Que o turismo de massa gera grandes inconvenientes para os moradores locais, beneficia grandes grupos empresariais em detrimento dos pequenos empreendedores e causa estragos que podem descaracterizar justamente o que torna atrativo um lugar, já sabemos. Mas também é forçoso admitir que o turismo traz empregos, aumento de renda, estimula novos negócios e melhora a qualidade urbana em muitos aspectos, via revitalizações urbanas, melhoria da infraestrutura e construção de equipamentos culturais, por exemplo.
Lisboa vivencia há alguns anos um boom turístico que têm estes dois aspectos. A cidade mudou, sem dúvida. Reabilitações urbanas deram nova vida às áreas deterioradas, com a revitalização de espaços públicos, investimentos na recuperação e retrofitização de edifícios que de outro modo, em muitos casos, estariam condenados a ruir. Novos equipamentos culturais foram construídos, como o Museu de Arquitetura, Artes e Tecnologia – MAAT, projetado pela arquiteta britânica Amanda Levete e o novo Museu dos Coches de Paulo Mendes da Rocha, em associação com os escritório MMBB arquitetos e Bak Gordon Arquitetos.
O conjunto destas obras e outras intervenções criaram um ciclo virtuoso que aqueceu o turismo e o mercado imobiliário e atraiu mais investimentos para melhoria urbana. É claro que nem todos estão ganhando nesse ciclo e há externalidades não computadas nessa equação. O preço dos imóveis encareceu, assim como os serviços públicos e o custo de vida. O resultado foi a gentrificação que expulsou moradores e comerciantes antigos dos bairros revitalizados.
Há outros exemplos negativos do turismo de massa em Lisboa que, por outro lado, também beneficiam uma parte da população. Grandes transatlânticos que aportam no Tejo, e podem ter a altura de um prédio de 16 pavimentos, são uma interferência incômoda na bela vista que se descortina dos miradouros de Alfama, mas trazem levas de turistas que aumentam os lucros de restaurantes e lojistas, dentre outros. Os tuk-tuks a gasolina, que criaram uma alternativa de renda para muitos lisboetas, causam barulho e poluição nos outrora bairros tranquilos da cidade. Prédios deteriorados se transformam em edifícios restaurados onde surgem hotéis e novos apartamentos arrendados via Airnb, que a despeito do ganho que proporcionam a muitos, provocam a antipatia de moradores e elevaram em demasia o preço dos aluguéis.
Lisboa também ganhou em animação urbana, que às vezes se transforma em perturbação do sossego de outrora. Diga-se da famosa Rua Augusta, na Baixa, antes quase sempre deserta à noite e atualmente tão apinhada de gente que se iguala na dificuldade de mobilidade às ruelas de Veneza, bem mais estreitas.
O dinamismo econômico trazido pelo turismo de massa, que recém descobriu Lisboa, renovou a cidade e ajudou a amenizar os efeitos da crise de 2008, que ainda perduram. Uma parte dos lisboetas, contudo têm crescentemente questionado os ganhos advindos desse turismo massivo. Coisa que já se passou de forma semelhante em Barcelona e levou à adoção de medidas de controle da atividade turística e imobiliária, não sem resistência dos setores que lucram com elas. Na verdade Barcelona, que tem 2 milhões de habitantes e recebe 7,5 milhões de turistas por ano, quer evitar o que comprometeu Veneza, que tem 60 mil habitantes e recebe 20 milhões de turistas por ano. Dados recentes dão conta que quase 50% dos venezianos abandonaram a cidade nos últimos trinta anos, expulsos pelo encarecimento da vida e dos imóveis e pelo caos turístico.
Lisboa quer aprender com as experiências de Veneza e Barcelona e não vender literalmente a sua alma poética ao turismo de massa. Mas sabe que não é fácil corrigir os seus excessos sem inibir os benefícios econômicos e urbanos que ele traz. Enquanto isso, nós, os turistas, nos apressamos em visitar Lisboa antes que o turismo de massa destrua a sua atmosfera mágica, sem levar em conta que, tal qual na tragédia dos comuns, só estamos contribuindo para abreviar essa destruição.
sobre o autor
Sérgio Jatobá é arquiteto e urbanista (UnB, 1981). Doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB/Universidad de Valladolid, 2006). Gerente de Estudos Urbanos da Codeplan/GDF. Pesquisador do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais – NEUR e do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. Foi pesquisador bolsista do IPEA.