Parafraseando um ilustre filho das Gerais, João Guimarães Rosa, Pampulha são muitas. Sim, Oscar Niemeyer imprimiu indelével marca a essa porção da cidade, que já nos idos dos anos 1940 se via banhada por águas mansas. Seus traços colocaram a cidade de Belo Horizonte no epicentro da renovação modernista global. Com tanta vultuosidade, a obra do ilustre carioca, costumeiramente, ofusca as outras riquezas daquelas paragens. Todavia, desanuviando o olhar, percebemos que, antes e depois do nosso grande mestre das coisas arquitetônicas por aqui deixar algumas de suas obras primas, múltiplas paisagens compõem o cenário desse nosso cartão postal. Paisagens também merecedoras da atenção dos filhos da terra e dos inúmeros viajores que por ali passam diariamente.
Falar aos transeuntes sobre esse lugar de múltiplas camadas históricas foi o desafio levantado pela nossa equipe de trabalho e pela municipalidade. Incumbidos de criar um novo sistema de sinalização turística interpretativa para o Conjunto Urbanístico e Arquitetônico da Pampulha, vislumbramos, precisamente na sua pluralidade urbanística, o potencial informativo a se explorar. A tarefa, então, se pautou nessa premissa: consolidar e ampliar o leque de percepção e informação desse exuberante polo turístico e cultural da capital mineira. Trabalho de fôlego e ao mesmo tempo delicado, posto que, permeando tudo, estamos diante de uma área tombada pelo IPHAN, pelo IEPHA e pelo Patrimônio Municipal.
Caminhando na direção da premissa estabelecida para a tarefa interpretativa, buscamos descortinar outras “Pampulhas”. Além de flanar nos largos das obras criadas por Niemeyer, Burle Marx, Cândido Portinari, Alfredo Cheschiatti, entre outros – que a exemplo do nosso Aleijadinho, se revestem com força de amálgama da identidade cultural brasileira – apontamos as bifurcações necessárias. Direcionamos os olhares para as residências pioneiras, para as construções contemporâneas, para a formação dos seus bairros, para a caracterização dos seus parques e praças públicas, para a diversidade natural, e para a imensa quantidade de obras de arte integradas a estes espaços.
Consoante ao seu inerente caráter público, o novo sistema de comunicação, literalmente, se apresenta como um livro aberto na urbanidade. A região da Pampulha passa a ser o mais amplo lugar da cidade a versar, ao ar livre, sobre arquitetura, urbanismo, paisagismo e artes plásticas.
Neste “livro”, um capítulo especial foi dedicado à arquitetura mineira, erguida nessas glebas por várias gerações, alinhadas ou não ao modernismo arraigado. Construções desenhadas por João Diniz, Gustavo Penna, Álvaro Hardy, Mariza Machado Coelho, Arquitetos Associados, BCMF Arquitetos, Éolo Maia, William Ramos Abdala e Eduardo Mendes Guimarães receberem as letras oriundas do intenso trabalho de pesquisa histórica, grafadas nos objetos que agora as distinguem.
A linguagem adotada no design das placas não hesita em se anunciar e tem inspiração formal em outro mineiro de porte: Amílcar de Castro, que possui vigorosa escultura em aço ancorada nas margens do lago, nas proximidades do antigo Cassino. Os cheios e vazados das placas exploram o caráter escultórico e criam um jogo de “ver entre” esses elementos, que também passam a marcar a paisagem do lugar com a pujança dos seus materiais, formas e cores. Acreditamos que tal concepção de design estabelece a necessária integração visual ao meio e às obras sinalizadas, e, ao mesmo tempo, cumpre a premência comunicativa de um sistema de tal monta.
Composta por um conjunto de 68 placas direcionais e interpretativas – com textos integralmente traduzidos para o inglês e o espanhol – a nova sinalização apresenta aos visitantes e moradores os principais atributos históricos, urbanísticos e paisagísticos dos monumentos e lugares públicos da orla e seus arredores, além de costurar sua inserção na cidade.
Explorar a lagoa numa única caminhada é uma tarefa de suor, são aproximadamente 18 quilômetros! Para facilitar essa empreitada criamos 06 rotas de visitação distribuídas ao longo da orla, conforme seu posicionamento geográfico. Cada uma delas possui um monumento preponderante e uma cor específica estampada nos elementos de sinalização e mapas acessórios. As cores, vibrantes, foram definidas por meio de programa computacional que extrai os tons dominantes da paisagem típica em horário de lusco-fusco e gera seus contrastes para uma melhor visualização em qualquer horário do dia.
Já que estamos tratando de comunicação, e a internet?! Está lá! A conexão digital foi incorporada à interface usuário – objeto sinalizador. A maioria das placas está equipada com o sistema de código de barras (QR Code), que possibilita ao andarilho acesso a conteúdo multimídia através de dispositivos móveis.
Por fim, já se disse que a informação abre caminhos para a fruição! Nada mais oportuno em tempos de tão escassa educação patrimonial. Esta obra na Pampulha oferece aos visitantes novos canais de percepção e conhecimento deste patrimônio cultural de Belo Horizonte, despertando assim, corações e mentes para o cuidado e para a preservação.
sobre o autor
Ulisses Morato de Andrade é arquiteto (Centro Universitário Metodista de Minas Gerais, 1992), com pós-graduação em Tecnologia e Produtividade na Construção Civil (UFMG, 2008). Desde 1992 dirige a Morato Arquitetura, escritório que atua em projetos de arquitetura, arquitetura, design, urbanismo e patrimônio. Atualmente é Diretor de Projetos Especiais do Departamento de Minas Gerais do Instituto de Arquitetos do Brasil, IAB-MG, e membro titular do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte.
ficha técnica
coordenação geral | concepção | programação | design de placas
Ulisses Morato de Andrade / Arquiteto e Urbanista, especialista em Tecnologia e Produtividade na Construção, UFMG
concepção (colaboração) | programação | pesquisa e redação dos textos interpretativos
Luiz Mauro do Carmo Passos / Arquiteto e Urbanista, Mestre em História, UFMG
design gráfico
Luiz Gonçalves Campos / Bacharel em Design, Mestre em Comunicação Social, UNIPAC
revisão de textos – lingua portuguesa
Luiz Antônio dos Prazeres / Licenciatura em Letras, Mestre em Linguistica, UFOP / Doutor em Lingüística, UFF
tradução inglês
Margaret Malia Spofford Xavier / Doutora Phd em Letras, Cornell University, Nova Iorque – EUA
Leina Claudia Viana Juca / Mestre em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas Estrangeiras – UFMG
tradução espanhol
Eduardo Tadeu Roque Amaral / Licenciatura em Letras, Mestre em Estudos Linguísticos e Doutor em Letras, UFMG
colaboração
Lilian Peres Santos – Arquiteta / Ana Luisa Occhi – Estagiária de arquitetura
contratantes
Belotur | Comitê Municipal da Copa | Secretaria de Estado Extraordinária para a Copa do Mundo – SECOPA
fabricação e instalação
Plakas