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OLLERTZ, Aline. Anhangabaú. Resenhas Online, São Paulo, ano 07, n. 079.02, Vitruvius, jul. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/07.079/3068>.


Anhangabaú, como sugere o título do livro, não é o único objeto a ser abordado por Geraldo Simões Júnior. O processo de construção e transformação do centro, o surgimento de bairros nos séculos XX e XXI, também são aspectos discutidos. Ainda são apresentados os primeiros estudos de melhoramentos para a cidade e o primeiro plano urbanístico de São Paulo. A apresentação de seu livro é rica em fotos, mapas e detalhes sobre a evolução do centro da cidade, resultado de extensas pesquisas desenvolvidas pelo autor quando da elaboração de sua tese de doutorado sobre o tema.

O Vale do Anhangabaú marcou a formação do centro da cidade de São Paulo, sendo inúmeras vezes citado em relatos históricos. Inicialmente era tido como quintal de fundos das casas que o circundavam, o que o configurava como uma imensa horta urbana. Mais tarde, nos anos 1910, no entanto, foi principal objeto de estudo onde foram aplicados os primeiros tratados urbanísticos da cidade. É a partir dessa sua confirmada importância, que o autor toma o vale como núcleo organizador de sua pesquisa sobre melhoramentos realizados na área central da cidade de São Paulo. Assim em uma primeira parte de seu livro, o autor relata como o Vale do Anhangabaú veio a consolidar sua importância, quando a estrutura do centro de São Paulo migrou da várzea do Tamanduateí para o vale do Anhangabaú, demarcando três períodos dentro desse processo.

Esses períodos são demarcados pelo autor através de um ponto de vista diferente (novo), muito interessante e mostra que as maneiras de contar a evolução da cidade de São Paulo (especialmente do centro), não estão esgotadas. O próprio autor Benedito Lima de Toledo, em seus livros, por exemplo, já experimentou duas famosas maneiras de periodização, como aquela em que os governos municipais foram mote e outra vez quando a técnica de construção era o elemento estruturador. É assim que o autor escolhe a palavra “polarização” para contar a evolução do centro através de migrações ocorridas no final do século XX e início do Século XXI.

Em uma primeira etapa, São Paulo – local escolhido pelos índios por sua localização estratégica na região – começou a se desenvolver no alto de uma colina circundada pelos rios Tamanduateí e Anhangabaú. Durante os séculos XVI e XVII ainda foram ocupados três pontos dessa colina, por três ordens religiosas, a dos beneditinos, a dos carmelitas e a dos franciscanos, com seus respectivos conventos. Esses três pontos acabaram por definir três vértices de um triângulo, assim, as principais ruas centrais foram determinadas como conexão desses vértices. Logo as ruas 15 de Novembro, São Bento e Direita determinavam o triângulo histórico. Ainda sobre esta etapa da história cabe destacar a importância das ruas da Glória e do Carmo, porta de entrada da cidade, respectivamente, para tropeiros vindos de Santos e de enviados da corte ou viajantes vindos do Rio de Janeiro.

Em uma segunda etapa, há uma “polarização” do centro da cidade rumo ao norte, com as estações ferroviárias se localizando nessa direção. Isso demarcou, então, a nova porta de entrada da cidade. As principais conexões do centro com a estação da Luz eram a Florêncio de Abreu e a Brigadeiro Tobias, tais ruas então passaram por um acelerado processo de modernização e valorização, o que culminou em inúmeros melhoramentos para o bairro da luz, empreendidos pelo presidente João Teodoro. Como decorrência desse processo, as ruas do Carmo e da Glória sofrem uma perda de valor significativo, em razão da ocorrência de uma nova porta de entrada para a cidade, mas não perdem total importância, já que passam a interligar o centro da cidade com a zona industrial e os bairros operários da zona leste.

É no final do século porém que grandes empreendedores imobiliários laçaram loteamentos de alto padrão que se situavam na vertente oeste da cidade, nos Bairros Campos Elíseos e Higienópolis. Tais bairros passaram a ser preferência da elite paulistana pois possuíam um “clima mais saudável”, ruas largas, lotes amplos e ainda contavam com abastecimento de água e tratamento de esgoto. A partir dessas condicionantes e com a construção do viaduto do chá, que facilita a conexão do centro com os bairros à oeste, se inicia a terceira etapa definida pelo o autor com uma nova ”polarização” do centro rumo a oeste, atravessando o viaduto e vindo a formar o centro novo, onde se situam as ruas Barão de Itapetininga, Conselheiro Crispiniano, 24 de Maio e Dom José de Barros. Diante disso, o Anhangabaú passa a ser o espaço mais valorizado no setor central, situação que vem a ser reforçada com a construção do teatro municipal (1903-1911) e com projetos para sua remodelação.

Após esse processo de periodização que conta a história do centro de São Paulo até se transformar o Vale do Anhangabaú um importante pólo da cidade, José Geraldo traz informações sobre os projetos de remodelações apresentados e alguns até mesmo concluídos no local, já que diante a sua importância, o Anhangabaú se tornou objeto de inúmeros programas urbanos da maior parte do período em questão.

Os projetos de remodelação do vale passaram a ser elaborados em 1906 quando melhoramentos para a área foram sugeridos pelo vereador Silva Teles e detalhados pela Diretoria de Obras Municipais, sob coordenação do engenheiro Vítor Freire. Mas somente em 1910 concluiu-se um projeto de intervenções, no qual é proposto para o vale um parque ajardinado. No entanto, para tal, seria necessário a desapropriação de imóveis situados nas ruas Líbero Badaró e Formosa, isso gerou conflitos, já que nessa época, essa região havia se valorizado. Assim são apresentadas outras versões para o projeto de intervenção na área, a exemplo, o projeto do engenheiro Samuel das Neves para o governo estadual, que privilegiou a questão viária e não pensou nas questões urbanas como um conjunto. Tal projeto é tido como descabido por Vítor Freire que o critica.

É diante dessa situação que Vítor Freire elabora uma conferência onde faz um diagnóstico da cidade de São Paulo e apresenta um plano de remodelação para o centro. Esse plano elaborado com bases em bibliografias de Camillo Sitte e Georges-Eugène Haussmann, marca o início do urbanismo em São Paulo. Como sugestão do próprio Vítor Freire, Joseph-Antoine Bouvard é convidado para formular um projeto para a prefeitura de São Paulo e assim o faz. Seu projeto se volta inúmeras vezes as propostas de Vítor Freire e tinha quatro linhas de atuação: 1. O parque do Anhangabaú; 2. A várzea do Carmo; 3. O centro cívico; 4. A avenida de comunicação do centro com os bairros. Em 1920 o projeto para o Vale do Anhangabaú é concluído, consolidando a inversão da polaridade da colina.

Com o fim das obras no Parque do Anhangabaú esse passava a ser novo cartão de visitas da cidade, servindo de “fachada para esse novo centro”. A expansão do centro rumo oeste que se iniciou no começo do século XX só seria concretizada em 1930, quando da construção do novo Viaduto do Chá, bem mais largo que o anterior.

O autor ainda apresenta o estudo de caso de remodelação de três logradouros: 1) a Líbero Badaró, que antes possuía um aspecto de viela sombria e muito desvalorizada , tornando-se nesses anos de 1910 uma das mais importantes ruas comerciais paulistanas. 2) a Avenida São João que se tornou então, importante avenida de interligação entre a área central e a região oeste, dando acesso às estações e; 3) a Praça da Sé que se viu deixada em segundo plano em detrimento dos melhoramentos feitos no parque do Anhangabaú, onde havia maior procura imobiliária.

O texto é claro e o livro é apresentado de forma simples e concisa, pontuando precisamente como foi o processo de formação do centro de São Paulo e como surgiu o embrião do urbanismo dessa imensa megalópole que hoje se apresenta.

sobre o autorAline Ollertz é estudante da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro do Grupo de Pesquisa O Desenho da cidade e a verticalização: São Paulo de 1940 a 1957

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