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português
Colin Ward foi um anarquista britânico que se dedicou à educação, à infância e à cidade e contribuiu para o alargamento da interseção entre a construção da autonomia, escola, espaço público, habitação e patrimônio cultural no Reino Unido.

english
Colin Ward was a British anarchist who devoted himself to education, childhood and the city and contributed to the enlargement of the intersection between the construction of autonomy, school, public space, housing and cultural heritage in the UK.

español
Colin Ward fue un anarquista británico que dedicó a la educación, la niñez y la ciudad y contribuyeron a la ampliación de la intersección entre la construcción de autonomía, escuela, espacio público, patrimonio cultural y vivienda en el Reino Unido.

how to quote

OLIVEIRA, Carlos Alberto. Colin Ward. A escola e a cidade. Resenhas Online, São Paulo, ano 15, n. 177.02, Vitruvius, set. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/16.177/6189>.


Página da revista Connexions, publicada pela Penguin em 1970, com trabalho editorial de Colin Ward
Imagem divulgação

Cidade, educação e patrimônio são termos amplos, mas essenciais ao desenvolvimento de políticas públicas e ações culturais voltadas para preservação daquilo que nos representa. Embora seja possível fazer uso dos termos a partir de diversas variáveis, os três podem funcionar como filtros e como organizadores para experiência social ao nos possibilitar reinterpretar e realocar a história e a cultura. A cidade nas últimas décadas vem sendo considerada o espaço físico do debate em torno da concepção de patrimônio e, sobretudo, do desenvolvimento e amadurecimento da educação em seu sentido mais amplo possível.

No contexto das grandes cidades brasileiras, o debate sobre escola e patrimônio encontra desafios ainda maiores e esbarra a todo momento em questões éticas e políticas. A renovação dos laços culturais e compreensão do nosso passado torna-se cada vez mais fundamental para a ampliação de políticas de preservação eficazes. A educação patrimonial, a escola e a cidade assumem posições destacadas pois devem contribuir para que a sociedade renove constantemente seus vínculos com o passado, e, claro, a crítica deste passado. É fundamental para que os jovens definam a importância dos bens culturais para si e se reconheçam como parte na formulação da sociedade, endossando ou não a relevância dos bens culturais na coletividade.

Neste sentido, de qual maneira poderíamos resgatar, entre as diversas publicações sobre o assunto, as referências para continuar avançando nas práticas que concernem ao universo urbano, aos princípios da educação e cidadania, e a constante renovação da noção de patrimônio? Colin Ward (1924-2010) foi um proeminente e participativo anarquista britânico que se dedicou à educação, à infância e à cidade de uma maneira vigorosa e criativa, contribuindo no Reino Unido para uma visão mais aberta do que concerne o complexo sistema de interseção entre a construção da autonomia, escola, espaço público, habitação e herança cultural. Ao considerar a história como relações de poderes, e, ao mesmo tempo, relações de resistência e construção da autonomia, Ward projetou sobre os problemas contemporâneos o anarquismo não só como uma ideologia, mas também como uma metodologia. No que tange à educação, o anarquismo de Ward enfrentou as fronteiras da escola e os limites subjetivos da cidade que estavam atrelados a normatização dos corpos a partir do trabalho e do lazer ordenado.

Seus escritos e sua vida pública nos ajudam a entender por que ele permanece até hoje reconhecido como um dos pioneiros e entusiastas dos playgrounds, dos parques, da habitação social e das cooperativas e das ocupações. Inspirado por Peter Kropotkin (1842-1921), Ward defendeu o prevalecimento total das formas de organização horizontais e autônomas em detrimento da exclusão provenientes do autoritarismo nas organizações sociais. Era um defensor da ocupação e da apropriação criativa e comunitária da cidade, dos squats, das escolas e de todo patrimônio industrial inglês. Muitos de seus escritos sobre a cidade abordam a juventude, a escola e a vida pública, enquanto seus escritos sobre a escola por diversas vezes abordam a complexidade da cidade. Além de editor de revistas como a importante Anarchy, Ward foi técnico em arquitetura, professor em Wandsworth e editor do The Bulletin of Environmental Education. Ele também foi secretario de educação na Town and Country Planning Association, fundada em 1899 por Ebenezer Howard, conceptor e difusor da ideia de “Cidade Jardim”.

Seu livro mais divulgado é talvez um dos mais cativantes: Utopia, publicado em 1974 pela Penguin Books na sua divisão educacional. Trata-se de um livro infanto-juvenil que explora os limites da cidadania e da apropriação dos espaços urbanos em uma linguagem acessível e inteligente. Nele, Colin Ward sutilmente problematiza as noções de participação e, junto com o leitor, se propõe a entender como estabelecemos nossos vínculos de identidade, como moldamos nossa cultura e como projetamos nossas aspirações. Ao trazer a “utopia” para o debate franco e aberto com os jovens, Ward apresenta as possibilidades de reconstrução da realidade, de criação de novos laços que vinculam a sociedade e suas inúmeras comunidades com o espaço. Em Utopia o autor nos mostra como muitas das ideias utópicas de nossos precedentes culminaram em experiências diversificadas e reais que estimulam, de alguma maneira, a descongelar e desmonopolizar o futuro. Utopia explicita ainda mais suas conexões diretas com as ideias libertárias, e nele lemos que o anarquismo está mais acessível do que imaginamos, não somente a partir da crítica às instituições e aos artifícios de controle, mas na necessária construção contínua da nossa autonomia. Está presente como uma semente repousada sob a neve.

Ward, em seus eixos de atuação e escrita – educação, espaço urbano e habitação – deixou evidente a materialidade da escola como um problema a ser enfrentado pela sociedade inglesa. Streetwork: Exploding Schools (1973), escrito em parceria com o jornalista Anthony Fyson, é um de seus exercícios mais importantes como proposta de superar os limites que a escola impõe à cidade e que a própria cidade impõe à escola. Nesta obra, os autores exploram as práticas e espaços de aprendizagem fora da escola propondo experiências libertárias e críticas, quase como uma antecipação da crítica à escola enquanto mecanismo de controle e disciplina dos corpos.

Em Child in the city, publicado em 1978, seu objetivo principal era tentar explorar a relação entre crianças e seu ambiente urbano, considerando que possivelmente perdemos algo quando, em algum momento, paramos de aprender com as crianças e consequentemente sobre as nossas cidades. Segundo ele, através da apropriação e imaginação, as crianças podem contrariar as intenções e interpretações baseadas na experiência dos adultos no ambiente construído. Dez anos mais tarde, em The Child in the Country (1988), Ward chamou atenção para os jovens e os processos de marginalização que começam com a ausência de participação e autonomia e terminam com atos violentos de repressão e exclusão.

Em seus trabalhos, Ward expôs a possibilidade de construção da autonomia, a alteridade, a individualidade e a força da mobilização coletiva. Ele abordou a cidade contemporânea a partir do anarquismo enquanto metodologia útil à retomada da cidadania, por um viés autônomo e comprometido com o interesse público. Esse comprometimento, essa percepção da cidade, da educação e da participação, são bases importantes de uma educação patrimonial que buscamos, isto é, àquela que permita que as vinculações entre os indivíduos e a cultura ocorram de maneira positiva e libertadora sem minimizar ou ignorar os conflitos. No contexto inglês, não podemos nos esquecer, ocorreu um amplo debate relativo à preservação de um patrimônio industrial que envolve a história econômica de todo o país. No Brasil há em curso a potencialização das tensões em torno da identidade e apropriação dos espaços urbanos e escolares. Os conflitos sobre o que deve ser preservado, sobre o que é esquecido, ressignificado ou problematizado, entre a memória que se originou das aristocracias ou das elites e aquela que vem do operariado e dos grupos marginalizados que lutam pelo direito à cidade permanecem latentes. Ward contribui diretamente para não deixarmos que a escola sucumba às hierarquias impostas pela organização social e que nossa noção de patrimônio não reflita somente os interesses dos grupos sociais dominantes. Nesse sentido, não há dúvidas de que, se estivesse vivo e observando nosso contexto, o anarquista inglês não negaria nenhum apoio às recentes ocupações das escolas públicas espalhadas por todo país.

nota

NA – Outras publicações do mesmo autor: WARD, Colin. Connexions: violence. A Series of Topic Books for Students in Schools and Colleges of Further Education. Harmondsworth, Penguin, 1970. WARD, Colin; FYSON, Anthony. Streetwork: The Exploding School. London, Routledge & K. Paul, 1973; WARD, Colin. British School Buildings: Designs and Appraisals 1964-74. London, Architectural Press, 1976; WARD, Colin. Freedom to Go: After the Motor Age. London, Freedom Press, 1991; WARD, Colin. Talking to Architects: Ten Lectures. London, Freedom Press, 1996.

sobre o autor

Carlos Alberto Oliveiraé doutorando em História no Instituto de filosofia e Ciências Humanas da Unicamp com a pesquisa “Prescrições para o futuro: Belo Horizonte no processo de modernização do estado de Minas Gerais”.

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resenha dos livros

The Child in the City

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