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architectourism ISSN 1982-9930

Interior do Chile. Foto Michel Gorski

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Nesse artigo, Bruno C. E. de Mello narra a experiência de percorrer, de bicicleta, trajeto semelhante àquele feito pelo viajante francês Auguste Saint-Hilaire no século XIX, pelo litoral do Rio Grande do Sul, entre Porto Alegre e Colônia de Sacramento


how to quote

MELLO, Bruno César Euphrasio de. De bicicleta pelo litoral do Rio Grande do Sul. Arquiteturismo, São Paulo, ano 04, n. 041.02, Vitruvius, jul. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/04.041/3515>.


Em 2008 eu e o colega Eduardo Dienstemann resolvemos percorrer de bicicleta caminho semelhante ao que o francês, botânico, naturalista e viajante Auguste Saint-Hilaire percorreu em lombo de mula e a cavalo no século 19 no litoral do Rio Grande do Sul entre Porto Alegre e Colônia do Sacramento no Uruguai.

A intenção era, com o texto do diário de viagem de 1820-21 deste francês debaixo do braço e em nossas mulas modernas, confrontar suas impressões com as nossas. Identificar as mudanças e as permanências perceptíveis na região, na arquitetura e nas cidades. Criar um diálogo entre os tempos. É evidente que passados quase dois séculos essa região mudou. Mas no que consiste a mudança? No que consiste a semelhança? Conto aqui a experiência brasileira dessa jornada, de Porto Alegre ao Chuí, passando pelo istmo que divide a Lagoa dos Patos e o oceano Atlântico.

As cidades e povoados conhecidos e que tiveram impressões sobrepostas foram Viamão, Bacopari, Palmares do Sul, Mostardas, Bojuru, São José do Norte, Rio Grande, Capilha – povoado do Taím – e o Chuí, na fronteira.

A Viamão apresentada pelo naturalista não passava de um povoado que tinha em sua capela uma referência importantíssima, objeto digno de menção. Significativa o suficiente para a população dali e de arredores rebatizar a cidade com um nome mais íntimo, Capela. Em nossa passagem a Igreja Matriz permanece como uma referência importante junto à praça. Ao redor as edificações de dois ou três pavimentos não rivalizam em escala e em importância com ela. Mantém-se sua fachada plana, suas altas torres sineiras com a dignidade e presença garantidas. Nada disputa com a massa construída da igreja diante da esplanada. O município de Viamão é o único onde o terreno apresenta pequenos acidentes geográficos. Dali em diante é paisagem é sempre plana, de horizontes sem fim.

A cidade de Palmares do Sul não apresenta nada que possa chamar a atenção de um arquiteto. Só a paisagem plana sem fim e, em nosso século, as extensas plantações de arroz que estão debruçadas à estrada. O lugar parece um aglomerado de núcleos mais ou menos dispersos que ora se tocam, ora estão afastados, de forma que para ir de um lugar para outro da cidade é necessário seguir por ruas despovoadas.

Quanto mais ao sul pedalávamos, mais despovoada ficava a região. Surpresa agradável foi o povoado localizado às margens das lagoas de Bacopari. Pequeno e pitoresco, paisagem de dunas altas e lagoas de águas calmas.

Mostardas, apresentada pelo francês como o maior povoado deste trecho e com a população mais numerosa, continua sendo uma localidade de escala e concentração importantes. Há muitas casas de aspecto colonial português. Uma rua em especial mantém um grupo de edificações uniforme e continuamente debruçadas à testada dos lotes, térreas, de beiral pequeno e telha capa-canal. Muitas delas são porta e janela. A Igreja Matriz chama a atenção no contexto. Chama a atenção também a extensão das plantações de pinus em meio à vegetação de restinga.

Adiante, o vilarejo de Bojuru parece ter sido construído sobre um enorme areal. As casas, os pequenos edifícios parecem pousados sobre ele. Suas ruas e os quintais das casas são todas de areia de praia. Há areia por todo o lugar. Sua malha não vai além de quatro ruas que desembocam na “estrada do inferno” e mais três paralelas a esta em direção ao mar. Apesar da malha da cidade ser pequena há ainda muitos lotes ociosos nos quarteirões.

São José do Norte fica à margem norte da ligação entre as águas da Lagoa dos Patos e do oceano. Na outra margem, ao sul, está a cidade de Rio Grande. A cidade cresceu bastante, vai bem além das poucas ruas descritas sobre a “aldeia” do século 19. Quanto mais próximo ao cais mais as dimensões dos quarteirões são irregulares e as ruas tortuosas formando largos, gerando descontinuidades. Todavia a cidade não passa de localidade interiorana, pequena. A relação com o cais e com a beira d’água permanece ativa. A travessia para Rio Grande mantém-se, mas em embarcações diferentes das catráias movidas a remo ou vela. Atualmente há balsas para travessia só de pessoas e outras para travessia de veículos. Vista desde a água São José do Norte revela-se outra. À massa construída horizontal bem homogênea ressalta-se a silhueta da igreja matriz da cidade. Espiando por sobre os telhados das casas aparecem o frontão e as duas torres que apontam para o céu.

A cidade de Rio Grande foi a que mais se modificou em escala, altura e dispersão da malha nesses quase duzentos anos. De um pequeno povoado de ruas de areia e de casas alinhadas à margem do canal a uma cidade grande de fato, na altura de suas edificações, na densidade de sua massa construída, na quantidade de praças e espaços públicos e em sua extensão. O cais por onde chegamos vindos de São José do Norte fica na ponta de uma comprida península que avança sobre o canal que liga oceano com Lagoa dos Patos. Nesse local ficam a antiga alfândega, os prédios da prefeitura, o mercado público, a biblioteca pública, edificações valiosas para a história e cultura arquitetônica gaúcha. A vocação portuária mantém-se ativa inclusive com recentes investimentos do PAC.

Entre Rio Grande e o Chuí os povoados são menos freqüentes, a paisagem é de uma planura infindável. O pequeno povoado de Capilha, no Taím, é um local no meio do nada. Se comparada com as descrições do naturalista permanece a “agradável posição” junto à água, local potencialmente atrativo para o turismo pelas belas paisagens e pela proximidade com a reserva biológica do Taim. Continua pequena, calma e silenciosa. O Chuí já é diferente, é uma cidade cheia de outdoors, letreiros, placas de propaganda, de comércio agitado, mas pobre na aparência, encardida, cinza. Quanto mais próxima à linha de fronteira mais ocupada e densa. A faixa que divide os países é uma avenida larga com canteiro central que serve de estacionamento e onde ficam vendedores ambulantes. A noite é agitada, mas só nessa rua fronteira. Muitos árabes passeiam ou vendem moambas. O som das línguas e os sotaques se misturam. A sensação é de uma cidade perigosa.

Avaliando as transformações e permanências percebidas a partir desse cruzamento de percepções, podemos dizer que a paisagem natural passa de uma vegetação rasteira, de restinga, típica desta costa litorânea, eminentemente horizontal no século 19, para uma paisagem que tem trechos modificados pelas extensas plantações de pinus e árvores voltadas para a produção de celulose no 21. Essas florestas tornam-se barreiras verticais no terreno plano e impedem a fluidez das visuais. Florestas que produzem também a monotonia da monocultura e a significativa alteração na paisagem natural. Seria importante avaliar a interferência desta vegetação exógena ao bioma local. Esse longo trecho de costa preserva ainda fauna e flora características. O Parque Nacional da Lagoa do Peixe e a Estação Ecológica do Taim são prova disso.

Há longos trechos ainda pouco povoados e pouco transitados. O acesso ao sul do estado que, conforme relato do século 19 era feito preferencialmente por água pela Lagoa dos Patos é hoje feito pela BR116, pelo interior, tornando a região do litoral ainda pouco percorrida. É percorrida quase exclusivamente pelos habitantes das cidades contidas no cordão de areia. Nem mesmo os atrativos naturais oferecidos pelos parques ecológicos atraem a visitação e contribuem para a dinamização da economia local. Situação ainda mais presente entre Rio Grande e o Chuí, trecho praticamente deserto.

As cidades da região mantêm-se muito pouco verticalizadas, compostas predominantemente por casas de no máximo três pavimentos. A economia vinculada ao pinus ou à produção de arroz, que tem sua base na propriedade privada de gigantescas fatias do território tomadas à vegetação característica do local, parece não dinamizar as cidades. Exceção é Rio Grande que manteve sua tendência como localidade mais próspera por ser este um importante porto de grande movimentação de cargas e para onde converge a produção de boa parte do estado.

nota

1
Todas as fotos são de Eduardo Dienstmann realizadas em janeiro de 2008.

sobre o autor

Bruno Cesar Euphrasio de Mello, Arquiteto e urbanista, Mestrando em planejamento urbano e regional pelo PROPUR-UFRGS.

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