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architectourism ISSN 1982-9930

Crepúsculo em São Paulo. Foto Claudia Stinco

abstracts

português
Turistas visitam Gion em Kyoto, a procura de gueixas. Mas, além da presença delas, e da boa gastronomia, o bairro tem construções tradicionais que remontam ao ano 656 e uma atmosfera urbana e arquitetônica que evoca o Japão Antigo.

english
Tourists visit Gion in Kyoto, looking for geishas. However, in addition to their presence and good cuisine, the neighborhood has traditional buildings dating back to the year 656 and an urban and architectural atmosphere that evokes the Ancient Japan.

español
Los turistas visitan Gion en Kyoto, en busca de geishas. Además de su presencia y de la buena cocina, el barrio tiene edificios tradicionales que datan del año 656 y un ambiente urbano y arquitectónico que evoca el Japón Antiguo.


how to quote

JATOBÁ, Sérgio. Gion além das gueixas de Kyoto. Arquiteturismo, São Paulo, ano 14, n. 161.03, Vitruvius, ago. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/14.161/7855>.


As gueixas sempre habitaram o imaginário de ocidentais, mas geralmente de uma maneira distorcida. Como ainda se acredita, elas não são prostitutas de luxo e sim mulheres preparadas para o culto às artes e às tradições japonesas. A origem de tal distorção, segundo os japoneses, se dá na ocupação aliada no Japão, após a Segunda Guerra Mundial. Algumas prostitutas se vestiam como gueixas para atrair soldados americanos e se criou a ideia ocidental que relacionava serviços sexuais com gueixas. O filme Memórias de uma gueixa, de Rob Marshall, de 2005, contribuiu para reforçar essa ideia e ainda provocou reações negativas no Japão e mesmo na China, pois as atrizes principais no papel de gueixas eram chinesas.

Bairro de Gion, Kyoto, Japão
Foto Sergio Jatobá, maio 2015

Bairro de Gion, Kyoto, Japão
Foto Sergio Jatobá, maio 2015

Em Kyoto, a curiosidade pelo ofício das gueixas, faz com que Gion, o mais famoso bairro onde elas habitam, seja uma das principais atrações turísticas. Na verdade, a origem de Gion está ligada à presença no bairro e nas suas proximidades de lugares sagrados de peregrinação como o Templo xintoista Yasaka-jinja, datado do ano 656, e de outros monumentos como o Templo Kiyomizu-dera e o Pagode Yasaka No-To. A grande movimentação de pessoas nesses locais fez com que Gion surgisse como um monzenmachi ou rakugai (cidade externa), local profano, para além dos portões dos templos, que atendia a peregrinos e turistas com pousadas, casas de chá, alimentação e diversão.

Bairro de Gion, Kyoto, Japão
Foto Sergio Jatobá, maio 2015

Pagode Yasaka No-To, Kyoto, Japão
Foto Sergio Jatobá, maio 2015

A associação de Gion com um local de entretenimento remonta a muitos séculos e à prática de danças rituais de oração e entretenimentos acrobáticos que se realizavam nas planícies de inundação dos rios Kamo e Shirokawa. Posteriormente, surgiram ali pequenas tendas para performance de teatro kabuchi e a casas de chá, que se diferenciavam por servir o chá puro (mizuchaya) ou adicionado de saquê (ochaya). O bairro expandiu-se bastante após 1670 com a construção de diques para controle das enchentes e a formatação de um distrito de teatros e várias casas de chá ao longo da Rua Yamato-oji. Desde 1712, os ochaya de Gion foram licenciados para as performances de gueixas.

Templo Kiyomizu-dera, Kyoto, Japão
Foto Sergio Jatobá, maio 2015

Bairro de Gion, Kyoto, Japão
Foto Sergio Jatobá, maio 2015

O atual distrito de Gion se configurou após o grande incêndio que ocorreu em 1865. O bairro manteve suas características originais preservadas graças a um acordo silencioso que existia entre moradores de não permitir a construção de estruturas que destoassem do caráter arquitetônico local. Em 1973, um proprietário, que tinha a intenção de demolir sua ochaya tradicional para construir um prédio de quatro pavimentos, ocasionou um movimento de oposição entre moradores, que apoiados por estudiosos e historiadores, conseguiu que o bairro fosse decretado como distrito de preservação em 1975.

Bairro de Gion, Kyoto, Japão
Foto Sergio Jatobá, maio 2015

Bairro de Gion, Kyoto, Japão
Foto Sergio Jatobá, maio 2015

Desde então, as construções não podem ter mais que dois pavimentos e as fachadas são padronizadas em sete tipos de fachadas ochaya. Elas são compostas geralmente por janelas e portas de treliça de madeira (degoshi) e cortinas curtas decoradas com brasões de família ou outros desenhos japoneses colocados nas entradas (noren), no primeiro piso. No segundo piso, as grades de varanda devem ser delgadas e parcialmente escondidas por trás de cortinas telas leves de bambu (oisudare). A composição resultante é delicada e elegante, criando uma harmônica unidade arquitetônica e urbanística que não soa monótona e nem uniforme.

Pagode Yasaka No-To e Bairro de Gion, Kyoto, Japão
Foto Sergio Jatobá, maio 2015

Bairro de Gion, Kyoto, Japão
Foto Sergio Jatobá, maio 2015

As gueixas de Gion costumam sair de suas casas no final da tarde e por isso o número de visitantes aumenta bastante nesse horário. Mas são poucos os que conseguem vê-las nas ruas. Elas se dirigem para teatros onde fazem apresentações às noites e, ali, pagando ingresso, se consegue assisti-las em apresentações de dança (dasmaiko), música (koto e gagaku ),  teatro (kyogen e bunraku ), cerimônia do chá (chado) e eikebana (arranjo floral).

Bairro de Gion, Kyoto, Japão
Foto Sergio Jatobá, maio 2015

Bairro de Gion, Kyoto, Japão
Foto Sergio Jatobá, maio 2015

Em julho de 2019, incomodada com algumas atitudes consideradas inadequadas de turistas, a Prefeitura de Kyoto começou a distribuir um guia de etiqueta aos visitantes do bairro. À moda japonesa, ao invés de aplicação de taxas e multas, procura-se apostar na educação e na cortesia, pois o guia é entregue junto com uma pequena sacola de guloseimas. Uma das mensagens chama a atenção para a necessidade de pedir autorização antes de querer fazer selfies com gueixas e nunca as tocar sem consentimento.

Bairro de Gion, Kyoto, Japão
Foto Sergio Jatobá, maio 2015

Bairro de Gion, Kyoto, Japão
Foto Sergio Jatobá, maio 2015

Com gueixas ou sem elas, Gion, é um bairro tradicional que evoca o Japão antigo, com suas vielas, casas típicas do período Edo e ruas com calçamento em pedra. Após o frenesi dos turistas, pode se apreciá-lo ao cair da tarde na sua atmosfera oriental de calma e serena beleza. O suave tom amarelado da iluminação das tortuosas ruelas casa-se com a azul exuberante do céu e é possível se sentir habitando o mundo flutuante de uma Ukiyo-ê.

Bairro de Gion, Kyoto, Japão
Foto Sergio Jatobá, maio 2015

fontes consultadas

NITSCHKE, Günter. A Sense of Place: Urban Renewal in Kyoto. Kyoto Journal, 24 nov. 2011 <https://bit.ly/2FPReU5>.

REDAÇÃO. Kyoto, no Japão, cria guia de etiqueta para turistas. Catraca Livre, São Paulo, 14 jun. 2019  <https://bit.ly/3hk2TYN>.

Gion, o bairro das gueixas – Kyoto (Japão). Esporte na Mochila, 05 mar. 2012 <https://bit.ly/3gjRl6L>.

REDAÇÃO. Saiba mais sobre as gueixas e entenda por que elas foram confundidas com prostitutas. Guia do Estudante, 16 mai. 2017 <https://bit.ly/2ElLdh0>.

sobre o autor

Sérgio Jatobá é arquiteto e urbanista (UnB, 1981). Doutor em Desenvolvimento Sustentável (UnB/Universidad de Valladolid, 2006). Pesquisador do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais – NEUR e do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. Foi pesquisador bolsista do IPEA e Gerente de Estudos Urbanos da Codeplan/GDF, dentre outras funções públicas.

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