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architectourism ISSN 1982-9930

Uluru, Austrália. Foto Flávio Coddou

abstracts

português
Desfrutar a sereníssima Veneza ao amanhecer pode ser um privilégio que fique cada vez mais restrito aos moradores da cidade e assim mesmo somente àqueles que acordam cedo por necessidade laboral e não por opção

english
To be able to stroll around Venice early morning must be one of those pleasures restricted only to those who still live in the city. But still, only to the ones who wake up early enough, due to a labour obligation

español
Disfrutar de una serena Venecia al amanecer debe ser un privilegio restrito cada vez más a los habitantes de la ciudad, y aun asi sólo a los que se despiertan temprano por necesidad y no por opción


how to quote

JATOBÁ, Sérgio Ulisses. Veneza ao amanhecer. Arquiteturismo, São Paulo, ano 03, n. 035-036.01, Vitruvius, jan. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/03.035-036/3370>.


Conhecer Veneza ao amanhecer foi a minha melhor experiência ao visitar a cidade em outubro de 2009. Livre dos turistas que a invadem durante o dia, a cidade só se dá conhecer nas primeiras horas da manhã aos seus moradores que acordam cedo para trabalhar ou a alguns raros turistas, que como eu, resolvem madrugar para ver o sol nascer andando ao longo da Riva degli Schiavoni. “La Sereníssima”, (Serenissima Repubblica di Venezia),  codinome que  Veneza adquiriu quando foi a capital de uma nação independente que existiu até 1797, só se mostra, de fato, serena nestas horas e apresenta uma beleza especial que não se percebe no burburinho cotidiano.

Ver e andar por Veneza ao amanhecer é uma oportunidade tão acessível quanto pouco desfrutada por aqueles que visitam a cidade. Os turistas, em geral, estão mais preocupados em entrar no máximo de lojas possível, visitar os pontos turísticos mais tradicionais e tirar fotos deles mesmos em frente aos principais monumentos. E de manhã, bem cedo, não é a hora mais propícia para isto. Além do mais, boa parte dos turistas nem ao menos pernoita em Veneza, seja pelos preços mais acessíveis dos hotéis na vizinha Mestre ou porque só lhes interessa mesmo a vida diurna da cidade, quando o comércio está aberto.

Veneza tem dois principais problemas na atualidade. Um deles é o fenômeno da acqua alta, que ameaça submergir a cidade lentamente e o outro a horda de turistas que a invade em levas cada vez maiores. O pior destes dois problemas, segundo a opinião dos próprios moradores e do prefeito é certamente a invasão dos turistas. Veneza recebe entre 12 a 15 milhões de turistas por ano, e diariamente tem 60.000 visitantes, o mesmo que sua população atual, que declina ano a ano. Os venezianos fogem da cidade, que em razão da superexploração turística se transforma em um inferno para os próprios moradores. Em pouco mais de 40 anos a população se reduziu à metade, enquanto o número de turistas aumentou quase dez vezes desde 1950.

O turismo exacerbado trouxe benefícios econômicos para Veneza e responde hoje por mais de 60% da sua receita orçamentária. Em compensação causa desequilíbrios ecológicos, econômicos e sociais, além de irritar bastante os moradores que mais de prejudicam do que beneficiam com ele. Alguns exemplos: turistas em excesso produzem lixo em excesso, que se acumula, causa mal-cheiro e atrai ratos que se multiplicam e adentram encanamentos e residências na maré alta. Comida farta para os pombos da Praça San Marco faz com que o número deles cresça exageradamente, incomodando os moradores e sujando prédios e monumentos. Há também desequilíbrios econômicos. Com o turismo, o preço dos imóveis, aluguéis e o custo de vida em geral subiram vertiginosamente e se tornaram proibitivo para moradores que se mudaram para as cidades vizinhas. A especulação imobiliária induz as residências se transformarem em hotéis e o comércio local ser substituído por lojas de grife.

Como se isto não bastasse há um desastre maior em andamento.Veneza tende a desaparecer sob as águas do Mar Adriático. Por conta de uma combinação de fatores, ao mesmo tempo em que as fundações da cidade cedem, aumenta a intensidade das marés altas. As marés existem desde e fundação da cidade, mas se acentuaram por conta do assoreamento da laguna e o acúmulo de detritos industriais, sem falar no aumento do nível do mar em função do aquecimento global.

Tudo isto nos faz refletir sobre a vida e morte das cidades, seja por causas naturais, seja por desastres provocados pelos homens. Veneza é, ao mesmo tempo, glamour, encantamento e cartão postal para aqueles que a conhecem de longe ou a visitam rapidamente, quanto sujeira, transtorno e carestia para aqueles que ali habitam.

Por ser uma cidade sem carros e com sua expansão urbana forçadamente contida por fatores naturais, mantém-se como testemunho urbano do passado e aponta para o que deveria ser a cidade sustentável do futuro. Isto se fossemos considerar somente a mobilidade urbana  e o tamanho adequado de uma cidade. Entretanto, o turismo que deveria ser uma fonte de maior prosperidade para a cidade gerou situações de insustentabilidade. Controlá-lo por meio da limitação do acesso de turistas pode resolver alguns problemas, mas elitizará mais ainda a cidade.

Assim, desfrutar a sereníssima Veneza ao amanhecer pode ser um privilégio que fique cada vez mais restrito aos moradores da cidade e assim mesmo somente àqueles que acordam cedo por necessidade laboral e não por opção. Este morador comum de Veneza talvez também esteja fadado a desaparecer. Portanto, há o risco de que conhecer Veneza nas primeiras horas do dia permaneça somente na memória daqueles que por ventura puderam ter o prazer de descobri-lo.

sobre o autor

Sérgio Jatobá, arquiteto e urbanista (UnB, 1981). Pesquisador do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais – NEUR da Universidade de Brasília. Tem doutorado em Desenvolvimento Sustentável  e trabalha com arquitetua, urbanismo e meio ambiente

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