau estonteante que dá acesso a duas galerias laterais estranhas que se parecem com corredores de formigueiros brancos. Gratuidade no uso de curvas, ângulos, arestas sem qualidade. No centro, os módulos que abrigam o conteúdo do museu. Primeiro, o auditório, situado em uma imensa esfera preta que não consegui acessar devido à fila. Na sequência, módulos delimitando conteúdos muito interessantes. Ao final do percurso, uma grande janela descortina e delimita a deslumbrante paisagem da Ilha Fiscal e de Niteroi, além de um redundante e inexplicável espelho d'água que, a exemplo do que acontece no MAC, a evaporação do vapor de cloro deverá acelerar o processo de oxidação da estrutura metálica da segunda grande boca. Um arquiteto minimamente familiarizado com o clima local não teria cometido tamanho despropério.

Museu do Amanhã, rampa e escada lateral, Rio de Janeiro. Arquiteto Santiago Calatrava
Foto Paulo Afonso Rheingantz

A descida se dá por duas rampas laterais nas quais chama a atenção o efeito da maresia nos vidros, cuja aparência suja tende a piorar com o tempo. O mesmo acontece nas galerias laterais do piso superior. Ao descer, a saída do museu se dá por uma bela varanda lateral que dá acesso ao espelho d'água e aos fundos do museu cuja paisagem se descortina magnífica na medida em que nos afastamos do museu em direção ao bordo do Pier. O equívoco do espelho d'água fica ainda mais evidente ao segregar a circulação do público aos estreitos passeios que margeiam os limites do Pier.

Museu do Amanhã, estreitamento dos passeios pelo espelho d’água, Rio de Janeiro. Arquiteto Santiago Calatrava
Foto Paulo Afonso Rheingantz

Também chama a atenção a precocidade das manchas presentes na brancura pretendida para o edifício. Com o tempo, a poluição e as chuvas, o visual será previsivelmente diferente... Para pior, claro.

Ao sair, a vista do belo conjunto composto pelo Morro e Mosteiro de São Bento e os edifícios do Arsenal de Marinha fica irremediavelmente maculada por um conjunto de edifícios que configura um verdadeiro aglomerado de "verrugas urbanas".

Vista do conjunto urbano em torno da Praça Mauá, Rio de Janeiro
Foto Paulo Afonso Rheingantz

Enquanto saio, fico a imaginar o que pode vir a acontecer com as pessoas que formam as intermináveis filas, abandonadas em pisos desprovidos de qualquer proteção contra a clemência do sol que se abate sobre ele, irradiando ainda mais calor.

Uma vez expelido do grande esqueleto-cyborg, confirma-se a impressão inicial de desperdício de dinheiro público com mais um projeto que não contribui para qualificar esta paisagem que segue maravilhosa em que pese os grandes e dispendiosos esforços em contrário.

Praça Mauá, piso sem proteção para o sol inclemente, Rio de Janeiro
Foto Paulo Afonso Rheingantz

sobre o autor

Paulo Afonso Rheingantz é arquiteto (1976), doutor em engenharia de produção (UFRJ, 2000), pós-doutorado na California Polytechnic State University, San Luis Obispo (2008). Pesquisador 1D CNPq, Professor Associado aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro com atuação no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Professor Visitante do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas.

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