Pensar o processo de criação e seus desdobramentos intuitivos é uma tarefa, ao mesmo tempo, escassa e difícil no universo da arquitetura e urbanismo. O que surge freqüentemente é o resultado final, a obra pronta, uma arquitetura imagética pronta a ser vendida, desejada, codificada. Dificilmente temos acesso ao exercício processual do arquiteto, salvo croquis e anotações, em que há algo a mais a ser apresentado.
É nesta proposta rara, do pequenino livro Maquetes de Papel, que o arquiteto Paulo Mendes da Rocha nos apresenta esse algo a mais, e nos permite um vôo a outras dobras da arquitetura, uma singela pérola para aqueles que intencionam pensar o que é o projetar. Para isso, o arquiteto apresenta através de uma aula e de uma oficina de confecção de maquetes sua metodologia de projetar. Através de maquetes realizadas rapidamente, se aproximando assim, da dinâmica do croqui enquanto traço inicial nos mostra o exercício da arquitetura enquanto movimento. Como coloca Paulo Mendes da Rocha:
“É a maquete como croqui. A maquete em solidão! Não é para ser mostrada a ninguém. A maquete que você faz como um ensaio daquilo que está imaginando. O croqui, o boneco, um conto“.
Tal processo metodológico confere a arquitetura uma certa instabilidade no pensar, pois a própria matéria prima – papel, arame, durex, pequenos pedaços de madeira, fitas – são corpos sensíveis, no limiar de sua durabilidade temporal, prestes a se desfazerem, a sumirem. Como num jogo silencioso e inquieto, o que emerge são não somente as relações básicas da arquitetura no espaço como volumetria, sombras, escalas, vazios, transparências – mas principalmente as condições existenciais de um arquiteto prestes a entrar no objeto.
Há certamente um design, mas este é virtual, levando o pensamento do arquiteto a outros devires, perambulando entre um espaço e outro, negociando o edifício e a cidade.
“Imaginar as coisas que ainda não existe”, diz o arquiteto.
É exatamente esse fluxo de pensamentos com que o arquiteto apresenta suas idéias que possibilita aos estudantes e arquitetos uma compreensão metodológica do seu fazer na arquitetura. Ora poético e romântico, ora racional e descritivo, este texto-ensaio de Paulo Mendes da Rocha nos fala da singularidade perceptiva de um arquiteto e sua inserção no mundo, antes mesmo de falar sobre o projeto em si.
Paulo Mendes da Rocha nos conduz, na parte referente a sua aula, com uma descrição preciosa do projeto enquanto matéria bruta, não-estratificada, pré-objeto em formação, revelando minuciosamente, através das “maquetinhas”, plano a plano dois de seus projetos não edificados – Praça dos Museus da Universidade de São Paulo e Reservatório Elevado em Urânia. Para Paulo Mendes:
”A maquete, muito simples, está realizando uma coisa que você quer ver. O diâmetro certo, a altura certa, a escala humana. Você consegue ser esse personagem, ajoelha no chão para ver dentro da maquete, é muito bonito! Fecha a janela, espera de noite, tira o abajurzinho da mesa de luz e traz perto da maquete, vê os efeitos da luz no cilindro, até ficar imerso naquele espaço”.
É esse desenho como um processo de conhecimento, capturado em solidão, que está sendo apresentado, desvelando um processo único, cujo arquiteto e objeto tornam-se momentaneamente um só. Único, pois de certa forma, o agenciamento - entre arquitetura, modelos, solidão, existência, processo tátil - proposto pelo arquiteto serve-se a ele. Não seria passível de tornar-se modelo ou método a todos os arquitetos, ou pelo menos, não com esses termos. O próprio processo de pensar a arquitetura torna-se também um exercício ético do homem na cidade, da importância da leitura da história e das questões da filosofia no mundo atual.
Sua aula torna-se um exercício crítico na tentativa de compreender as perspectivas teóricas, conceituais e práticas da arquitetura no mundo atual. Uma brincadeira de cinco minutos defronte a uma poeira iluminada.
leia também"Modelos de solidão", de Artur Rozestraten sobre o livro de Paulo Mendes da Rocha
sobre o autor André Teruya Eichemberg é arquiteto e urbanista formado pela Unesp – Campus Bauru e mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Atualmente é professor do curso de Arquitetura e Urbanismo, e Comunicação do Centro Educacional de Votuporanga UNIFEV.