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my city ISSN 1982-9922

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No Recife, a implantação de ciclofaixas não atende às demandas técnicas, resultando em pistas estreitas, dificultando a ultrapassagem, enquanto os automóveis continuam com faixas muito largas, revelando o privilégio dado pelas autoridades de trânsito.

how to quote

GUEDES, Pedro. Ciclofaixinha e carrofaixão. A displicência do poder público com a bicicleta no Recife. Minha Cidade, São Paulo, ano 16, n. 192.04, Vitruvius, jul. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/16.192/6124>.


Bicicletas doadas, Projeto AmeReciclo – Bota pra Rodar, da Ameciclo, Recife
Foto divulgação [website Ameciclo]


O Plano Diretor Cicloviário de 2014

Em fevereiro de 2014 foi lançado, em cerimônia pomposa no Centro de Convenções de Pernambuco, o Plano Diretor Cicloviário da Região Metropolitana do Recife – PDC/RMR (1). O plano, elaborado ao longo de 1 ano, prevê a “instrumentalização dos municípios da RMR e do Estado de Pernambuco com ações políticas de mobilidade sustentável e detalha as iniciativas públicas de incentivo ao uso da bicicleta, com horizonte de ação até́ o ano de 2024 [...] com o objetivo de traçar diretrizes para a implantação de uma rede cicloviária que permitisse a conexão entre as áreas da RMR” (2).

Além do grande número de diagnósticos urbanísticos da RMR para definição das demandas e diretrizes para campanhas e ações educativas, o plano define metas concretas para a implantação, num prazo de 10 anos, de 590km de rede cicloviária de circulação (ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas) e infraestrutura de estacionamento (bicicletários e paraciclos, totalizando 19.550 vagas em bicicletários e 18.080 em paraciclos). A rede cicloviária de circulação foi classificada em dois grupos:

  • Rede Cicloviária Metropolitana (244,98km): rede cicloviária principal, responsável por promover a articulação intermunicipal. Refere-se, principalmente, aos corredores de transporte público e, por considerar-se a alternativa mais segura, propõe-se uma rede composta exclusivamente por ciclovias. A implantação dessa rede é de responsabilidade do Governo do Estado de Pernambuco.
  • Rede Cicloviária Complementar (346km): rede cicloviária que objetiva complementar a Rede Cicloviária Metropolitana, atendendo a deslocamentos municipais. Conecta, principalmente, os terminais de transporte coletivo à Rede Cicloviária Metropolitana. É composta por ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas. A implantação dessa rede é de responsabilidade das prefeituras.

O PDC prevê que a rede municipal de responsabilidade da Prefeitura do Recife totaliza 178,3km, divididos em 155,7km de ciclovias, 4,2km de ciclofaixas e 18,4km de ciclorrotas, distribuídos de acordo com o seguinte cronograma:

Cronograma de implantação da Rede Cicloviária Complementar do Recife [PDC/RMR, 2014]

A infraestrutura cicloviária do Recife

À época do lançamento do plano, o Recife contava com cerca de 23km de infraestrutura cicloviária de circulação, um número extremamente baixo, principalmente considerando a extensão da malha viária da cidade do Recife – 2.400km – e que a malha existente representava menos de 1% do comprimento total dedicado à circulação no espaço público. Toda essa malha havia sido construída nos últimos 10 anos, como demonstra o gráfico abaixo:

Evolução Cicloviária do Recife. Em vermelho, a infraestrutura fixa; em verde, a infraestrutura temporária [Ameciclo, 2016]

No início da atual gestão municipal, em 2013, foi iniciada uma expansão considerável da malha cicloviária temporária, ou seja, que só tem circulação exclusiva de bicicletas em períodos limitados (domingos e feriados, das 7h às 16h). Após mais de 1 ano sem criar nenhuma infraestrutura cicloviária fixa, a Prefeitura do Recife aproveitou o lançamento do PDC para reafirmar seu compromisso (3) feito durante a campanha eleitoral de 2012 de implantar 76km de ciclovias e ciclofaixas até o fim do mandato (4).

No entanto, a promessa não se cumpriu. Nos dois primeiros anos de governo foram feitas apenas duas ações em termos de infraestrutura cicloviária:

  • Transformação de 3,74km de ciclofaixas móveis em fixas, nos bairros de Afogados e Imbiribeira;
  • Rota cicloviária ligando o bairro do Rosarinho ao bairro de Campo Grande, com 1,72km de ciclofaixas e ciclorrotas.

Diante da falta de padronização das intervenções, a Prefeitura foi sistematicamente criticada na imprensa pela população e pela Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife – Ameciclo. Em resposta a isso, foi garantido que as próximas intervenções iriam seguir o traçado e especificações técnicas exigidos pelo PDC, além do anúncio de que entre novembro e dezembro desse ano seriam implantadas ciclovias nos bairros do Cordeiro e Engenho do Meio, assunto principal deste artigo.

Ciclofaixinha e carrofaixão: o caso das ciclofaixas da Zona Oeste

As rotas foram divididas em 3 etapas no anúncio: duas na Zona Oeste, nos bairros do Cordeiro e Iputinga, próximas de onde já existem algumas infraestruturas implantadas, e uma outra na Rua Antônio Falcão, importante ligação da linha Sul do metrô com a ciclovia da Avenida Boa Viagem, na orla. Este terceiro trecho não tinha sido implantado até o momento do envio deste ensaio, logo não será incluído na análise.

O PDC prevê, em sua rede proposta, algumas ciclovias naquela área, como sugere a imagem abaixo. Apesar de não ser o ideal, o plano de fato tolera que algumas infraestruturas sejam deslocadas para vias paralelas “com até 500m de distância da via original”, contanto que comprovada inviabilidade técnica na via prevista, o que demonstra que a o não cumprimento de exatamente todas as vias como diz o plano não é em si de todo mal, contanto que as ligações pretendidas sejam alcançadas.

Rede cicloviária proposta pelo PDC-RMR para a região do Cordeiro e Engenho do Meio [GUEDES, Pedro. Mapa da rede cicloviária proposta no Plano Diretor Cicloviário da Região Me]

Rede cicloviária implantada na região do Cordeiro e Engenho do Meio com ciclofaixas preexistentes destacadas em vermelho [GUEDES, Pedro. Mapa da Rede Cicloviária do Recife, 2015]

De fato, o problema observado nestas novas infraestruturas é de uma ordem bem mais importante, que diz respeito à sua tipologia: foram feitas ciclofaixas e não ciclovias. Além disso, como se não bastasse a grande perda de segurança dos usuários e flagrante desobediência do documento do plano, estas ainda foram implantadas com larguras bem inferiores aos mínimos recomendados não somente pelo PDC, mas também por todas as publicações de referência no desenho de infraestrutura cicloviária de circulação no Brasil.

Definições de largura do espaço Cicloviário [CET/SP. Manual de sinalização urbana – espaço cicloviário]

A situação torna-se mais grave ainda quando se considera que a própria Companhia de Trânsito e Transportes Urbanos – CTTU, responsável pela gestão do trânsito no Recife, fez um levantamento em 2007 (8) do volume de bicicletas circulando nas principais vias do município (CTTU, 2008), e que a região do Cordeiro e Iputinga se destacou pelos grandes volumes de ciclistas – inclusive ratificado com uma contagem feita pela Ameciclo em 28/05/2013 (9) como pode ser observado na figura abaixo:

Carregamento de diário de ciclistas na Zona Oeste do Recife

O primeiro trecho a ser inaugurado foi a rota que inclui as ruas Gaspar Perez, Antônio Curado e Rua José dos Santos, no dia 7/11/2015. Consta em 2,8km de ciclofaixa de mão dupla, com largura de aproximadamente 1,60m, que demonstram bem para onde vai a política cicloviária na cidade do Recife: uma ciclofaixinha e um carrofaixão, pois agora além da ciclofaixa a via ainda consta com duas faixas de circulação de veículos e uma de estacionamento.

Ciclofaixa unidirecional de 1m de largura implantada na Rua Ambrósio Machado, com perfil semelhante ao indicado acima, deixando espaço para uma faixa muito larga de circulação e outra faixa de estacionamento gratuito
Foto Denis Meneses, 2015

Dimensionamento e sinalização de ciclofaixa unidirecional separada por canteiro central [SECID. Plano Diretor Cicloviário da Região Metropolitana do Recife]

No entanto, esta desproporção espacial não é nenhuma novidade. A mesma CTTU implantou, em 2012, uma rede cicloviária nos bairros do Parnamirim e Casa Amarela como parte de um novo binário e a situação já era essa, só que ainda mais chocante. As vias principais – Estrada do Encanamento e Estrada do Arraial – que receberam as ciclofaixas são vias coletoras com grande fluxo de ônibus e têm estacionamento proibido em toda a sua extensão. Nelas, a situação ciclofaixinha/carrofaixão fica ainda mais gritante, pois em quase toda a extensão das vias as dimensões são de 1,50m de ciclofaixa com duas faixas para veículos com 4,00m cada uma.

Considerando que para a implantação de ciclofaixa a velocidade máxima da via deve ser de 40km/h, não existe a menor necessidade de faixas desta largura. Além disso, a distribuição espacial das vias, que distam cerca de 800m uma da outra e têm poucas vias de ligação entre si, deixa flagrante que o correto seria que as duas recebessem ciclofaixas de mão dupla, pois não faz sentido o ciclista aumentar tanto o seu caminho apenas para seguir o fluxo dos veículos motorizados.

Várias pesquisas já indicaram (10) (11) (12) que existe uma relação muito clara entre a largura das faixas de rolamento – e/ou ciclovias/ciclofaixas – e a redução nos números de segurança viária que decorre das faixas largas demais: mais espaço dá mais confiança para dirigir mais rápido, vias largas demais são mais difíceis de atravessar e ciclofaixas/ciclovias estreitas demais causam dificuldade na ultrapassagem e no cruzamento entre ciclistas. Além disso, reduzir faixas mais largas tem também seus benefícios, pois permite a acomodação de mais modais numa mesma via, como faixas exclusivas de ônibus, calçadas mais largas e confortáveis  –  que incentivam o deslocamento pedestre  – e a implantação de ciclovias e ciclofaixas.

Ciclofaixa da Estrada do Arraial sendo usada na contramão desde 2012 com espaço de sobra para carros e ônibus circularem a até 40km/h [Google Street View, 2015]

Desde a inauguração do binário Arraial/Encanamento em 2012 cerca de 2.000 usuários circulam por dia nos dois sentidos da via e nunca foi feita uma adequação para se adaptar à implantação errada. As ciclofaixas poderiam ter 2,50m e cada faixa de carro se manteria com uma largura de 3,5m, ainda bastante confortável e sem nenhum prejuízo à circulação. A Ameciclo chegou a protocolar, em 2013, uma sugestão de redesenho para estas infraestruturas, porém sem resposta.

Proposta de redistribuição espacial das faixas do binário [Ameciclo, 2013]

A despeito de todas as tentativas de cooperação e propostas de colaboração, infelizmente a CTTU segue desrespeitando as regulamentações técnicas de segurança e fica difícil defender política cicloviária: ciclofaixinha, carrofaixão. Ou seria “carropaixão”?

notas

1
SECID. Plano Diretor Cicloviário da Região Metropolitana do Recife. Governo do Estado de Pernambuco, Secretaria das Cidades, 2014 <http://bit.do/PDCRMR>. Acessado em 12/12/2015.

2
LESSA, Clarisse Mendes Ribeiro; SILVA, Gustavo Resgala; DIAS, Janaina Amorim; SILVA, Luiza Maciel Costa da. Gestão metropolitana para uma mobilidade sustentável: a experiência de elaboração do Plano Diretor Cicloviário da Região Metropolitana do Recife. ANTP, 20º Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito, 2014 <www.antp.org.br/_5dotSystem/download/dcmDocument/2015/06/12/BD943811-4586-4719-842B-EDC5869E947F.pdf>. Acessado em 12/12/2015.

3
PREFEITURA DE RECIFE. Para a PCR, todo dia é “dia de bike”. Recife, Prefeitura da Cidade, 10 maio 2013. Disponível em: <http://www2.recife.pe.gov.br/noticias/10/05/2013/para-pcr-todo-dia-e-dia-de-bike>. Acessado em 12/12/2015.

4
VEREADORA PRISCILA KRAUSE. Monitora Recife. Recife, Blog do Gabinete de Priscila Krause <http://blogdepriscila.com.br/monitorarecife/>. Acessado em 12/12/2015.

5
GUEDES, Pedro. Mapa da rede cicloviária proposta no Plano Diretor Cicloviário da Região Metropolitana do Recife, 2015. Disponível em: <http://bit.do/PDCMapa>. Acessado em 12/12/2015.

6
GUEDES, Pedro. Mapa da Rede Cicloviária do Recife, 2015. Disponível em: <http://bit.do/CicloviasRecife>. Acessado em 12/12/2015.

7
CET. Manual de sinalização urbana — espaço cicloviário. Critérios de projeto vol. 13. São Paulo, Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, 2014 <www.cetsp.com.br/media/392076/msuvol13_espacocicloviario.pdf>. Acessado em 12/12/2015.

8
CTTU. Redes Cicláveis, 2010 <http://bit.do/ContagensCTTU>. Acessado em 12/12/2015.

9
Contagens Ameciclo <http://bit.do/ContagensAmeciclo>. Acessado em 12/12/2015.

10
PETRITSCH, Theodore A. The Truth About Lane Widths, 2009 <https://www.academia.edu/24803663/The_Truth_about_Lane_Widths>. Acessado em 12/12/2015.

11
POTTS, Ingrid B.; HARWOOD, Douglas W.; RICHARD, Karen R. Relationship of Lane Width to Safety for Urban and Suburban Arterials. TRB 2007 Annual Meeting CD-ROM, 2007. <http://nacto.org/docs/usdg/lane_width_potts.pdf>. Acessado em 12/12/2015.

12
FITZPATRICK, Kay; CARLSON, Paul; BREWER, Marcus; WOOLDRIDGE, Mark. Design Factors That Affect Driver Speed on Suburban Streets. Transportation Research Record, vol. 1751, paper n. 01-2163, 2014 <http://safety.fhwa.dot.gov/speedmgt/ref_mats/fhwasa09028/resources/TRR1751-DesignFactors.pdf>. Acessado m 12/12/2015.

sobre o autor

Pedro Guedes é arquiteto e urbanista (UFPE, 2008) e Máster em Desenvolvimento Urbano e Territorial (UPC/Barcelona, 2011). Especialista em mobilidade urbana sustentável, coordenou projetos de sistemas de compartilhamento de bicicletas e carros, estacionamento rotativo eletrônico e infraestrutura cicloviária de circulação e estacionamento, além de outros projetos envolvendo o papel da tecnologia na promoção dos modos ativos. Atua como consultor na área desde 2012 e é membro associado da Ameciclo, prestando assessoria técnica à associação e representando a entidade em diversos debates e palestras.

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