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architectourism ISSN 1982-9930

Interior do Chile. Foto Michel Gorski

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A Bélgica é um país curioso, cortado radicalmente ao meio por uma “fronteira lingüística”, que separa valões de língua francesa dos flamengos.


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LIMA, Adson Cristiano Bozzi Ramatis. Entre flores e bombons. A lenta dissolução do Estado belga. Arquiteturismo, São Paulo, ano 04, n. 041.01, Vitruvius, jul. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/04.041/3505>.


Et maintenant que me voilà introduit auprès de Vous, grâce à cette sorte de confession, laissez-moi Vous dire la vérité, la grande et horrifiante vérité: ‘Il n'y a pas de Belges, mais des Wallons et des Flamands.’
Jules Destrée. Lettre au roi sur la séparation de la Wallonie et de la Flandre, 1912

A Bélgica é um país curioso, cortado radicalmente ao meio por uma “fronteira lingüística”, que separa valões de língua francesa dos flamengos; e, é importante acrescentar, esta fronteira não é apenas uma “linha imaginária”, mas apresenta um importante estatuto jurídico, como uma fronteira nacional que separa países. Esta foi uma espécie de reivindicação histórica por parte da comunidade flamenga, que durante todo o século 19 esteve confrontada ao fato de que deveria ter relações com o seu Estado em uma língua que não era a sua, o Francês, então a única língua nacional.

Por outro lado, na parte de língua francesa criou-se um termo para definir os flamengos nacionalistas radicais: flamingant. Jacques Brel, compôs uma canção em nada lisonjeira para defini-los: Nazis durant les guerres/ Et catholiques entre elles/ Vous oscillez sans cesse/ Du fusil au missel/ (...) Vous salissez la Flandre/ Mais la Flandre vous juge. O bardo de Bruxelas fez menção ao caráter radical dos flamingants, que oscilariam entre um catolicismo histórico e uma adesão oportunista aos nazistas durante a ocupação alemã na Segunda Guerra, e ao fato de que a Flandres, ao final, os julgaria. De fato, Brel tinha razão, a região de Flandres julgou os flamingants. Nas eleições nacionais de junho deste ano, abertas as urnas, contados os votos, os partidos nacionalistas flamengos obtiveram quase 40% dos votos. Uma vitória retumbante em um domingo que foi definido pela imprensa de língua francesa como “histórico”. Uma vez que estes partidos defendem o fim da Bélgica, separando flamengos de valões, uma inquietante pergunta paira no ar: o fim do Estado belga seria apenas uma questão de – pouco – tempo? Contudo, antes de tentar responder a esta questão, deve-se explicar a história deste país, cuja criação reuniu entre as suas fronteiras germânicos e latinos.

Diz-se usualmente que alguns países são “artificiais”, como muitos dos países africanos, cujas fronteiras foram definidas pelos países coloniais. No entanto, esta fórmula não tem muito sentido porque oculta o inevitável fato de que, sob este aspecto, todos os países seriam artificiais, uma vez que são construções históricas e políticas e não fatos, por assim dizer, naturais. Introduzimos esta questão porque o tema deste artigo é, justamente, um país cuja definição recai, muitas vezes, no uso do termo “artificial”, a Bélgica. Criado em 1830 a partir dos escombros do Império napoleônico, este país reuniu nas suas fronteiras, como já escrevemos, duas comunidades linguísticas de diferentes origens. A partir do século 19 os valões passaram a se expressar majoritariamente em Francês (eles possuíam uma língua própria, o Valão) e os flamengos em um Neerlandês unificado. Ora, isto, em si, não coloca nenhum problema, posto que há muitos países cuja população se expressa em diferentes línguas – há o caso clássico da Suíça, mas a própria França, país que jamais foi considerado “artificial”, possui diferentes comunidades linguísticas. A questão, então, não residiria no bilinguismo (ou trilinguismo, uma vez que na Bélgica há os que se expressam em Alemão), mas em uma identidade nacional, ou, talvez, na sua ausência. Um belga, antes de tudo, ou é um flamengo ou é um valão, e isto parece indicar que a sua identidade primeira é a regional, e a não nacional.

No entanto, isto poderia não ser um problema, e, neste caso, cito mais um caso clássico, o Canadá, cuja população de língua francesa se define como quebequense antes de se definir como canadense, mas isto não parece, hoje, colocar em questão a existência deste país. Onde procuraríamos, então, as razões para que a existência da Bélgica seja colocada em questão desde a sua criação? Onde estaria o cerne da “grande et horrifiante vérité”? Para tentar resolver esta equação de difícil solução devemos retornar à história deste país ambíguo, uma espécie de Estado-tampão entre uma França então expansionista e todos os demais.

Ora, atravessaram e dominaram aquela região espanhóis, austríacos, franceses, e, finalmente, neerlandeses (1815-1830), e, neste sentido, é compreensível que a sua população se expressasse em diversos idiomas e dialetos. A elite que criou o país separando-o dos Paises Baixos entendeu que a jovem nação deveria ter uma língua unificada, e a escolha natural foi a língua francesa, na época idioma da diplomacia e de grande prestígio literário. O neerlandês, por outro lado, estava por demais associado ao período em que o país esteve sob o domínio dos Países Baixos, e justamente por esta razão foi rejeitado.

Esta escolha dita natural, contudo, motivou o nascimento de um nacionalismo por parte dos flamengos que se sentiam excluídos do Estado belga, e, portanto, não se identificavam com ele. A elite flamenga, porém, e é quase desnecessário dizer, dominava perfeitamente o Francês e se expressava neste idioma. Soma-se a isto o fato de que a região flamenga era bem menos próspera economicamente que o sul do país, a Valônia, e cabiam aos flamengos o desemprego ou as atividades profissionais de baixo prestígio. Esta querelle linguística e sócio-econômica começou já nos anos 1840, e se estende até os dias atuais. Os flamengos, porém, sendo mais numerosos que os valões, com o advento da democracia conseguiram do Estado belga a implantação de uma série de medidas de bilinguismo, até a criação, em meados do século passado, da tal fronteira linguística. Os limites territoriais entre as duas comunidades estavam, estão, definitivamente traçados, e isto significou que um belga se relacionaria com o seu Estado em duas diferentes línguas, consoante estivesse em território flamengo ou valão. O único território bilíngue do país é Bruxelas (ali os francófonos são obrigados por lei a estudar o neerlandês, idioma que eles julgam, no entanto, “provinciano e inútil”), e é uma região responsável por intermináveis disputas entre as duas comunidades.

E ainda há a já aludida questão econômica, posto que, esgotadas as minas de carvão e fechadas as indústrias pesadas da Valônia, que tinham sido responsáveis pela prosperidade do país, esta região conheceu um importante declínio econômico. A região de Flandres, por outro lado, é agora próspera e dinâmica, e, a este título, deve fazer importantes repasses financeiros à Valônia, dentro da perspectiva do federalismo. No entanto, devido justamente a estes repasses, os valões recebem dos flamengos o nada lisonjeiro epíteto de “preguiçosos” (a taxa de desemprego nesta região é de 20%). Esta situação deixa os flamengos insatisfeitos que têm a desagradável impressão de que a Bélgica existe apenas graças ao seu trabalho. Ora, isto coloca em questão dois agravantes: se a região de Flandres tornar-se autônoma, a Valônia e Bruxelas talvez não tenham condições financeiras de existir como país.

Assim, em caso de separação entre as duas comunidades a única solução para a Valônia seria a de se integrar ao Estado Francês, o que implicaria, certamente, a perda da identidade nacional; por outro lado, o enfraquecimento do Estado belga, com a cessão defendida pelos flamengos moderados de maiores competências às regiões, significaria, na realidade, um grande empobrecimento dos valões, cuja instância regional não teria condições de arcar com os benefícios sociais.

Poder-se-ia dizer, então, que a vitória esmagadora dos partidos flamengos nacionalistas nas eleições do mês passado representaria o fim do Estado belga? Temos sempre, contudo, que nos lembrar que os políticos profissionais são, por natureza, seres pragmáticos, e os flamingants não o são em menor escala. Cito, a este respeito, e novamente, Jacques Brel, que em uma canção intitulada Les bonbons coloca o eu lírico a fazer toda espécie de cálculos e raciocínios para saber se lucraria mais presenteando com flores ou com bombons (“os bombons são tão bons, mas as flores são mais apresentáveis”), para, finalmente, decidir-se pelos bombons. No entanto, ao fim da canção ele acaba por perder a sua pretendente, que já havia se decidido, enquanto o eu lírico fazia os seus cálculos, por “seu amigo Léon”. Esta caricatura do burguês moderado, cioso e cuidadoso em relação as suas finanças, calculista até no amor, representa, talvez, a relação difícil e dúbia entre as duas comunidades na Bélgica. Segundo um jornalista francês, em uma irônica matéria publicada no jornal de Bruxelas Le soir, “a situação [da Bélgica] é desesperadora, mas não é grave”. Enquanto os políticos fazem os seus cálculos e raciocínios, tentando escolher flores ou bombons, a Bélgica segue, sempre atravessando as suas intermináveis crises (denominadas por ele de “comunitárias”).

sobre o autor

Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima, arquiteto e urbanista, Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Espírito Santo, Doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Autor do livro: Arquitessitura; três ensaios transitando entre a filosofia, a literatura e arquitetura. Professor Assistente da Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Arquitetura e Urbanismo.

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