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architectourism ISSN 1982-9930

Capela do Divino Espírito Santo, Largo do Divino, Sorocaba SP. Foto Victor Hugo Mori

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ESPIG REGIANI, Luana. Viagem pelo Brasil. Projetos do Brasil Arquitetura do Rio Grande do Sul à Bahia. Arquiteturismo, São Paulo, ano 15, n. 167.02, Vitruvius, fev. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/15.167/8110>.


“O que importa na arquitetura é a sua concreção, é a experiência multissensorial de você estar dentro de um espaço, vivendo-o – tudo o mais é representação”
Francisco Fanucci

“Para mim, viajar e tomar as medidas do mundo é a chave da arquitetura”
Marcelo Ferraz

Durante o evento de lançamento virtual do segundo livro com a obra do escritório Brasil Arquitetura (1), foi levantada uma possibilidade que o vasto trabalho dos arquitetos Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz proporciona: percorrer o país acompanhando os projetos do escritório. Foi justamente esta premissa que me levou, no distante 2014, a viajar do Rio Grande do Sul à Bahia, em uma vivência que seria fundamental para os anos seguintes. Na época, estava no meio da graduação em arquitetura e urbanismo pela Unicamp e realizava minha primeira experiência como pesquisadora. Orientada pela Professora Doutora Silvana Rubino e financiada pela Fapesp, desenvolvia a iniciação científica “Modernos e brasileiros: o diálogo do Brasil Arquitetura com Lina Bo Bardi e Lúcio Costa”. Com sua rara sensibilidade, a professora Silvana incentivou a usar a reserva técnica para ver de perto projetos dos arquitetos envolvidos na pesquisa, sem esquecer de escrever enquanto viajava.

O roteiro começava em São Paulo, passando pelas cidades de Piracicaba e Jundiaí, seguia até Salvador, na Bahia, para depois descer ao Rio Grande do Sul, indo de Ilópolis a São Miguel das Missões e, por fim, retornar a capital paulista.

O que transcrevo aqui veio de um caderninho, única companhia pelo caminho. São partes das anotações feitas durante as viagens e nelas estão as impressões mais sinceras do primeiro contato de uma estudante em formação com obras antes desconhecidas em sua “experiência multissensorial”. Próprio de um diário, o texto foi mantido no tom subjetivo com o qual foi produzido.

Piracicaba SP, 24 de maio de 2014

A cidade de Piracicaba acompanha o rio de mesmo nome. Na beira do rio, ocorrem atividades diversas, mas a orla se destina principalmente ao turismo, com casinhas coloridas e almoços com peixe fresco.

O caminho até uma das entradas do conjunto do Engenho, a partir da Av. Beira Rio, foi curto e por indicação dos moradores deveria atravessar uma ponte. Exclusiva de pedestres, de um concreto pesado, por ela já se avista o Engenho, belíssimo mesmo que ainda de longe.

Caminhando entre os edifícios chego ao teatro. Ainda distante, já era possível observar suas janelas vermelhas e, chegando mais perto, percebe-se melhor a qualidade da intervenção realizada pelo Brasil Arquitetura.

Teatro do Engenho, Piracicaba SP. Escritório Brasil Arquitetura
Desenho Luana Espig, 2014

A maior impressão que fica é a honestidade do trabalho. As linhas puras das passarelas metálicas contrastam com o antigo edifício. Tudo simples, mas pensado e feito com esmero. O jogo criado pelas luminárias no foyer, a iluminação zenital que permite que as luzes, mesmo em um dia de chuva, só fossem acesas depois das 17 horas.

A entrada original foi mantida, mesmo que não seja a mais óbvia para o pedestre (está entre os edifícios). Nessa fachada, as aberturas das antigas janelas receberam uma vedação de vidro que permite que a luz ainda passe por elas. Contraste com o fundo, onde tais aberturas foram fechadas com placas metálicas vermelhas e onde o mesmo metal é o responsável por prolongar o palco e permitir que ele se abra para fora, para a praça seca que ali existe (e que infelizmente estava sendo usada como estacionamento).

O novo e o antigo conversam. Uma senhora me disse “É um teatro moderno, né?”. Moderno, mas muito sincero, de uma qualidade palpável na utilização do espaço. Fato coroado pelo mobiliário da Baraúna, que cria um conjunto uníssono com o espaço construído. São poucos móveis, um banco aqui, outro ali, o café (não utilizado nesse dia), uma pequena “sala” de estar/espera, mas tudo muito de acordo com o edifício.

A sala de espetáculos tem cerca de quatrocentos lugares, o suficiente para atender ao programa. Há superfícies refletoras e a acústica foi excelente na apresentação que assisti. É muito interessante observar a estrutura mista, alvenaria e metal convivendo há mais de um século.

O local onde está inserido o Teatro do Engenho é privilegiado. Tão encantada quanto pelo projeto, também fiquei com todo o conjunto. Gosto das ruínas, de ver as marcas do tempo. Os caminhos criados pelos edifícios, é tudo muito rico nas margens do rio.

Li algo sobre um projeto maior, dar uso para todo o conjunto. Talvez faria algo diferente. Abriria alguns edifícios ao céu limpo, transformando em um jardim de ruínas, onde se pudesse caminhar com liberdade. Aquela senhora também me disse que costumava trazer os netos para fazer isso, acho que adoraria ver o local com uma mistura de ruínas, de espaços multifuncionais e de edifícios como o do teatro.

Jundiaí SP, 25 de maio de 2014

Jundiaí é maior do que esperava. O Polytheama fica uns cinco minutos de táxi da rodoviária. Diferente do Engenho, não há um conjunto. Ele está por si.

A fachada apresenta alguns sinais de desgaste, a bilheteria recebeu um toldo infeliz. Parece-me impossível projetar e cuidar de todas as futuras alterações.

Não há a indicação de quem fez o projeto, há apenas uma frase da Lina em uma das placas. O espaço em si, o resultado que alcançou, é o grande espetáculo. O teatro é de alta qualidade, possui uso intenso, e mantém a tal honestidade – próxima à observada ontem no Engenho.

Os materiais, o novo e o velho (de novo), conversam com maestria. Finalmente conheci o local da foto do Nelson Kon que ilustra a capa do livro do Brasil Arquitetura. Ela foi tirada no anexo em concreto onde o antigo limite do teatro se encontra com a intervenção do escritório. Foto que, percebi hoje, é muito simbólica, mais ainda quando uma pequena banqueta girafa se encontra no cenário. Parece a Lina dizendo “é aqui que eu estou, pode me ver neste trabalho”.

Teatro Polytheama, Jundiaí SP. Escritório Brasil Arquitetura
Desenho Luana Espig, 2014

A forma como os pavimentos foram realocados é muito simples, com uma única volta pude compreendê-los e já me movimentava com facilidade pelo local. A primeira visão que tenho do palco e das plateias é linda. Foi ao abrir uma das portas prateadas dos camarotes do lado esquerdo, vejo o azul muito azul das paredes, que muda de tom de cima para baixo, os tijolos aparentes, a pesada cortina e o piso de madeira elegante. Outra imagem das fotos já conhecidas. Só sinto falta do bonito lustre que via nelas e que não está mais lá.

A acústica é muito boa, mas não sei como lidam com o teto, duas águas, estrutura metálica aparente e forro de madeira próximo das telhas. Penso também na visibilidade, não sei como funcionaria com o teatro lotado. O tal fosso da orquestra está tampado. Daquelas coisas que pareciam importantes, que deu briga até que lá está, mas que não foi muito utilizado.

Há uma maquete do teatro no foyer, ela inclui a proposta do anexo, que acredito ser importante para melhor atender ao programa do teatro. O anexo ficaria na parte posterior do edifício, que já parece precisar de alguma manutenção.

Os atores, no fim da peça, agradecem ao público e parabenizam a cidade pelo teatro, dizendo o quanto gostam de se apresentar nele, que é sempre um prazer.

O teatro me faz ter vontade de estar no palco. Ainda é pra mim um daqueles lugares mágicos. A peça infantil, apresentada no domingo de manhã na Virada Cultural, é da Cia. Nau de Ícaros, mistura teatro, dança, circo, canto. Perfeito para o Polytheama.

Pensando no Engenho e no Polytheama, me questiono: e hoje? Qual seria a minha forma de juntar dois tempos? O que representa o meu tempo? Quais materiais nos cabem?

Salvador BA, 30 de maio a 4 de junho de 2014

Foi uma escolha acertada ficar hospedada no Pelourinho. Poder chegar, largar as coisas no Hostel, dar um passeio e ver a tarde cair sentada no Cruzeiro de São Francisco.

A cidade tem uma energia muito grande. No começo, o Centro Histórico parece confuso, mas logo é possível ver uma lógica e perceber o pequeno recorte que foi escolhido para ser “revitalizado”. Há uma linha muito clara que separa a parte turística da cidade real. Em um momento, você está numa igreja no Largo do Pelourinho e, no seguinte, ao chegar no pátio dos fundos avista uma área de habitação precária bem ali, ao lado de nós, turistas, que tendemos a acreditar que o Pelourinho é infinito.

É inegável a riqueza cultural da cidade, dá para sentir de onde veio a paixão da Lina. As pessoas são muito atenciosas, te dão todas as informações com a maior paciência. Mas também tem o lado da abordagem abrupta na rua, insistência ao pedir dinheiro, vender fitinhas. São rostos que assustam, que chamam para a realidade. Ao mesmo tempo, trazem a sensação de insegurança, mesmo com tantos policiais. Claro que estar sozinha e ser mulher interfere nisso. Com uma manhã de passeio pelo Pelourinho já me sinto familiarizada com o mapa. Alguns museus não funcionam no final de semana. A Casa de Jorge Amado é rica em fotos, lembranças, tantos prêmios que o autor recebeu. No entanto, o que mais me emocionou foi a pequena sala dedicada a Zélia Gattai. A organização da pequena exposição, as belas fotos tiradas por ela e como uma boa bobona, a história dela e de Jorge Amado.

Solar do Unhão, Salvador BA. Arquiteta Lina Bo Bardi
Desenho Luana Espig, 2014

À tarde, meu primeiro encontro com o Solar do Unhão. Todo sábado é realizado o projeto JAM no MAM, onde bandas de jazz se apresentam em uma cena charmosa, com a baía ao fundo, o MAM os abraçando, muita gente reunida. Ver o espaço sendo usado, ver a quantidade de pessoas que vai até lá, tudo isso é incrível no Unhão. Além disso, está acontecendo a Bienal da Bahia.

Voltei no dia seguinte, o encanto me pegou de vez. Boa parte do Solar do Unhão está em reforma, mas o conjunto consegue mostrar sua importância. A vivência é o que mais chamou minha atenção, a aproximação do público com o museu, que não à toa era um museu de arte popular.

O pintor responsável pelo “Pinte no MAM” tinha um carisma de fazer todos “soltarem o braço”. Em algumas horas os painéis estavam cheios de pinturas, desenhos, tudo feito por crianças, jovens, adultos e velhos ali nos pés do Unhão.

Uma tarde na beira do mar, com a magia da Lina.

Atividade de pintura no Solar do Unhão, Salvador BA. Arquiteta Lina Bo Bardi
Desenho Luana Espig, 2014

Arquitetos tem uma certa questão com o vermelho, mas seja no Unhão, no SESC Pompéia ou no Teatro do Engenho ele é muito acertado. As linhas formadas pelas paredes brancas e suas janelas vermelhas com o céu e o mar são únicas. Me atento também para a amplitude dos espaços, a liberdade que eles permitem.

Mais cedo, tentei visitar a Ladeira da Misericórdia, mas descobri que ela está fechada há um bom tempo, o restaurante, tudo voltando a ser ruína... Já o Museu da Misericórdia é lindo, foi visitando lá que a guia me disse que o tal “bar massa” que tinha na ladeira fechou.

Para terminar o dia, fui no Glauber Rocha, cinema de rua com belos filmes em cartaz.

A cidade me encanta, sem dúvida alguma.

O Pelourinho está em processo de decadência. Os tempos “áureos” da “revitalização” passaram e sem uma manutenção, sem uma atuação mais profunda, sem um projeto mais efetivo o local não se sustenta.

Hoje almocei na Cantina da Lua, um dos principais pontos naquela época. O dono, um senhor mais que simpático, está em várias reportagens expostas nas paredes falando sobre o sucesso do “novo Pelourinho”. Hoje, o restaurante não me pareceu lembrar o que era. Muito modesto, móveis desgastados, sinal do tempo e de um projeto que não perdurou.

Fui até a Casa do Benin e consegui entrar por sorte. Um taxista que estava em frente perguntou se eu queria visitar e bateu forte nas portas fechadas “Tem uma menina aqui querendo visitar!”. Mais um lugar em reforma, que, claro, deveria ser para a Copa e, claro, não vai ficar pronto. Lá, um rapaz passava por mim enquanto eu xeretava a obra. Depois, o responsável pela Casa me apresentou ele como o arquiteto responsável pelas reformas nas obras da Lina em Salvador. Perguntou se havia ido ao Zanzibar/Bar Coati, o restaurante na Ladeira da Misericórdia. Contei que não tinha conseguido ir e ele falou que poderia me levar lá.

O responsável pela Casa do Benin me disse “Sabe como eu sei que você é turista? Pela roupa, porque quem é daqui quando vai ao Museu vai como se fosse pra festa”. Eu, toda sem graça, de chinelos e bermuda, sentindo o calor da Bahia em junho, contrário ao frio que fazia em São Paulo, não sabia o que dizer.

No fim, acompanhei o arquiteto até a Fundação Gregório de Matos onde ele pegou as chaves do lugar. Pedimos mil permissões para entrar, os policiais nos levaram, abriram um portão. Sim, a ladeira está trancada com um portão de cada lado porque, dizem, muitos crimes e assassinatos ocorreram ali “e então fecharam”. Dizem também que antes era muito frequentada por artistas, por estudantes, tinha muito movimento. Antes do que? Como acontece esse processo e “do nada” um lugar perde o uso?

Claro que não foi do nada, é como o restante do Pelourinho. Se não houver um projeto, o que era pra ser um lugar de efervescência cultural volta a ser um local de perigo. “A esperança é a copa” me disse a senhora da Cantina da Lua.  Contou que hoje teria uma reunião dos comerciantes para decidirem como fariam em relação aos roubos durante a Copa.

Museu Rodin, Salvador BA. Escritório Brasil Arquitetura
Desenho Luana Espig, 2014

O projeto deveria ir além de pinturas e fachadas. Devia ser amplo, chegar nas margens e ter uma responsabilidade social maior associada a arquitetura. Porque a insegurança é uma constante. No fundo, sendo sincera, acho que sou meio burguesinha mesmo. Porque no Museu Rodin, no Corredor Vitória/R. da Graça parecia estar em um bairro conhecido e relaxei. Não deveria ser assim. Falando no Museu Rodin, agora Palacete das Artes, passei uma tarde lá. Do Rodin existem quatro peças no jardim do museu. O palacete em si não tinha exposições em cartaz, mas pude fazer uma visita e ver de perto o projeto de adaptação e restauração do palacete eclético. Acredito que a experiência devia ser outra com as obras do Rodin, mas de toda forma o palacete é incrível e achei justa a forma como as adaptações foram feitas, a história que a residência tinha para contar continua lá. No anexo, havia uma exposição temporária, o edifício é justo, linhas puras, não é o meu favorito. Talvez a ideia era essa, de não roubar a atenção do imponente Palacete, não sei. O que mais estava sendo usado era o café, com todo o jardim em volta e o vento fresco do fim da tarde.

A experiência em Salvador e as diversas visitas aos museus me fizeram pensar porque que boa parte de tudo que é patrimônio se torna museu. É o único fim para o que foi parte das nossas cidades e ainda resiste?

Nem só de centros culturais e museus podem sobreviver os edifícios históricos. Um uso mais múltiplo é necessário. Um ponto de convivência entre o novo e o velho.

Ilópolis RS, 9 a 13 de julho de 2014

Ilópolis tem cerca de quatro mil habitantes e um museu que poucas “cidades grandes” tem. Uma senhora, pesquisadora na região, viu o potencial dos moinhos, em especial o Colognese e acionou um amigo influente, que entrou em contato com o Brasil. Marcelo Ferraz foi visitar o lugar e viu o potencial. Assim eu li que foi o começo do projeto que prevê a rota dos moinhos na região. Em Ilópolis, o museu foi feito com apoio da prefeitura, mas com verba da iniciativa privada – a Nestlé.

O pequeno museu é encantador. Encanto, algumas vezes, parece uma palavra um pouco infantil e percebo que em toda viagem ela acaba aparecendo. Ainda assim, me parece a mais apropriada. Porque foi encanto o que senti pela cidadezinha que me recebeu numa manhã cheia de neblina, em uma rodoviária/hotel/restaurante onde uma única família trabalha e te atende da melhor forma possível. “Mas pode ficar tranquila” foi o que a Bárbara, a filha, me disse quando pedi para deixar minha mala lá e poder caminhar as quatro quadras que me separavam do museu. Incrível como cidades assim passam a sensação de que perigo não existe. Talvez sejam as casas sem muro, com jardins muito bem feitos, as pessoas atenciosas para a menina estranha caminhando sozinha ali, na pequena grelha que compõe a malha urbana da cidade. E o silêncio? Que sossego...

No museu, eu era a única visitante. A primeira impressão é de que o conjunto é proporcional a escala da cidade, um terreno de esquina que tem como divisa, nos fundos, um pequeno córrego. Que belo terreno de projeto! A arquitetura do moinho, construída com madeira de araucária, é muito familiar. Nascida e criada no Paraná, hoje percebo essa riqueza, quando criança não tinha ideia do quanto aquelas construções de madeira eram únicas. O lugar lembra meu nonno, meu avô gostaria daqui.

Os edifícios em anexo, feitos em concreto aparente, formam um contraste que agrada. É sútil aos olhos da estudante de arquitetura, que vê no concreto e nos painéis corrediços de madeira uma gama de cores e texturas coerentes com o moinho já existente. Para mim, o Brasil foi muito elegante no projeto, com referências e uma linguagem muito bonita, sem imitar, mas propondo o novo mesmo na pequena cidade.

Museu do Pão, Ilópolis RS. Escritório Brasil Arquitetura
Desenho Luana Espig, 2014

O conjunto como um todo é harmônico. Composto pelo antigo Moinho Colognese (restaurado pelo ILA, Instituto Ítalo Latino Americano), onde estão os antigos equipamentos e uma bodega (que está se organizando para abrir como um café/lanchonete). Há também o bloco das oficinas, que ocorrem gratuitamente todo segundo sábado do mês, e o bloco do museu. Todos eles são ligados pelas varandas, criando um percurso pelo terreno. A construção foi feita com mão de obra local, o mesmo vale para os móveis, com desenho claro da Baraúna, mas confeccionados por marceneiros locais. A museografia, o documentário feito pela Isa Ferraz sobre a história do pão, tudo acrescenta unidade ao conjunto.

Além do Museu do Pão, a lembrança de Ilópolis será de sua gente simpática. A responsável pelo museu (que tem a minha idade) me apresentou tudo com muita paciência, me ofereceu bolacha de polvilho no fim da tarde e foi caminhando comigo até o hotel. É ela quem cuida de tudo, da recepção à manutenção, e faz isso com muito esmero, tudo é impecavelmente limpo e arrumado. E claro, a família Bonfanti e seu hotel/rodoviária/restaurante, seu chá quente de graça e a atenção.

O lugar é incrível, mas chegar até ele não é fácil. Vindo de ônibus de Porto Alegre as opções são bem restritas, não é impossível. A dificuldade de chegar nesses pequenos tesouros escondidos no interior. Mas vale a pena.

São Miguel das Missões RS

De Ilópolis fui de táxi com o Sr. Bonfanti até Soledade, onde peguei um ônibus até Santo Angelo e, de lá, duas horas depois saia o ônibus para São Miguel das Missões. São Miguel é tão pequena quanto Ilópolis, aproximadamente sete mil habitantes.

Seguindo reto pela rodoviária se chega nas Missões. Sim, elas estão no meio da cidade, foi uma surpresa. O hostel/pousada fica quase no quintal das ruínas. De longe, andando pela rua, vejo o pequeno museu. Ele está lá, repousando singelo com as ruínas.

Na visita, é possível perceber a sutileza da sua implantação. O quanto a transparência das suas vidraças é importante. O lugar é incrível, de tirar o ar, de gerar um encantamento pra vida toda, quero voltar outras vezes com toda certeza.

A casa do zelador me lembra as casas do interior do Paraná, as casas que minha mãe sempre gostou, com portas-janelas em todos os cômodos, varandas, quintal. Uma configuração que lembra o ideal que cresci acreditando que era casa, lembra a minha casa preferida do Brasil, na Serra da Mantiqueira. E tudo isso junto me lembra o porquê de gostar tanto do Brasil Arquitetura, por ver nele a simplicidade de uma arquitetura justa, a que tinha me levado a escolher o ofício.

Entrei na casa do zelador depois de conversar com o responsável por cuidar da pequena exposição, que fica em um dos antigos cômodos da casa. Ele falou com o supervisor e logo dois rapazes foram me atender, eu, “a pesquisadora que também estudava Lúcio Costa”, me senti importante e contei sobre a minha pesquisa. Foi a primeira vez que me chamaram de “pesquisadora”. Eles, atenciosos, responderam todas as minhas dúvidas, me deixaram entrar nos demais cômodos (onde hoje funciona um setor administrativo) e o historiador me mostrou os livros que tinham sobre as Missões e se ofereceu para mandar qualquer material que pudesse ajudar.

Museu das Missões, São Miguel das Missões RS. Arquiteto Lúcio Costa
Desenho Luana Espig, 2014

Ninguém se importava com a minha idade, cara de menina, graduação a concluir. Pra eles era uma pesquisadora (que orgulho!) interessada no lugar que tanto amam e pronto.

A história da construção do acervo do museu, pensar no Dr. Lúcio visitando a região na década de 30, decidindo por manter a exposição ali, as diretrizes de 1937 que ainda norteiam as intervenções no lugar, as cartas trocadas, o papel do Sr. Hugo na construção do acervo... é tudo muito rico.

Nas generosas varandas no museu há índios vendendo artesanatos. Dentro do museu, a luz que entra pelas vidraças não deve ser a mais correta para manter o acervo, mas é a identidade do lugar. As três pequenas salas, as varandas... As ruínas... que beleza de patrimônio! Como tudo aquilo foi feito, que rica história conta. Muita tristeza, claro. Quantos morreram, quantos anos e homens foram gastos para construí-lo. Tudo em um sistema muito organizado e complexo, uma pequena cidade feita de pedras, sem concreto.

Se perceber como um indivíduo de pequena escala perto das paredes imensas, do terreno infinito em ruínas, poder caminhar por tudo. Queria dois dias por ali, pelo menos, e poder jantar de novo o peixe da Dona Dirce...

Deu vontade de chorar. Não sei como, estudando em Campinas, levei tanto tempo para vir até aqui. A Lina nos toca o coração de vez ao conhecermos o Sesc Pompéia. Que trabalho incrível, quantas sutilezas funcionando juntas em plena terça feira. O projeto está todinho ali, em perfeita manutenção. É de encher os olhos ver o quanto é utilizado, o quanto aquela pequena rua de pedestres tem vida intensa no meio de São Paulo. O trabalho da Lina, do Marcelo e do André é memorável. Me lembrou uma vez mais porque escolhi arquitetura (e insisti nela).

Como projetar o cotidiano? A Lina acertou. Projetou os senhores e senhoras que ali passeiam, vão matar o tempo, levar os netos, ler o jornal. As crianças no complexo esportivo. A clareira de sol para a hora do almoço. Que por sinal é servido ali, no grande refeitório, a “experiência completa” como me contou a Silvana, almoçar e levantar com a bandeja.

Sesc Pompéia, São Paulo SP. Arquiteta Lina Bo Bardi
Desenho Luana Espig, 2014

Outro dia entrevistei o Francisco Fanucci e o Marcelo Ferraz no escritório na Rua Harmonia. Hoje, foi minha última reunião de orientação antes do relatório final da pesquisa.

Obrigada Francisco e Marcelo. Que aprenda com vocês, com o Lúcio e com a Lina (e tantos bons arquitetos que conheci mais através da pesquisa) a ser gentil com as nossas cidades, a ser responsável como arquiteta e saber que a profissão que escolhi pode ser um instrumento para o cotidiano das pessoas.

nota

1
GUERRA, Abilio; BOGÉA, Marta; WISNIK, Guilherme. Conversa com Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz. Lançamento de livro “Brasil Arquitetura: Francisco Fanucci, Marcelo Ferraz – projetos 2005/2020”. Entrevista, São Paulo, ano 21, n. 083.03, Vitruvius, ago. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/21.083/7860>.

sobre a autora

Luana Espig Regiani é arquiteta e mestra em arquitetura, tecnologia e cidade pela Unicamp. No mestrado, realizou a dissertação “Diamantina e o percurso da arquitetura moderna: Lúcio Costa, Juscelino Kubitschek e Oscar Niemeyer”. Durante a graduação, foi bolsista Fapesp de iniciação científica com a pesquisa “Modernos e brasileiros: o diálogo do Brasil Arquitetura com Lina Bo Bardi e Lúcio Costa”. Atualmente é doutoranda em História pelo IFCH Unicamp.

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