Novo e brevíssimo conto de amor de casal fofo — branquinho, cheiroso, hétero e temente a Deus — de recifenses de bem
1° ato – Durante viagem a Toledo, Espanha
— Peixão, mas isso aqui é lindo demais! Preservado e romântico!
— Ahhhh Bebê, Europa é Europa, visse? Eles têm memória cultural, preservam sua história, é oooooutra categoria!
— Isso, isso! E aposto que é proibido derrubar esses prédios de 300 anos...
— Claro que é, Bebê, claro que é! E mesmo que um político safado quisesse fazer isso eu aposto que o povo daqui, como é muito culto e politizado, nunca iria permitir! Isso aqui vai durar é pra sempre, nossos netos poderão visitar tudo do jeitinho que a gente tá vendo, visse?
— Nossos netos, Peixão?? Ahhh, você é tão romântico... já te disse hoje que te amo?
— Não...
— Então digo agorinha mesmo: te amo!
2° ato – De volta a Recife, Peixão chega em casa onde encontra Bebê para um jantarzinho especial
— Puxa, Peixão, você demorou, visse? Oxe, o que aconteceu? O risoto já está esfriando!
— Ah, Bebê, morar nesse cú de cidade tem dessas coisas! Pois peguei um trânsito arretadíssimo ali perto do Cais José Estelita! Tava tendo outra manifestação daqueles vagabundos!
— De novo? Oxente!
— Poizentão, agora virou é moda! Todo dia esses alienados comunistas ficam atrapalhando a vida de quem trabalha e paga impostos! E pior: fazem isso pra impedir o progresso de nossa cidade, pra evitar que nosso honrado prefeito Geraldo Júlio, homem da melhor estirpe, de família boa e de bem, traga projetos que vão embelezar uma das áreas mais feias que temos que é o Recife Antigo! Tudo velho, decadente, um horror!
— Se avexe não, Peixão; essa gente é burra até e egoísta de pai e mãe! Tomara que a PM encha todos eles de cacetada pra aprenderem a não atrapalhar a vida das pessoas sérias!
— Deus te ouça, Bebê!
— Agora venha comer que camarão requentado fica borrachento!
— Eita! Risoto de camarão, é? Meu preferido! Vou abrir aquele vinho branco que trouxemos de Toledo!
— Ahhh, Peixão, nem me fale de Toledo... Aqueles edifícios antigos, todos preservados... Que saudade!
— Pois ano que vem a gente volta lá pra matar a saudade do primeiro mundo, o que acha?
— Eu acho ótimo! Já te disse hoje que te amo?
— Não...
— Então digo agorinha mesmo: te amo!
E viveram em Boa Viagem, salgadinhos para sempre.
sobre o autor
Alexandre de Oliveira Périgo é um paulistano de 45 anos, pai da Clara e do Léo, que habita as Minas Gerais. Engenheiro e consultor de gestão empresarial desde que os continentes ainda estavam unidos, é também fotógrafo e escritor por amor. Outras paixões são livros, idiomas – se vira razoavelmente em sete –, basquete e curling.