No estado da Bahia a região geográfica que circunda a Baía de Todos-os-Santos é denominada Recôncavo. Um lugar de encontros: entre as águas doces e o mar; entre a Mata Atlântida e um pouco da caatinga e do cerrado; entre a serra e margens da Baía e dos rios que nela deságuam; entre a capital Salvador – uma das cidades mais populosas do país – e pequenas cidades como Santo Amaro, Cachoeira, São Félix e Maragogipe.
Saindo de Salvador rumo à cidade de Cachoeira atravessa-se Santo Amaro. Local repleto de histórias e encantos cujos registros incluem a presença indígena, lá pelos anos 1000, e a fundação da cidade no século 16. Ao chegar de carro em cidades históricas parece que todos os caminhos levam à praça e à igreja matriz. Mas se tratando de Santo Amaro surge uma relevante questão: onde fica a casa de Dona Canô? A mãe de Maria Bethânia e de Caetano Veloso, que dá nome a um teatro da cidade, tem sua casa indicada por grandes placas de sinalização de turismo. Após circular um pouco e não encontrar a casa da Dona Canô o GPS foi acionado. Essa ajuda tecnológica não foi bem-sucedida. Então os moradores foram acionados. Muitos solícitos diziam: – É logo ali. E indicavam o caminho. Depois de umas três ou quatro indicações desse tipo, a casa não foi localizada e a sensação foi de que tínhamos passado na frente dela, mas por ser uma casa “comum” não percebemos. O que uma simples fachada de uma casa pode ter de diferente das outras?
Segue a viagem.
O destino era Cachoeira, cujo pórtico de acesso informa: “Cachoeira heroica e monumento nacional”. O conjunto arquitetônico e paisagístico da cidade foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Iphan, em 1971. Em Cachoeira encontram-se belo conjunto arquitetônico formado em diferentes épocas; a prazerosa orla do Rio Paraguaçu – com várias opções de lazer com vista para o pôr do sol –; a charmosa Imperial Ponte Dom Pedro II construída em ferro; e expressões únicas de religiosidade como a Festa da Boa Morte promovida em agosto pela Irmandade da Boa Morte. Tudo acompanhado pela mais típica culinária baiana e ao som do Samba de Roda. Vale lembrar que o Samba de Roda do Recôncavo Baiano foi inscrito em 2008 na Lista Representativa do Patrimônio Imaterial da Humanidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, Unesco.
Flanando pela cidade se apreende um pouco da história e cultura locais e se percebe que no Recôncavo a fachada de uma casa não é, obrigatoriamente, “a simples fachada de uma casa”. A variedade de cores, texturas, materiais e geometria das casas de Cachoeira é fascinante.
Na outra margem do Rio Paraguaçu encontra-se a cidade de São Félix. Ao cruzar a Imperial Ponte pode-se observar Cachoeira do outro lado do Rio, desbravar o centro histórico de São Félix e deparar-se com mais casas típicas do Recôncavo.
Um dos bairros de São Félix é marcado por uma rua ao logo da qual a cidade se desenvolve. Depois da última casa, seguindo uns 20 Km, chega-se à Maragogipe. Lá encontra-se mais das tais casas com fachadas encantadoras.
Em meio à herança cultural comum ao Recôncavo, as cidades de Cachoeira, São Félix e Maragogipe abrigam diferentes tipos de patrimônio, sejam materiais ou imateriais, que instigam seus moradores e visitantes a conhecer mais da história e da cultura daquela região. Caminhar entre os chamados pontos turísticos – igrejas, praças, museus, casarões – e poder admirar um pouco da cultura visual nas fachadas dessas anônimas casas locais é um privilégio. E quanto a Casa da Dona Canô, verei na próxima viagem. Com certeza voltarei ao Recôncavo.
sobre o autor
Eduardo Oliveira Soares é arquiteto e urbanista (UFPEL, 1995), especialista em Reabilitação Ambiental Sustentável Arquitetônica e Urbanística (UnB, 2008), mestre em arquitetura e urbanismo (UnB, 2013) e doutorando na UnB/FAU, tendo como tema de pesquisa as narrativas fotográficas. Trabalha na Universidade de Brasília.