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architectourism ISSN 1982-9930

Vista panorâmica de Paris, França, com Torre Eiffel à esquerda. Foto Victor Hugo Mori

abstracts

português
Este texto é um relato de viagem cujo objetivo era observar estruturas de ferro da belle époque e a rotina atual do povo na cidade de Belém do Pará.

english
This article is a travel’s rapport that the objective was to observe the belle époque’s iron structures and the currently daily routine of the people from Belém do Pará.

español
Este texto es un reportage de viaje cuyo objetivo fue observar las estructuras de hierro de la belle époque y la actual rutina de la gente de la ciudad de Belém do Pará.


how to quote

SILVA, Tainá Maria. O ferro e o povo em Belém do Pará. Arquiteturismo, São Paulo, ano 17, n. 194.02, Vitruvius, maio 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/17.194/8807>.


O meu objetivo neste texto é relatar uma caminhada realizada, de forma quase despretensiosa, pelas estruturas metálicas de Belém depois de algumas leituras terem me motivado a conhecer a capital do Pará – estou me referindo aos textos de Geraldo Gomes da Silva, Arquitetura do ferro no Brasil (1), e de Cacilda Teixeira da Costa, O sonho e a técnica (2), bibliografia usada na minha dissertação de mestrado (3). Não tenho a pretensão de repetir as informações técnicas e históricas que esses textos trouxeram – embora não pude deixar de lado muita coisa – mas, busquei trazer as sensações que não consegui ignorar ao passear por entre esses locais.

Evidentemente que a história da arquitetura de Belém do Pará é muito mais profunda e complexa do que minhas capacidades de tradução num breve relato de viagem, mas tenhamos em mente que a belle époque paraense, inspirada no clima cosmopolita francês, trouxe para a capital uma renovação urbana pautada em infraestruturas de lazer e também de embelezamento da cidade – possibilitada pela fortuna do ciclo da borracha.

Antiga caixa d’água, bairro São Brás, Belém PA
Foto Tainá Maria Silva

 

Nesse contexto é que a cidade passou a importar diversos equipamentos e materiais de ferro como mobiliário urbano (bebedouros, postes...) e materiais construtivos para estrutura e ornamentação de edificações (vigas, portões, guarda corpos...). Apesar de todo esse luxo ter durado poucas décadas, ainda é possível encontrar exemplares desse período ocultos na rotina do comércio, quase sufocados nos panos das saias entre a multidão. Uma dessas estruturas é a caixa d’água do bairro São Brás, importada de Paris da empresa Tony Dussieux no início do século 20 (4). Apesar de sua estrutura ser simples e sem as sinuosas curvas características da época, não deixa de ser importante exemplar.

Pavilhão 1º de Dezembro, Praça Batista Campos, Belém PA
Foto Tainá Maria Silva

Mas, em uma rápida passagem por entre os coretos das Praças Batista Campos e Praça da República, visualiza-se que a estética comum ficou para trás. Na Batista Campos, o Pavilhão 1º de Dezembro tem uma possível origem alemã e, coroando indisfarçadamente a cobertura, cisnes brancos trazem a distinção para a peça (5). Importante ressaltar que os cisnes atuais não são originais, mas uma réplica que substituiu os primeiros que se perderam (ou talvez voaram...). Já na Praça da República, são dois os coretos que encantam o passeio. Um deles tem sua origem mantida no anonimato enquanto o outro, o Pavilhão Euterpe, de 1896, fora trazido de Orléans da empresa Guillot-Pelletier (6). Se antes esses coretos abrigaram bandas da cidade, hoje abrigam os cidadãos que são surpreendidos pelas pancadas de chuva que ocorrem de forma quase religiosa às 14h. Se tiver sorte, um coreto te protegerá!

Pavilhão Euterpe na Praça da República, Belém PA
Foto Tainá Maria Silva

No bairro Campina, na Rua Conselheiro João Alfredo com a Praça Barão do Guajará a gente vai encontrar a centenária Paris N’América. Loja de tecidos desde 1870, o prédio atual foi construído na primeira década do século 20. Sua fachada traz a pompa do ecletismo com seus variados ornamentos que vão desde curiosas serpentes aladas nos capitéis das pilastras até simples relevos geométricos. As aberturas – tanto de arco pleno, arco abatido e também de verga reta – detém sempre de cercaduras e ombreiras; mísulas ritmadas separam os três pisos do sótão, onde um relógio repousa não menos suntuoso que todo o restante.

Loja Paris N’América, Belém PA
Foto Tainá Maria Silva

Embora essa vista nos chame a atenção, o diferencial do local é sua escada metálica pré-fabricada, importada possivelmente de Glasgow (7). O espelho dos degraus é vazado com um delicado arabesco coroado por um bocel que não passa despercebido. As formas curvilíneas também aparecem no guarda corpo e, ao centro da escada, uma estátua feminina ilumina as duas vias de passagem que ligam o térreo ao mezanino – os funcionários da loja já bem sabem quem são compradores de tecido e quem são arquitetos curiosos.

Escadaria metálica da loja Paris N’América, Belém PA
Foto Tainá Maria Silva

O comércio de tecidos em Belém é numeroso, especialmente na Conselheiro João Alfredo em direção à Praça Dom Pedro II. Aqui pode-se perder-se facilmente entre as dezenas de barracas direcionadas ao comércio de roupas e que atende variado público, ainda que majoritariamente popular. Na rotina do uso atual, duas coisas podem passar despercebidas. Uma delas é o chão, figura negligenciada, que entre as pedras revela trechos de trilho da antiga linha de bonde.

Também entre as barracas vislumbrar o céu pode ser difícil, quanto mais identificar as tantas edificações históricas. Figura notória aqui é a antiga Livraria Universal, com uma fachada neogótica e com o seu interior tão severamente adaptado ao novo uso que fica quase impossível reconhecer que ali se escondem estruturas metálicas da antiga MacFarlane. Em verdade, essa realidade se estende para outras lojas vizinhas, vislumbrando aqui um cenário profícuo a quem se aventurar a uma pesquisa arqueológica-arquitetônica.

Praça do Relógio, Belém PA
Foto Tainá Maria Silva

Peça icônica proveniente da escocesa MacFarlane é o relógio, da praça de mesmo nome, já atingindo a área da Cidade Velha. Este foi instalado depois de 1918, num terreno que deveria abrigar a Bolsa do Pará (8). Apesar do período já anunciar o declínio econômico pelo qual a cidade iria passar, o relógio não deixa de destacar o luxo da época.

Forte do Presépio, Belém PA
Foto Tainá Maria Silva

Em frente à Praça do Relógio, a Praça Dom Pedro II arremata uma grande área verde dessa região central. Aqui, edificações de grande importância podem ser vistas: Museu de Arte de Belém (antiga Intendência Municipal), Museu do Estado do Pará (antigo Palácio do Governo), Instituto Histórico e Geográfico do Pará... e mais adiante, caminhando nas ruas entrecortadas, já avistando a baía do Guajará, o Forte do Presépio repousa no alto de uma ladeira.

Canhão da empresa norte-americana Phoenix Iron no Forte do Presépio, Belém PA
Foto Tainá Maria Silva

Sua origem é datada do século 17, construído pelas forças portuguesas na intenção de expulsar franceses e holandeses que invadiam o Norte do país. Num levantamento arqueológico que foi realizado pela Secretaria de Cultura nos anos 2000, foram identificados mais de 100 mil artefatos de variadas datas. Ainda assim, é surpreendente encontrar um canhão da empresa norte-americana Phoenix Iron, datado de dezembro de 1857. Importante ressaltar que a Phoenix Iron e a Phoenix Bridge (subsidiária da primeira) forneciam material metálico para o mundo todo e o grupo de pesquisa Memória Ferroviária da Unesp já identificou a presença de algumas peças em São Paulo e em outros Estados (9), mas aqui no Brasil a investigação sobre a atuação dessa empresa ainda é incipiente e não tem atraído demasiada atenção. De toda forma, eis aqui mais uma empreitada arqueológica.

Fachada do Mercado de Carnes Francisco Bolonha, Belém PA
Foto Tainá Maria Silva

Descendo a Ladeira do Castelo, não é preciso andar muito para atingir o Mercado de Carnes Francisco Bolonha. E quanto a isso deve-se ficar atento pois ele pode passar despercebido em sua fachada neoclássica que quase não dá pistas da belle époque que se passa lá dentro. Sua edificação original é de alvenaria, construída em quadrilátero com um pátio central descoberto. Mas na necessidade de ampliar o espaço, em 1908 foi lançado-mão de uma solução então em voga: o ferro. Francisco Bolonha, arquiteto-engenheiro paraense, aproveitou o espaço do pátio para instalar pavilhões metálicos importados também da empresa MacFarlane (10).

Interior do Mercado de Carnes Francisco Bolonha, Belém PA
Foto Tainá Maria Silva

Os pavilhões estão dispostos em duas fileiras com uma passagem ao centro e o maior ponto de interesse do turista é a escada em espiral que hoje é utilizada para vislumbrar a cidade, mas teve como função original abrigar a caixa d’água. Em todo o mercado rendilhados, tramas, arabescos, folhas, flores, flechas e faixas exibem, com orgulho, toda a plasticidade ornamental que o ferro fundido é capaz de proporcionar. Em tom verde, sua cor contrasta com o vermelho das carnes que são ali vendidas, expostas ao ar livre para o olhar atento do comprador. Outro olhar que a carne atrai é do público assíduo de pobres cachorros que, vez ou outra, acabam por ganhar um osso.

Escada do Mercado de Carnes Francisco Bolonha, Belém PA
Foto Tainá Maria Silva

Mercado de Carnes Francisco Bolonha, Belém PA
Foto Tainá Maria Silva

Se aqui são felizes os cachorros, atravessando a rua são felizes os gatos que passeiam pelo Mercado de Peixes, também conhecido como Mercado de Ferro. Um dos cartões postais da cidade tem cada metro quadrado disputado por quem quer vender, quem quer comprar e quem quer só dar uma olhadinha... Feito quase inteiramente em ferro, o que mais chama a atenção são suas quatro torres de cobertura cônica. Externamente se tem acesso a lojas que não se comunicam com o interior se não por algumas janelas, e o acesso à área interna é feito por portas centralizadas em cada face. A iluminação e a ventilação são realizadas pelo lanternim e o vão livre que se obtém pela estrutura metálica nos lembra qual a grande vantagem do emprego do ferro.

Mercado de Ferro, Belém PA
Foto Tainá Maria Silva

Mercado de Ferro, Belém PA
Foto Tainá Maria Silva

Logo ao lado, abrigadas pela cobertura de lona branca, as várias barracas que compõe o Complexo Ver-o-peso. Passear entre elas é uma verdadeira experiência antropológica. Onde o povo se faz mais presente e as atividades de feira é quem dão o tom, aqui é fácil para o turista apaixonado assumir uma posição quase de espectador sádico pois, quem não está calejado por essa fluidez singular, facilmente encontrará beleza, graça e poesia na realidade dura do povo trabalhador. No Ver-o-peso se reúnem cheiros, sabores, sons e cores: entre as cachaças de jambu, caixas de castanhas; entre o café de açaí, o suco de bacuri; entre os óleos vegetais, banhos de cheiro para chamar marido; entre as conservas de pimenta, uma benzedeira limpando o mal olhado; entre camarões secos, gatos tentando a sorte; entre o carcarejar de algumas galinhas, a brisa do rio soprando o calor; e cravando o retrato da feira um “ô meu amor, vamos almoçar?” é o despertador que anuncia o horário da refeição que, impreterivelmente, terá que acontecer ali.

Cobertura do Complexo Ver-o-Peso, Belém PA
Foto Tainá Maria Silva

Busquei em Belém as estruturas que eu tanto ouvi falar, mas encontrei mais que isso. Encontrei gente. Encontrei uma capital surpreendentemente brasileira, forjada pelo povo. A contar por essa incrível mistura, Belém é pra mim uma sábia senhora que admite resignada – mas não sem orgulho – a rudeza do tempo sobre a sua face.

Feirantes do Complexo Ver-o-Peso, Belém PA
Foto Tainá Maria Silva

notas

1
SILVA, Geraldo Gomes da. Arquitetura do ferro do Brasil. São Paulo, Nobel, 1986.

2
COSTA, Cacilda Teixeira da. O sonho e a técnica: a arquitetura de ferro no Brasil. São Paulo, Edusp, 2001.

3
SILVA, Tainá Maria. Oficinas ferroviárias em São Paulo: Um estudo sobre a formação espacial da oficina da Companhia Paulista em Jundiaí (1892-1896). Orientador Eduardo Romero de Oliveira. Dissertação de mestrado. Universidade Estadual Paulista, Bauru, FAAC Unesp, 2019 <https://bit.ly/3MpTgd5>.

4
SILVA, Geraldo Gomes da. Op. cit.

5
Idem, ibidem.

6
Idem, ibidem.

7
SILVA, Geraldo Gomes da. Op. cit.; COSTA, Cacilda Teixeira da. Op. cit.

8
COSTA, Cacilda Teixeira da. Op. cit.

9
SILVA, Geraldo Gomes da. Op. cit.; SANCHIZ, Juan Manuel Cano. Reactivation of industrial heritage sites in Spain and The São Paulo State: A transatlantic approach to an international patrimony. Conferência Trans-Atlantic Dialogues on Cultural Heritage. Birmingham, Ironbridge International Institute for Cultural Heritage, University of Birmingham, jan. 2016 <https://bit.ly/44XcMoH>. Do mesmo autor, ver: SANCHIZ, Juan Manuel Cano. The Morphology of a Working Place Linked to the World: The Railway Workshops of Jundiaí (Brazil, 1892-1998). Industrial Archaeology Review, v. 40, jul. 2018, p. 103-116 <https://bit.ly/3O9Vi2p>.

10
SILVA, Geraldo Gomes da. Op. cit.; COSTA, Cacilda Teixeira da. Op. cit.

sobre a autora

Tainá Maria Silva é Arquiteta e Urbanista formada pela Universidade do Sagrado Coração de Bauru; Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”; e atualmente doutoranda em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.

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