O Park Hotel São Clemente, em Nova Friburgo, tem origem curiosa: foi encomendado a Lúcio Costa para abrigar os interessados em comprar terrenos na gleba urbanizada pela família Guinle. O número reduzido de quartos – são apenas dez – está em clara desproporção com as áreas comuns, que ocupam praticamente a mesma área. Esta escolha, aparentemente insuficiente para dar sustentabilidade econômica ao empreendimento, foi suficiente para cumprir seu papel original de ser mais abrigo do que hotel. Desde sua abertura, em 1944, o proprietário do Park Hotel, o engenheiro César Guinle – neto do bilionário fundador da Companhia Docas de Santos – contratou estrangeiros experientes para a sua gerência, que administraram até o início dos anos 1960, quando já não havia mais lotes a vender.
O hotel não demorou a ser reconhecido pelo meio arquitetônico nacional, mas ganhou expressão internacional ao ser publicado em 1956 no livro de Henrique Mindlin, Modern Architecture in Brazil (1). O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Cultural – Iphan tombou a obra em 1985, devido aos méritos incontestáveis do seu projeto arquitetônico, como se verifica na arguta e profunda argumentação de Carlos Eduardo Comas (2). Aqui apenas registramos que nesta edificação o arquiteto Lúcio Costa chega à fórmula perfeita de seu projeto cultural de realizar a síntese entre tradição e modernidade, utilizando-se de material vernacular – madeira e pedra – e elementos construtivos da tradição – telhados cerâmicos, varandas, treliçados – no arranjo que transpira a mais legítima modernidade: separação entre estrutura e vedação, divisão funcional, transparência dos planos de vidro, orientação única do renque de quartos, estruturação formal ritmada em rígida proporção geométrica. Uma beleza pura e genuína, como poucas vezes se viu em nossa arquitetura.
Ao invés de ser demolido, como era o plano original, ele se manteve em funcionamento graças ao público fiel, que lotava suas dependências ao longo do ano. O sucesso pode ser atribuído a dois fatores: à já mencionada excepcionalidade do projeto arquitetônico e à excelência dos serviços de hotelaria. Segundo os herdeiros Maria Helena Flores Guinle e Luiz Guinle, o Park Hotel “tornou-se um pequeno hotel de referência para os habitantes do Rio de Janeiro que vinham à serra passar férias de verão, feriados e fins de semana” (3). O hotel foi arrendado por Irene Peterdi, de origem húngara, de 1963 a 1999. Durante estas mais de três décadas o hotel sofreu algumas intervenções, as principais nos anos 1970: banheiros e cozinha foram reformados, e uma piscina e uma sauna elétrica, muito solicitadas pelos hóspedes, foram construídas. Decadente devido a mudanças profundas operadas pelo turismo de massa, o hotel foi fechado em 2003. A partir daí a propriedade passou por crônicas dificuldades financeiras, implicando em deterioração da edificação (4), situação que foi se agravando até os dias de hoje.
Duas propostas enquadradas na Lei Rouanet foram encaminhadas pelos proprietários e aprovadas pelo extinto Ministério da Cultura em 1999 e 2003, mas a captação de recursos fracassou e as propostas expiraram. Em 2007, o designer Gilberto Paim divulgou o manifesto “SOS Park Hotel”, divulgado na ocasião pela extinta revista Agitprop. Seu duro diagnóstico dá uma boa imagem da situação naquela ocasião: “lamentavelmente, porém, o hotel encontra-se fechado há quase quatro anos, sem perspectiva de reabertura, carecendo de um leque de reformas estruturais, hidráulicas, elétricas etc... Em 2003 o Iphan aprovou uma verba para a reforma do telhado a ser realizada com o hotel em funcionamento, porém demorou a liberá-la. A obra foi mal conduzida, num verão excepcionalmente chuvoso, agravando a fragilidade acumulada ao longo de várias décadas e precipitando o seu fechamento” (5). Desde então, a situação não melhorou. O Park Hotel continua propriedade da família Guinle, mas hoje, sem o poder econômico e a inserção política de outrora – caso do próprio Estado do Rio de Janeiro –, não consegue mais viabilizar a manutenção adequada do edifício.
Ao visitar o hotel em março deste ano, arquiteto Victor Hugo Mori, funcionário de carreira do Iphan, encontrou o imóvel fechado e abandonado, com vidros e caixilhos estourados, os móveis e objetos desenhados pelo “Dr. Lúcio” – cadeiras, camas, luminárias etc. – amontoados e desaparecendo. Segundo Mori, para estancar o rápido deterioro do edifício são necessários poucos recursos para limpar, lavar, higienizar, reparar telhados e vedações (mesmo que de forma provisória), fazer raros escoramentos nos terraços e tratamento de cupins. Com isso se asseguraria sua permanência, abrindo espaço para o inevitável – e interminável debate sobre sustentabilidade econômica, programa de uso, devolução social, se a Carta de Veneza se aplica em construções de madeira (como esta, ou casas vernáculas, ou o Casarão do Chá em Mogi) e se as últimas obras realizadas na edificação foram ou não prejudiciais... Mas, de imediato, “não é hora de chamar junta médica especializada do Einstein, mas de internar no pronto-socorro da esquina”, afirma de forma categórica o arquiteto do Iphan.
Victor Hugo Mori conclui seu depoimento, dado por e-mail, contando um divertido – e, em alguma medida, melancólico – fato ocorrido em sua inspeção extraoficial: “visitei o Park Hotel com Antonio Sarasá (6) e demos muita sorte; um vigia contratado estava tentando trocar um vidro que uma pomba acabara de quebrar. O Toninho se prontificou a fazer o conserto, pois o rapaz nem sabia como proceder. Depois do rápido reparo, o vigia abriu o lugar para eu fotografar. Deu vontade de chorar, pois eu conhecia as fotos do Marcos Carrilho, feitas quando o hotel ainda tentava sobreviver, arrendado por uma mulher que acabou desistindo”. Termino a narrativa desejando que se cumpra o desejo já antigo de Eliane Lordello, pois permitirá que o hotel volte ao circuito turístico e que todos os que adoram a boa arquitetura possam lá se hospedar:
“Há que se trabalhar e torcer para que o Park Hotel possa ter melhor sina do que a que hoje apresenta” (7).
notas
1
MINDLIN, Henrique. Modern Architecture in Brazil. 1a edição. Rio de Janeiro, Colibris, 1956, p. 106-107.
2
COMAS, Carlos Eduardo Dias. Arquitetura moderna, estilo campestre. Hotel, Parque São Clemente. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 123.00, Vitruvius, ago. 2010 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.123/3513>.
3
GUERRA, Abilio. Maria Helena Flores Guinle e Luiz Guinle. SOS Park Hotel, já! Entrevista, São Paulo, ano 09, n. 035.04, Vitruvius, jul. 2008 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/09.035/3284>.
4
CORRÊA, Juliana Sicuro; PIQUET, Marina Peregrino. Park hotel, a urgência de uma ação. Anais do 7o Seminário Docomomo Brasil – O moderno já passado / O passado no moderno. Porto Alegre, 22 a 24 de outubro de 2007 <http://docomomo.org.br/wp-content/uploads/2016/01/030.pdf>.
5
PAIM, Gilberto. SOS Park Hotel. Agitprop, n. 1, São Paulo, jan. 2008 <www.agitprop.com.br/index.cfm?pag=atualidades_det&id=27&titulo=atualidades>. A revista Agitprop, dirigida por Ethel Leon e Marcelo Montore, fazia parte do Portal Vitruvius e se autonomizou durante a modernização do portal no ano 2000.
6
Antonio Luís Ramos Sarasá Martin é especialista em obras de restauro e diretor do Estúdio Sarasá Conservação e Restauração.
7
LORDELLO, Eliane. Por um futuro mais doce para o Park Hotel. Minha Cidade, São Paulo, ano 08, n. 095.02, Vitruvius, jun. 2008 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/08.095/1889>.
sobre os autores
Abilio Guerra é professor de graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie e editor, com Silvana Romano Santos, do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.
Victor Hugo Mori é arquiteto do Iphan São Paulo desde 1987. Autor de Arquitetura militar: um panorama histórico a partir do Porto de Santos (Imesp/Funceb, 2003) e organizador de Patrimônio: atualizando o debate (Iphan/Dersa, 2006).