Como arquiteta, urbanista e paisagista sempre que possível dou preferência em viajar nas minhas férias. Não foi diferente em julho de 2018, quanto fui para os Estados Unidos e pude conhecer, durante quinze dias, a Big Appel (Grande Maçã), como é conhecida a cidade de New York (ou Nova York, em português).
Um dos passeios que mais me chamou atenção foi para a Governors Island (Ilha do Governo), bem próximo a Manhattan e ao Brooklyn, com 172 acres, ou cerca de 70 mil m². O acesso é somente por balsa e está aberto ao público todos os dias da semana, entre 1º de maio e 31 de outubro. Além do acesso à ilha, o passeio de balsa permite uma nova visão da cidade, em um ângulo privilegiado.
O local contém uma antiga base militar abandonada. Havia boliche, motel, escola, lanchonetes, pois muitas famílias habitaram o local. Hoje é considerado destino para recreação, cultura e inovação, com maior liberdade para as crianças. Local seguro, diferente da agitação de Manhattan, onde não é possível entrar de carro, ou seja, toda a área é exclusiva para pedestres e ciclistas, permitindo maior caminhabilidade, bastante discutida no urbanismo contemporâneo. Há foodtrucks espalhados e locais para pequenas apresentações musicais.
Toda a ilha permite uma vista surpreendente para Nova York. Manhattan, Estátua da Liberdade, Brooklyn, além do porto com a entrada de grandes navios. É curioso observar que a maioria das edificações estão vazias, algumas contêm exposições de arte e áreas administrativas.
O Conselho Administrativo da ilha apresenta um programa cultural diferente a cada ano. Há uma série de exposições, concertos e mercados culturais e de arte. Mas a melhor maneira de ter uma ideia geral de Governors Island é de bicicleta. É possível conhecer a parte histórica e as recém-construídas.
Durante o percurso, além das exposições, é possível encontrar cursos de pequena duração sobre botânica, educação ambiental, jardinagem, compostagem, além do projeto com abelhas. Além do ciclismo e corrida, outros esportes podem ser praticados, como pesca (com autorização individual dada pelo Governo), golfe, o famoso baseball e até tirolesa! Mas o curioso mesmo é a possibilidade de acampar em retiros coletivos. A ilha acomoda até oitenta hóspedes e oferece serviço completo; não é um camping comum, pois as pessoas podem escolher tendas privativas com banheiros ou contêineres modulares, bem como barracas premium com banheiros compartilhados.
Após a visita fiquei muito curiosa em pesquisar a história do local, que começa no século 16. (1). No ano de 1524 os nativos americanos de Manhattan, conhecidos como Lenape, utilizavam a ilha para pesca, conhecida por eles como Pagganuck, ou Ilha das Nozes, devido a abundantes nogueiras, carvalhos e castanheiras existentes no local.
Um século depois, em 1624, a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais chegou a Nova Amsterdã, como Nova York era conhecida, montou um acampamento na ilha e chamou o local de ilha de “Noten Eylandt”. Os novos habitantes construíram um forte para se protegerem no local.
Poucos anos depois, em 1637, Wouter Van Twiller, diretor da referida companhia holandesa, comprou a ilha dos nativos por duas cabeças de machado, um colar de contas e um punhado de pregos, como registrado historicamente. Apesar de ser o representante oficial da Companhia, o governo holandês confiscou a propriedade um ano depois.
Em 1664, os ingleses conquistaram Nova Amsterdã, deram o nome de Nova York e tomaram a área. Em 1699 a ilha foi renomeada para Governors Island, para acomodação dos governadores britânicos e Sua Majestade, o então Rei Guilherme III.
Durante a Revolução Americana, em 1776, os britânicos foram incapazes de continuar ocupando Nova York, se retiraram para o Canadá, com a intenção de retornar à cidade. Na retirada, as tropas continentais fortaleceram a ilha para impedir o avanço da Marinha Real Britânica, contudo na conhecida Batalha do Brooklyn, o exército britânico dominou o general George Washington e as forças americanas recuaram, sendo a ilha novamente ocupada pelos britânicos e usada como base militar no restante da Revolução Americana.
Somente após a Guerra Revolucionária as tropas se retiraram da cidade, em 25 de novembro de 1783, conhecido como o “Dia da Evacuação”. Após esse período o estado de Nova York herdou todas as terras pertencentes aos britânicos, incluindo a Governors Island. Posteriormente, em 1794, o governo fortaleceu o porto, com um sistema de defesas costeiras, construindo outro forte, mais tarde chamado de Fort Jay, no centro da Ilha. Em 1800, Nova York transformou a ilha em base militar. Entre 1806 e 1809 o exército americano reconstruiu o segundo forte, o Castelo Williams, em frente ao porto. Em 1812 um terceiro forte foi construído, durante a Guerra Anglo Americana, em que as tropas se concentraram no local.
A ilha também foi base para a Guerra Civil americana, entre 1861 e 1865. O Fort Jay e o Castelo Williams foram transformados em cadeias para os prisioneiros confederados e os policiais presos podiam passear na ilha em seu tempo livre.
Durante a década de 1870, o exército americano construiu seis casas de novos generais na ilha para abrigar escritórios de oficiais. Em 1878, a Governors Island evoluiu de um pequeno posto militar para um quartel-general e guarnição do exército e abrigava, também, a família dos militares.
No início do século 20 a ilha sofreu mudanças. Sua área foi aumentada em 40m² devido ao depósito de pedras e terra da escavação do metrô e da drenagem do porto, depositadas no local, aumentando para o tamanho atual, em 1912. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1818), a 22ª Infantaria permaneceu na ilha, protegendo o depósito de suprimentos e a infraestrutura vital entre Nova York e Washington, D.C.
Entre as duas guerras mundiais, a ilha serviu como sede para as forças terrestres e aéreas do exército americano. Na década de 1960, novos quartéis e prédios de apartamentos foram construídos na parte sul, permanecendo como uso militar até novembro de 1964. Após essa data o Departamento de Defesa dos EUA anunciou o fechamento da Governors Island.
Em 1966, a administração da ilha foi transferida à Guarda Costeira dos Estados Unidos, com uma comunidade residencial independente de aproximadamente 3.000 habitantes. E, acredite, havia um “Burger King” (restaurante popular de hambúrguer) no local, o único dos Estados Unidos que vendia cerveja.
Como medida de redução de custos, a Guarda Costeira fechou suas instalações na ilha em 1995. No ano seguinte todas as pessoas foram realocadas, era o fim de uma era para milhares de famílias da Guarda Costeira e do Exército que habitavam no local.
No ano de 2003, o Governo Federal vendeu quase todo o território da ilha (60 mil m²) para as pessoas da cidade e do estado de Nova York com escrituras que asseguravam que grande parte da ilha seria ocupada para benefício público, ou seja, uma pequena parcela ainda pode ser utilizada de forma privada. No mesmo ano foi aberta aos visitantes, mas somente em 2006 tornou-se ponto turístico da cidade e a linha de balsa deu acesso à ilha, abrindo visitação a pedestres e ciclistas. Em 2009 foram feitas pistas de caminhada e ciclismo, com cerca de 3.500 metros de extensão e uma área para piquenique na área sul.
Outros usos foram inseridos no local, não somente lazer. Alguns edifícios abandonados foram restaurados e utilizados para fornecer educação preparatória para a faculdade, além de áreas artísticas e de exposições públicas. Exposições essas que atraem, em média, 70 artistas por ano. Algumas construções, porém, foram demolidas, mas para dar espaço a áreas abertas para campos, quadras de esportes e até área para minigolfe.
Enfim, para conhecer o local o governo de Nova York possui um transporte público de balsas que dá acesso a diversos pontos estratégicos da cidade, como forma de melhorar a mobilidade urbana. Durante a semana, a Governors Island Ferry (nome da linha de acesso) passa uma vez a cada hora, aproximadamente, e a cada meia hora nos finais de semana. A balsa parte do Battery Maritime Building, localizado na 10 South Street (leste da Staten Island Ferry) em Lower Manhattan, e custa $3,00 dólares. Durante os fins de semana no verão também é possível utilizar a NYC Ferry. Entre as 10h00 e 17h00, as balsas East River Route e South Brooklyn Route vão para Governors Island, cerca de uma vez a cada hora.
O passeio foi uma ótima experiência, pois a ilha mostra que é possível ter mais qualidade de vida também e que espaços abertos de lazer são importantes para unir famílias, exercitar, descansar, brincar, mesmo na cidade que nunca dorme!
nota
1
A pesquisa foi baseada no website oficial do Conselho Administrativo de Governors Island. <https://govisland.com>.
sobre a autora
Lidiane Espindula é mestre em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes. Pós-graduada em Paisagismo e Plantas Ornamentais pela Universidade Federal de Lavras – Ufla. Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Ufes.