Para todo espaço público concebido existe a ambição de obtenção de resultados favoráveis, mostrando que os espaços estimulam e produzem interações entre as pessoas e também das pessoas com o espaço. Jeniffer Heeman e Paola Caiuby Santiago (1) mencionam que “um processo bem-sucedido de placemaking cria valor em cima dos ativos da comunidade, das suas inspirações e de seus potenciais, desenvolvendo espaços púbicos que promovam saúde, felicidade e bem-estar para as pessoas”. Assim, esse trabalho tem como objetivo apresentar uma análise teórica-experiencial do projeto Parque das Ruínas e Museu Chácara do Céu, situado na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil.
A análise busca refletir sobre os parâmetros estabelecidos pelo Guia do Espaço Público: para inspirar e transformar, publicado por Heeman e Santiago (2). De acordo com as autoras, os espaços públicos bem-sucedidos apresentam quatro qualidades fundamentais, eles devem ser: acessíveis – facilidade de acesso para todas as pessoas no espaço, inclusive aquelas com dificuldade de locomoção; ativos – diferentes atividades e formas de uso; confortáveis – serem convidativos com espaços de permanência que visem o conforto do usuário; e sociáveis – espaço de encontro.
Da edificação à ruína
Por ter ficado fora dos planos urbanísticos propostos para o Rio de Janeiro, o bairro Santa Tereza manteve-se preservado pelo abandono (3). O traçado sinuoso das ruas, seus casarões e o bonde, hoje, abrigam museus, centros culturais e um parque. Dentro desse contexto, o Parque das Ruínas foi criado como anexo do Museu da Chácara do Céu. Localizado na Rua Murtinho Nobre, o local possui uma edificação datada do século 19, o qual foi propriedade de Laurinda Santos Lobo, conhecida como Marechala da Elegância (4). A edificação sofreu, ao longo dos anos, várias reformas, sendo, inclusive, algumas de autoria da proprietária. Em 1946, com a morte de Laurinda, a casa e toda a coleção de artes foram legadas à Sociedade Hanemaniana, que não conseguiu mantê-la. Com isso, a residência foi abandonada, saqueada e ocupada por mendigos e traficantes, fazendo com que a casa chegasse ao estágio de ruína (5).
A concepção do Parque das Ruínas
A necessidade de interligar um terreno vazio, o terreno da casa em ruínas e a Chácara do Céu, em níveis topográficos diferentes, juntamente com a revitalização destes espaços fizeram com que a abordagem do projeto fosse considerada como uma proposta a nível de micro-urbanismo (6).
Ernani Freire e Sônia Lopes foram os responsáveis pelo projeto e, para a elaboração da proposta, utilizaram como principais conceitos: a exploração da estrutura como ruína, levando-se em conta que a ruína foi considerada melhor que a casa que a produziu; e o estabelecimento entre o Parque e o Museu da Chácara do Céu. Por meio desses conceitos, os arquitetos dividiram o projeto em duas escalas. Uma delas foi a escala da arquitetura, implantando um programa para atender as necessidades de ampliação e a complementação das atividades existentes no museu, e, a outra, foi a escala urbana, trabalhando com o entorno das edificações e incorporando um terceiro terreno para atividades ao ar livre (7).
Sem a intenção de restaurar a arquitetura original, os arquitetos buscaram preservar, na ruína, a atmosfera de mistério. Todo o projeto foi elaborado como um lugar de passagem, com a presença de escadas e passarelas metálicas, de forma a propiciar ao usuário, em todos os vãos, a percepção de quadros com imagens do Rio de Janeiro. Os únicos fechamentos realizados nessa obra foram feitos com vidro, para que não fosse alterada a iluminação natural existente. Por esse mesmo motivo, a cobertura também foi recuperada com estrutura metálica e vidro (8).
O projeto da edificação é composto basicamente por três pavimentos principais. No primeiro, à nível do terraço, encontra-se uma cafeteria e um amplo espaço aberto. No segundo, localizado ao ponto mais alto da edificação, está o mirante, de onde é possível ter uma vista panorâmica da cidade do Rio de Janeiro. E, por fim, o pavimento semienterrado, o qual possui toda a parte funcional do projeto, que é composta por: auditório (100 lugares), sala de exposições temporárias, copa, administração, depósito e banheiros públicos (9).
No terreno vazio e plano, que foi adicionado ao projeto a fim de criar um espaço para atividades ao ar livre, foram construídos palco para eventos, camarins e banheiros públicos. O espaço também possui a composição de jardins, com um amplo espaço para realização de atividades e/ou estruturas efêmeras não definidas em programa (10).
O Parque das Ruínas foi construído por meio de um convênio operacional entre o Governo Federal, Ministério da Cultura e a Fundação de Parques e Jardins da Prefeitura do Rio de Janeiro. O parque, então, foi elaborado como anexo do Museu Chácara do Céu. Esse museu possui um rico acervo de obras, do qual fazem parte Dali, Picasso, Debret, entre outros. (11).
A flexibilidade do espaço
Um aspecto importante considerado para a escolha dessa obra foi a não necessidade de discussão do conteúdo apresentado internamente pelo lugar, uma vez que será analisado o objeto. Ou seja, o estudo busca analisar a contextualização da inserção do equipamento, como ele foi inserido e suas implicações na relação espaço públicos flexíveis e turismo urbano. Dessa forma, percebe-se que a flexibilidade de um projeto vai além de um uso pré-definido.
Os materiais empregados na obra também se apresentam relevantes para a intervenção no local. Dentre alguns, destaca-se a inserção de estruturas metálicas, que, além de contribuir esteticamente, funcionam como estabilizador da frágil estrutura das ruínas; pode-se, ainda, citar a utilização do fechamento em vidro, que permite uma boa relação do interior com o exterior, propiciando ao público uma experiência visual única (12), observando-se, assim, a importância da intervenção na contextualização histórica da região. Além disso, verifica-se a elaboração de um programa flexível para atender a população local e ao turismo da cidade.
O contexto social e a obra
De acordo com Rio (13), por ser ligado à prefeitura, o Parque das Ruínas é voltado para a produção e a difusão de formas e expressões artísticas, como as artes visuais, as artes cênicas, a música, a dança e o cinema. O local recebe e realiza projetos de novos e/ou já consagrados artistas e promove, por meio de oficinas e palestras, a cultura e a qualificação pessoal.
O Parque das Ruínas também agrega valor ao turismo da cidade do Rio de Janeiro, pois, além de atrair turistas brasileiros, estrangeiros de todos os lugares do mundo também passam pelo local (5). Isso ocorre não somente pela vista propiciada, mas também pela possibilidade de contato direto com artistas e manifestações da cultura carioca.
Para Moraes, Goudard e Oliveira (14), não adianta implantar um equipamento urbano sem analisar a contextualização do local. Eles relatam que é importante saber sobre as características locais, de forma a organizar e qualificar o espaço como um local de referência para a comunidade. Desta forma, por meio de um estudo com a comunidade local, chegou-se à conclusão da necessidade de um programa pré-estabelecido, que hoje é formado por teatro, galeria de exposição e palco externo (como suporte para as atividades da comunidade), além de áreas externas, como jardins, terraços panorâmicos e o mirante, promovendo lazer para a comunidade local e o turismo para visitantes (15).
Por fim, Rio (16) cita que é perceptível o compromisso do espaço com o valor histórico e cultural da região, reforçando sua relação com a preservação da memória do bairro Santa Tereza. Isso porque o espaço agrega valor para a comunidade local, dando visibilidade ao bairro e a história, fatores determinantes para citá-lo como um espaço bem-sucedido na cidade do Rio de Janeiro.
Acesso, conforto, uso e sociabilidade: uma análise experiencial
Utilizando da Teoria de Espaço Público bem-sucedido de Heeman e Santiago (17), e das percepções pessoais do autor, esta seção analisa o Parque das Ruínas nos seguintes aspectos: Acessos e Conexões, Conforto e Imagem, Usos e Atividades, e Sociabilidade.
Avaliando o espaço na experiência de visibilidade, percebe-se um grande potencial dele por meio da rede de turismo da cidade do Rio de Janeiro, proporcionado pela grande visibilidade do bairro Santa Tereza, onde o equipamento está inserido. Mas, quando é analisado em termos da facilidade de acesso, percebe-se um certo preconceito pelo espaço estar inserido em um bairro tradicional, com ruas de calçamento em pedras irregulares, sendo favorecido o acesso por pedestres. Além disso, o acesso por diferentes meios de transporte é afetado, uma vez que não existe uma linha de transporte público que leve o usuário até o local, o que faz com que seja necessário percorrer uma parte do trajeto a pé. Outro problema é que, ao fazer-se uma análise isolada do equipamento, observa-se que ele não atende às pessoas com necessidades especiais. Isso acontece porque o Parque das Ruinas não possui rampas para acesso adentro das ruinas e nem ao mirante, o que torna o uso restrito para pessoas com mobilidade reduzida.
Quanto ao Conforto e Imagem, o espaço é agradável aos usuários e é perceptível a constante manutenção do espaço. O local possui cafeteria como ponto de encontro e mobiliário no entorno da edificação, de forma a se tornar um espaço não só de visitação e passagem. Um ponto negativo no aspecto de conforto se dá pela ausência de segurança pública no local.
Em relação aos Usos e Atividades, o espaço é palco para diferentes grupos sociais, gênero e faixa etária. O espaço promove atividades ao ar livre para a terceira idade, é paisagem para o álbum fotográfico de diversas pessoas, e também serve como um ponto de encontro para grupos sociais. Além disso, por se tratar de uma forma de uso do espaço como local de contemplação, o turismo também é um fator importante nesse aspecto, reforçando a conformação do lugar como um espaço de visitação daqueles que não são residentes do local.
Por fim, destaca-se que o Parque das Ruínas é um espaço atraente não só para a população local como também para os turistas que estão na cidade. O que é necessário é apenas a revisão e reestruturação do local nos quesitos de acessibilidade e segurança local, de forma a potencializar e propiciar para todos uma utilização completa do espaço.
notas
1
HEEMAN, Jeniffer; SANTIAGO, Paola Caiuby. Guia do Espaço Público para Inspirar e Transformar. Conexão Cultural; Bela Rua, 2015, p. 11.
2
Idem, ibidem.
3
FREIRE, Ernani. Obra do tempo – Parque das Ruínas. AU - Arquitetura Urbanismo, n. 78, São Paulo, 1998
4
Idem, ibidem.
5
Idem, ibidem.
6
Idem, ibidem.
7
FREIRE, Ernani; LOPES, Sônia. Memorial descritivo. Parque das Ruínas: Anexo do Museu da Chácara do Céu. Rio de Janeiro, Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro/Iphan, 1997.
8
Idem, ibidem.
9
Idem, ibidem.
10
Obra do tempo Parque das Ruínas (op. cit.).
11
Idem, ibidem.
12
MORAES, Carolina Albuquerque de; RIBEIRO, Luiz Fernando Loureiro. Intervenções metálicas em edificações de valor histórico e cultural: estudos de caso de interfaces. Revista Construção Metálica, n. 113, 2014, p. 38-41.
13
Centro Cultural Municipal Parque das Ruínas. Museus do Rio, 2013 <www.museusdorio.com.br/joomla/index.php?option=com_k2&view=item&id=18:centro-cultural-municipal-parque-das-ruÃnas>.
14
MORAES, Anselmo Fábio de; GOUDARD, Beatriz; OLIVEIRA, Roberto de. Reflexões sobre a cidade, seus equipamentos urbanos e a influência destes na qualidade de vida da população. Interthesis, Florianópolis, v. 5, n. 2, nov. 2008, p. 93-103.
15
Centro Cultural Municipal Parque das Ruínas (op. cit.).
16
Idem, ibidem.
17
HEEMAN, Jeniffer; SANTIAGO, Paola Caiuby. Op. cit.
sobre o autor
Gustavo Henrique Campos de Faria é arquiteto e urbanista (Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix) e mestrando em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade (PPGAU UFSC). Atua nos temas mídias digitais, espaços públicos abertos, planejamento urbano e cidades inteligentes.