O bate-papo Café com Guerra, comandado por mim e com as presenças dos artistas plásticos Guto Lacaz e Marco do Valle, inaugurou no dia 15 de agosto de 2015 o Espaço Marieta. Espaço multicultural, localizado em apartamento na rua Maria Paula, próximo à Sé, o Marieta é uma iniciativa tripartite, com participações do portal Vitruvius (dirigidos por Abilio Guerra e Silvana Romano), da produtora cultural Cactus (liderada pelo italiano Giovanni Pirelli) e da produtora Irmãos Guerra Filmes (dos irmãos Helena e Caio Guerra). A criação do projeto resulta da convergência de interesses das três empresas culturais envolvidas: a troca de experiências artísticas e profissionais entre pessoas de várias gerações, tendo o centro de São Paulo como palco destes encontros (1).

Marco e o Globo da Morte / vídeo Irmãos Guerra 

O café da manhã compartilhado reviveu momentos anteriores onde a trajetória dos dois convidados se cruzaram de forma mais intensa. A primeira vez foi durante a exposição Arte/cidade 2 – a cidade e seus fluxos (ocorrida em 1994, com curadoria de Nelson Brissac). A segunda foi em 2014, durante a implantação de Ulysses, o elefante biruta no Parque Pedreira do Chapadão na cidade de Campinas, instalação artística de autoria de Guto Lacaz e que teve participação decisiva de Marco do Valle na sua viabilização.

Guto e as Cadeiras Flutuantes / vídeo Irmãos Guerra

Arquitetos de formação – Guto Lacaz se graduou pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São José dos Campos em 1974 e Marco do Valle pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas em 1982 –, ambos desenvolveram ao longo dos anos práticas profissionais paralelas, o primeiro atuando como ilustrador e designer gráfico, o segundo cultivando sólida trajetória acadêmica no Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, sendo hoje reconhecido especialista da obra arquitetônica de Oscar Niemeyer.

Guto e Ulisses, o Elefante Biruta / vídeo Irmãos Guerra

A marca da escola de arquitetura na visão de mundo dos dois artistas é visível em suas obras artísticas, onde o engenho da construção e as teorias científicas são presenças constantes. Se Lacaz elabora um visor gigante para os transeuntes espiarem do térreo obras expostas no sétimo pavimento (“Periscópio”, 1994), Valle responde com uma Gaiola de Faraday, que sequestra ondas de rádio a partir das teorias do físico Nicola Tesla (“Haarp Rádio”, 2006). Enquanto Guto, auxiliado por Javier Judas, faz o público gargalhar com suas máquinas que funcionam para dificultar a vida cotidiana – caso das ridículas vassoura e pá de lixo, cujos motores fazem suas pontas com cerdas e concha girar em torno de seus cabos (“Máquinas V”, 2008), Marco deixa a assistência perplexa e atônita com o congelamento do líquido escoando pelo furo da pia, confirmando o princípio da física astronômica conhecido como “Efeito de Coriolis”, onde no hemisfério sul o giro do escoamento se forma no sentido horário (“Vórtice”, 1984).

Guto e Arte Cidade / vídeo Irmãos Guerra

Contudo, a relação entre que estabelecem com o sério e o cômico se mostra muitas vezes invertida. De temperamento mais exaltado e brincalhão – mesmo que essa faceta não tenha ficado tão evidente durante este encontro –, Marco do Valle desenvolve um flerte constante com o solene, com o hierático, com o melancólico, namoro que avança para o engajamento e o compromisso sociais, sintomas perceptíveis em “Melancolia 3”, de 1995, “Zellig Hiroshima”, de 1997, e mesmo “Cidade e seu duplo”, desenvolvida comigo em 1994, onde são evidentes as preocupações com os destinos individuais ou coletivos diante dos cataclismos naturais ou humanos.

Marco e Arte Cidade / vídeo Irmãos Guerra

Mais reservado e introspectivo – mas, ao seu modo, também muito engraçado –, Lacaz se mune do onírico, do fabular, do infantil para expressar uma visão de mundo onde as leis da natureza estão suspensas – caso das cadeiras flutuando magicamente sobre a água (“Auditório para questões delicadas”, 1989) – ou severamente prejudicadas – caso de um elefante que se equilibra pela tromba fincada no solo (“Ulysses, o elefante biruta”, 2014). O contraponto exemplar para este efeito de transparente leveza constante na obra de Guto Lacaz pode ser visto na participação de Marco do Valle na 20ª Bienal Internacional de São Paulo, de 1989, onde objetos encapados por borracha e lona se amontoam sobre um chão feito de telhas de zinco industrializadas. Aqui temos o anverso, o peso e a opacidade.

Guto e o trenzinho da Bienal / vídeo Irmãos Guerra

O encontro contou a presença de um público animado, que se divertiu com as respostas bem humoradas e perspicazes dos convidados. Para a divulgação do evento, Helena e Caio Guerra, os Irmãos Guerra, escolheram sete momentos divertidos e interessantes, onde os artistas explicam o modus operandi utilizado na realização de suas obras. Nada melhor do que dar a voz para os próprios criadores.

Marco e Hiroshima / vídeo Irmãos Guerra

notas

Sobre o Espaço Marieta, ver: GUERRA, Caio; GUERRA, Helena; PIRELLI, Giovanni; ROMANO SANTOS, Silvana; GUERRA, Abilio. Projeto Marieta. Um sonho, dois usos e muitas iniciativas. Drops, São Paulo, ano 16, n. 095.04, Vitruvius, ago. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/16.095/5655>.

sobre o autor

Abilio Guerra é professor de graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie e editor, com Silvana Romano Santos, do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.