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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
O artigo apresenta e discute a assistência técnica para melhoria habitacional através de informações sobre a legislação pertinente e algumas experiências já realizadas, fornecendo uma visão geral sobre as dificuldades e importância da sua viabilização.

english
This paper presents and discusses the technical assistance to housing improvement by providing information on relevant legislation and some experiments already carried out, providing an overview of the difficulties and importance of its feasibility.

español
Lo artículo presenta y discute la asistencia técnica para mejorar la vivienda a través de información sobre la legislación pertinente y experimentos ya realizados, proporcionando una visión general de las dificultades y la importancia de su viabilidad.


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GARRIDO SILVESTRE, Michelli; DE AZEVEDO CARDOSO, Luiz Reynaldo. Assistência técnica para melhoria habitacional. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 157.00, Vitruvius, jun. 2013 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.157/4803>.

Introdução

Pesquisas indicam que a autogestão está presente em 77% das residências brasileiras, resultando em uma baixíssima qualidade das construções. Os problemas encontrados nessas moradias são diversos e abrangem desde problemas estruturais da edificação até problemas funcionais e de salubridade dos ambientes, causando grande insegurança, desconforto e problemas de saúde aos moradores.

A assistência técnica para melhoria habitacional tem surgido como uma forte proposta para ajudar a reduzir ou minimizar os impactos da autoconstrução ou autogestão. A proposta consiste na disponibilização de assistência técnica de profissionais habilitados para apoio especializado à autoconstrução ou autogestão, atividade que gera certa polêmica entre os profissionais da construção civil, divididos entre aqueles que apóiam a atividade e aqueles que a consideram um estímulo à informalidade.

No Brasil, algumas experiências com assistência técnica já foram desenvolvidas em diferentes pontos do país, de caráter público, privado ou social, destinadas tanto a moradores de conjuntos habitacionais quanto a moradores de outros tipos de assentamentos, como favelas reurbanizadas e bairros pobres populares. Entretanto, ainda não se chegou a um modelo multiplicável desse serviço em função das diversas dificuldades operacionais destes programas, parte delas inerente às próprias características de produção da construção civil.

Na tentativa de viabilizar a assistência técnica para a habitação popular, diversos instrumentos legais vêm sendo criados nos últimos anos, mas nenhum deles conseguiu efetivamente garantir o bom funcionamento e a continuidade dos programas já realizados.

O fato é que cada vez mais a assistência técnica tem se mostrado importante e há grandes esforços para que ela seja implantada em âmbito nacional, através de um sistema público, mas, para sua efetividade, é preciso que seja desenvolvido um modelo de operação viável e multiplicável.

Este artigo foi elaborado como parte de uma pesquisa mais ampla sobre as modificações realizadas pelos usuários nas habitações e as formas de se conferir mais qualidade a elas. Seu objetivo é apresentar e discutir, sem a intenção de esgotar a complexidade do tema, a atividade de assistência técnica para melhoria habitacional, fornecendo informações sobre a legislação pertinente e algumas experiências já realizadas. Para a tanto, foram realizadas pesquisas referentes à bibliografia e legislação, além de um levantamento de experiências em assistência técnica habitacional. A idéia é fornecer uma visão geral sobre o serviço, procurando discutir as dificuldades ainda encontradas para a sua viabilização e a sua importância para a redução do déficit habitacional qualitativo do país, estimulando a discussão sobre a sua implantação e contribuindo para que mais pesquisadores se interessem pelo estudo desse tema.

A Habitação Popular no Brasil

O setor da construção civil carece, há muito tempo, de investimentos em tecnologia e processos racionalizados de produção. Segundo Abiko et al (1) “o setor de construção de edifícios habitacionais no país tem apresentado, historicamente, uma lenta evolução tecnológica, comparativamente a outros setores industriais”. A falta de investimentos no desenvolvimento dos processos de produção, a utilização de materiais vendidos isoladamente e muitas vezes sem qualidade, o desestímulo ao uso de componentes industrializados devido à alta incidência de impostos, a falta de capacitação técnica dos agentes da cadeia produtiva e a pouca capacitação da mão-de-obra, dentre outros fatores, resultam em baixa produtividade e elevados índices de desperdício de materiais e de mão-de-obra, caracterizando a construção civil como um setor com baixo índice de industrialização. Assim, percebe-se que há uma grande necessidade de identificação dos diversos segmentos da construção civil, assim como das necessidades e aspirações de cada um deles.

Abiko et al (1), propõem uma segmentação do setor de acordo com uma associação do tipo de gestão, tipo do produto e da clientela atendida:

•   Produção própria/ preço de custo: individualizada, alto padrão, construção por administração, venda a preço de custo ou mercado;

•   Produção privada imobiliária: condomínio, incorporação, construção e venda a preço fechado, no mercado imobiliário;

•   Produção e gestão estatal: o estado é o gestor da produção ou gestor do financiamento à produção ou aquisição, com objetivos sociais;

•   Autoconstrução/ autogestão: construção de baixa renda para a própria família ou para venda; a construção é feita pela própria família, familiares ou mão-de-obra pouco capacitada.

Aqui trataremos especificamente da última categoria, a autoconstrução/ autogestão, que prevalece nas faixas de renda mais baixa da população.

O setor como um todo carece de meios para aumentar a produtividade e eficiência dos seus processos, mas, sobretudo nos segmentos voltados à população de baixa renda, a racionalização da construção é de fundamental importância para garantir o acesso dessa população a uma habitação segura, salubre e de baixo custo.

O que se vê, porém, é uma realidade muito distante disso, longe de qualquer lei, organização ou critérios de qualidade. Na chamada construção informal (autoconstrução/ autogestão), as dificuldades e falhas são ainda mais acentuadas e os resultados insatisfatórios se multiplicam sem nenhum tipo de controle.

Segundo estudo do Ministério das Cidades, o déficit habitacional brasileiro é estimado em 6,3 milhões de domicílios, entretanto, o déficit qualitativo chega a 10,5 milhões (2). Isso significa que, além das famílias que não têm um domicílio, uma grande parcela vive em habitações inadequadas, com alta densidade demográfica, sem banheiro ou compartilhando o banheiro com outras residências. Outras inadequações, como ambientes sem iluminação ou ventilação não são consideradas nessa conta, o que indica que esse número poderia ser muito maior.

Estima-se, ainda, que o país ganhe entre 1 e 1,5 milhão de novas residências por ano, das quais cerca de 70% são construídas de maneira informal. Além disso, algo em torno de 14 milhões de operações de reforma e ampliação são realizadas anualmente, das quais cerca de 77% são geridas pelos próprios moradores. Outro dado importante trata das habitações que necessitam de reformas, o que representa mais de 75% das habitações brasileiras (3).

Segundo a mesma pesquisa, desse montante de habitações necessitadas de reforma ou ampliação, menos de 30% realmente são efetivadas e, quando o são, em geral isso se dá através de construção autogerida.

Vidal (4), argumenta que, movida pela falta de recursos e pela ausência de programas habitacionais com financiamento e assistência técnica, a população de menor renda (0 a 3 salários mínimos) constrói por conta própria suas habitações a partir da contratação de mão-de-obra desqualificada e materiais sem qualidade, gerando desperdício e baixo desempenho das edificações. Em alguns casos, o morador realiza a obra com as próprias mãos, com a ajuda de amigos, parentes e vizinhos, sem qualquer tipo de auxílio técnico.

Em geral, essas construções são executadas em áreas irregulares, surgidas em função do crescente processo de urbanização e de segregação social, principalmente nas cidades de grande e médio porte. Assim, essas formas de moradia precárias surgem como alternativas à parcela mais carente da população e acabam perpetuando as desigualdades sociais no espaço intra-urbano.

O IBGE classifica essas ocupações irregulares como aglomerados subnormais, definidos como conjuntos constituídos por no mínimo 51 unidades habitacionais (barracos, casas etc.) ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular), dispostas, em geral, de forma desordenada e densa, e carentes, em sua maioria, de serviços públicos essenciais (5).

Werna et al. (6) afirma que a solução para esse problema não é de fácil resolução. Segundo o autor, em países em desenvolvimento, a provisão de habitação para baixa renda envolve uma rede intrincada e complexa de relações entre vários agentes e o Estado. Nestes países, as políticas públicas de provisão habitacional devem levar em consideração o contexto social, cultural e político, a dimensão da oferta de terra e habitação e as interações entre os grupos de interesse relevantes. Nessas situações, ações como o relaxamento do cumprimento de leis de uso do solo e a grande provisão governamental de serviços básicos de infra-estrutura podem contribuir de forma muito significativa para que a população de baixa renda tenha acesso à moradia digna.

Segundo Werna et al. (6), em geral, os chamados aglomerados subnormais, reúnem indivíduos com características, histórias, sonhos e necessidades semelhantes que se uniram por necessidade, claro, mas também por afinidade. O autor considera que o processo de simplesmente redistribuir essas pessoas aleatoriamente em conjuntos habitacionais, construídos pelo poder público através de licitações ou mutirões, sem os devidos equipamentos urbanos e muitas vezes distantes do local de origem dos moradores não pode ser considerado um modelo de sucesso, pois, embora forneça uma moradia adequada, não garante que aquele indivíduo será integrado à sociedade.

Roméro e Ornstein (7) relatam, no entanto, que, com o passar dos anos, houve uma mudança na maneira de encarar a questão habitacional e, atualmente, os poderes públicos procuram muito mais respeitar o assentamento existente, procedendo ao que se tem chamado de reurbanização de favelas e cortiços. Entretanto, a construção de conjuntos habitacionais continua sendo uma prática muito adotada no combate ao déficit habitacional.

Há, ainda, uma discussão sobre o aproveitamento de recursos já empregados, uma vez que as casas, construídas por autoconstrução ou não, já foram alvo de um investimento financeiro por parte do morador ou do próprio governo e muitas delas têm condições de, com poucas modificações, se tornarem habitáveis e dignas.

Diversas formas de provisão habitacional têm sido empregadas no Brasil com o intuito de reduzir os índices do déficit habitacional e os impactos da autoconstrução, entretanto, nenhuma delas se mostrou capaz de atender à demanda em escala nacional.

A seguir veremos mais detalhadamente uma das diversas tipologias de atendimento à população de baixa renda, a assistência técnica para melhoria habitacional, que tenta atender a essas necessidades.

Assistência Técnica para Melhoria Habitacional

A assistência técnica para melhoria habitacional tem surgido como uma proposta forte para ajudar a reduzir ou minimizar os impactos da autoconstrução ou autogestão. O serviço consiste na disponibilização de assistência técnica de profissionais habilitados para apoio especializado à autoconstrução. Neste sistema, um engenheiro, arquiteto ou técnico acompanha a obra e orienta os moradores e a mão-de-obra, de forma individualizada, a construir as moradias, realizando projetos e fornecendo listas de materiais e orçamentos.

Segundo Abiko et al (8), o apoio à autoconstrução dirigida à população de baixa renda é uma questão controversa entre especialistas da construção civil. Grande parte dos profissionais que atua na “construção formal” é aversa à autoconstrução por considerá-la um estímulo à informalidade e, como resultado, esse segmento é pouco discutido no “mundo formal”, resultando em estudos e publicações insuficientes a esse respeito e cursos de graduação que não contemplam essa questão. Tal constatação reforça a idéia de desamparo do autoconstrutor, que, sem recursos e sem orientação, constrói sua moradia da forma que lhe for mais viável, alheio a qualquer tipo de norma ou legislação.

Outros profissionais, porém, defendem os programas de assistência técnica, coletiva ou individual, como forma de apoio à autoconstrução e garantia de qualidade e habitabilidade das moradias de baixa renda.

Algumas experiências em países da América Latina demonstram que programas deste tipo têm alcançado resultados consideráveis. Um exemplo desse sucesso é o “Mi Casa... ¡es posible!” (9), programa que fornece assistência técnica para construção e reforma de residências no México. O projeto foi iniciado em 1996 pela empresa Holcim Opasco para apoiar o autoconstrutor e reduzir o déficit habitacional mexicano através de facilitação na aquisição de materiais, assistência técnica para construção e regularização das edificações e acesso a sistemas de crédito. Neste projeto, a assistência técnica é feita por arquitetos e engenheiros civis nas lojas de materiais e diretamente na obra, sendo estes responsáveis pelo anteprojeto simplificado, quantificação e orçamento de materiais e assessoria durante a execução da obra. Para o projeto foram desenvolvidos diversos manuais, cartilhas e tabelas, além de cursos de capacitação e apresentações técnicas. O projeto atinge mais de 80% do território mexicano e já prestou mais de 150.000 assistências.

Outra experiência internacional interessante, apresentada por Trujillo-Cárdenas e Gutiérrez (10), é o Colcerámica, implantado pela Compañía Colombiana de Cerámica S.A — Colcerámica em 2003 para tentar recuperar o espaço perdido no mercado com a abertura da economia no início dos anos 90. A empresa reestruturou suas unidades de negócios e passou a oferecer produtos com uma menor especificação estética e custo muito mais baixo. Além disso, buscou novos canais de distribuição através da entrada em comunidades de baixa renda. Moradoras das comunidades foram contratadas como promotoras de venda e o programa oferecia, ainda, assistência técnica e facilidades de crédito. Entre janeiro e maio de 2006, os seis primeiros meses de operação, as promotoras venderam cerca de 40 milhões de pesos em produtos e nos meses seguintes os valores só aumentaram.

Ainda falando em experiências internacionais, pode-se citar o Programa de Melhoria Habitacional do PRODEL, na Nicarágua, que tem como principal ação a disponibilização de crédito para as famílias de baixa renda e, adicionalmente, o serviço de assistência técnica para projeto, orçamento e execução de reformas e ampliações (11).

No Brasil, algumas experiências com assistência técnica já foram desenvolvidas em diferentes pontos do país, de caráter público ou social.

Uma experiência muito antiga é o Programa de Moradia Econômica de Bauru - PROMORE, criado pelo Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo em parceria com a Prefeitura do Município de Bauru. Segundo Misleh (12), há mais de 20 anos este programa auxilia a população da cidade a construir, reformar e regularizar suas casas através da assistência de profissionais, engenheiros e arquitetos, que executam os projetos, fazem a regularização junto à prefeitura e acompanham a obra. Os moradores que aderem ao programa têm descontos nas taxas de regularização do imóvel, mas pagam um pequeno valor pelo serviço de assistência.

O PROHABITE, realizado pela ONG Visão Mundial em Recife, também é um bom exemplo de aplicação de assistência técnica. De acordo com Sá (13), trata-se de uma experiência de disponibilização de microcrédito habitacional com assistência técnica para apoiar a construção e reabilitação de moradias para população de baixa renda em comunidades urbanas apoiadas pela Visão Mundial, sempre em parceria com organizações comunitárias de desenvolvimento local, dentro dos Programas de Desenvolvimento de Área (PDA).

Outra iniciativa bem sucedida foi o projeto Construção Assistida, realizado em uma parceria da Associação Brasileira de Cimento Portland - ABCP, Banco do Nordeste e CEFET/CE na cidade de Fortaleza no ano de 2007. Este programa atendeu 180 casos de melhoria habitacional através de um modelo de disponibilização de microcrédito e assistência técnica que forneceu as bases para o desenvolvimento de outro programa de assistência técnica para melhoria habitacional na mesma cidade, o Programa Reforma Mais, iniciado em fevereiro de 2010 (14).

Uma iniciativa que chama muito a atenção, principalmente pelo seu caráter público, são os Postos de Orientação Urbanística e Social – POUSO (15) criados pela Prefeitura do Rio de Janeiro em janeiro de 2005 e em funcionamento até hoje. No total, foram implantados 30 POUSO’s, atendendo a 64 comunidades que passaram ou passam pelo processo de regularização urbanística. Os POUSO’s são postos descentralizados da Prefeitura do Rio de Janeiro, implantados nas comunidades beneficiadas por programas de urbanização e têm por objetivo promover a consolidação destas áreas, buscando assegurar a real integração à cidade formal. Esses postos desenvolvem ações de orientação social, assistência técnica, regularização urbanística e fiscalização, estabelecendo parcerias com órgãos governamentais e ONGs. Parte importante deste processo é a assistência técnica, atividade na qual arquitetos e engenheiros do POUSO fazem projetos e orientam para que as casas sejam mais salubres, seguras e regulares. Esse projeto ganhou o Prêmio de Melhores Práticas 2005 em concurso promovido pela Fundação Habitat, Fórum Ibero Americano e do Caribe e Prefeitura de Medellín. Além disso, o projeto gerou a valorização de toda a área, o que leva os moradores a investir em melhorias de suas casas, sendo sempre atendidos por serviços de assistência técnica pelos profissionais dos POUSO’s.

Além das experiências citadas, foram identificadas, no I Seminário Nacional de Assistência Técnica, promovido pelo Ministério das Cidades em 2005, 79 experiências com assistência técnica em todo o Brasil. Esse seminário foi organizado pelo Ministério das Cidades juntamente com a Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA), CREA/MS e Caixa Econômica Federal como resultado das discussões realizadas até então sobre o tema, com destaque para a discussão do Projeto de Lei do Deputado Federal Zezéu Ribeiro do PT-BA, que mais tarde culminaria na Lei 11.888 – Lei da Assistência Técnica. Estas experiências foram apresentadas, posteriormente, na publicação “Experiências em Assistência Técnica no Brasil” (16), também do Ministério das Cidades.

Embora muitos esforços já tenham sido empregados nesse sentido, a viabilização deste serviço no Brasil ainda não foi obtida de forma satisfatória, ou seja, com resultados em larga escala e que sejam possíveis de multiplicação. Cada uma dessas experiências conta com um modelo de atuação diferente, mas todas encontraram dificuldades muito parecidas, dentre as quais a dificuldade de sustentabilidade econômica, já que poucas delas foram promovidas por órgãos públicos e dentro de programas contínuos de atendimento.

De modo geral, faltam instrumentos que possam dar suporte à operação e processos mais padronizados de atendimento. É preciso, também, trabalhar a geração de valor para o usuário, que muitas vezes tem dificuldade em perceber o valor do serviço antes que ele seja realizado. Cabe, portanto, aos técnicos demonstrar os benefícios da assistência técnica ao morador e à mão-de-obra, como a economia e a redução do desperdício. Como a equipe técnica tem que ter a habilidade de lidar com as funções técnicas e sociais, é preciso que os gestores desse tipo de programa invistam em processos de seleção, treinamento e motivação das equipes.

Outra barreira recorrente, de caráter técnico, diz respeito à correção de patologias e intervenções estruturais, encaradas com muita dificuldade pelos técnicos, que, em sua maioria, são jovens engajados na questão social, mas ainda sem a experiência necessária para lidar com essas situações. Nota-se, entretanto, que a maioria dos profissionais mais experientes e mais preparados para lidar com as questões estruturais e patologias das edificações, ou seja, em condições de atuar no sentido de resolver tais questões, apresenta certa resistência em participar dessas experiências.

Grande parte dessa resistência se deve às questões relativas à responsabilidade técnica desses profissionais ao intervir em uma edificação da qual não têm conhecimento algum sobre a qualidade dos materiais e dos serviços executados. De acordo com a legislação vigente, ao intervir na edificação, o profissional passa a ser responsável por ela, mesmo sobre aquilo que não foi projetado ou executado por ele. Dessa forma, a maioria prefere não atuar em habitações autoconstruídas ou autogeridas para evitar problemas futuros, o que acaba sendo mais um gargalo para a difusão da assistência técnica para construção e reforma de habitações populares.

No intuito de regulamentar e viabilizar a assistência técnica, sobretudo aquela disponibilizada pelo governo, algumas medidas já foram tomadas por parte do poder público. Em 2001, o Estatuto das Cidades - Lei n° 10.257 de julho de 2001 contemplou pela primeira vez a assistência técnica para habitações construídas em regime de mutirão (17). O Plano de Habitação do Governo Federal, o PLANHAB, lançado em 2009, prevê, para a população de baixa renda, o fornecimento de lotes, cesta de materiais e assistência técnica para a construção, reforma e ampliação, mas não especifica como isso vai acontecer e de que forma será tratada a responsabilidade do profissional.

O mais novo e específico instrumento nesse sentido, no entanto, é a Lei Federal nº 11.888 - Lei de Assistência Técnica (18), que garante às famílias com renda de até 3 salários mínimos assistência técnica gratuita para legalização, construção, reformas e ampliações nas residências. Segundo essa lei, as prefeituras são responsáveis pela operação de assistência técnica, podendo estabelecer parcerias com ONG’s e empresas privadas. Entretanto, muitas dúvidas ainda cercam a sua implantação, pois as prefeituras ainda não encontraram uma forma viável de colocar a lei em prática. Além disso, a lei também não especifica questões de responsabilidade técnica e critérios de aprovação dos projetos.

O fato é que cada vez mais a assistência técnica tem se mostrado importante e há grandes esforços para que ela seja implantada em âmbito nacional, entretanto, por ser uma atividade pouco desenvolvida até então, a assistência técnica para as habitações de baixa renda ainda não conta com modelos de funcionamento adequados.

Tendo em vista as experiências aqui apresentadas e os resultados gerados por elas, a proposta de um sistema de assistência técnica, seja ele nacional, estadual ou municipal, parece ser uma boa alternativa de provisão habitacional, entretanto, as experiências realizadas até o momento no país, em caráter público ou não, demonstram que muito ainda há de ser feito para viabilizar a oferta de um serviço de assistência técnica eficiente e eficaz.

Considerações Finais

Este artigo forneceu uma visão geral sobre o serviço de assistência técnica para melhoria habitacional, a legislação e os programas já existentes nesse sentido, procurando discutir a sua importância para a redução do déficit habitacional qualitativo do país e as dificuldades ainda encontradas para a sua viabilização.

Procurou-se mostrar aqui, de forma resumida, exemplos de programas nacionais e internacionais que fornecem assistência técnica para melhoria habitacional à população de baixa renda como forma de provisão habitacional. Foram apresentados exemplos de programas com diversas configurações, desde os de caráter estritamente públicos até aqueles promovidos por organizações não governamentais e empresas privadas.

De grande importância, também, são os instrumentos legais criados no sentido de regulamentar a atividade. Nesse sentido, a criação de um marco regulatório, a Lei da Assistência Técnica, é um novo e importante instrumento para viabilizar a assistência técnica gratuita através de programas públicos, uma vez que permite ao governo investir em programas municipais que podem, inclusive, ser operacionalizados por ONG’s e empresas.

Muitos pontos, no entanto, devem ser considerados na elaboração desses programas, como a elaboração de ferramentas de suporte à operação, de caráter técnico e social, visando suprir as necessidades dos técnicos e responder às dúvidas dos moradores. A gestão e a organização do serviço também são pontos que devem ser muito estudados para garantir a viabilidade logística e econômica, uma vez que são fundamentais para o sucesso de qualquer programa.

O que se percebe é que, até hoje, essa atividade tem sido realizada, na grande maioria dos casos, como uma atividade do terceiro setor, muitas vezes voluntária, e até hoje sem muita estruturação formal, condição que deve ser alterada com o investimento público na prestação desse serviço à população.

Este artigo representa uma tentativa de contribuir para a mudança do cenário do déficit habitacional qualitativo brasileiro e promover o desenvolvimento da atividade de assistência técnica para melhoria habitacional como um serviço viável e estruturado, sobretudo fornecido pelo poder público. As informações contidas aqui são parte de uma pesquisa mais ampla sobre a habitação popular, na qual se pretende discutir as modificações realizadas pelos moradores em unidades de HIS e a possibilidade de oferta de assistência técnica para esses moradores.

Fica, porém, a deixa para que outros pesquisadores também sigam por esse caminho no intuito de estruturar a assistência técnica para melhoria habitacional para moradores de outros tipos de assentamentos e, assim, contribuir para reduzir o problema habitacional do país.

notas

NA
Adaptado de:
SILVESTRE, M. G.; CARDOSO, L. R. A. Assistência técnica para melhoria habitacional. In: Congresso Luso-Brasileiro para o Planejamento Urbano, Regional, Integrado e Sustentável, 5., 2012, Brasília. Anais... Brasília: Universidade de Brasília, 2012.

1
ABIKO, A. K.; CARDOSO, L. R. A.; GONÇALVES, O. M.; HAGA, H. C. R.; INOUYE, K. P.; BARBOSA, A. L. S. F. O futuro da indústria da construção civil: produção habitacional. Brasília: MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2005. v. 1. 122 p.

2
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Centro de Estatística e Informações. Déficit habitacional no Brasil 2007. Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Habitação. Brasília, 2009. 129p.

3
ANAMACO & LATIN PANEL. Tendências Latin Panel - Para onde caminha o consumidor? 2008. Disponível em <http://www.anamaco.com.br/resumo_dados_materiais.ppt>. Acesso em: 18 mar 2010.

4
VIDAL, F. E.C. A Autoconstrução e o Mutirão Assistidos como Alternativa para a Produção de Habitação de Interesse Social. 2008. 165 p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Arquitetura e urbanismo, Universidade de Brasília. Brasília, 2008.

5
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Centro de Estatística e Informações. Déficit habitacional no Brasil 2006. Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Habitação. Brasília, 2008. 98p.

6
WERNA, E. et al. Pluralismo na Habitação. São Paulo: Annablume – FINEP, 2001.

7
ROMÉRO, M. A.; ORNSTEIN, S. W. Avaliação Pós Ocupação. Métodos e Técnicas Aplicados à Habitação Social. 1a.. ed. Porto Alegre: Coleção Habitare/FINEP/ANTAC, 2003. v. 1. 293 p.

8
ABIKO, A. K; CARDOSO, A. L (org). Procedimentos de gestão habitacional para população de baixa renda. Porto Alegre: ANTAC, 2005. — (Coleção Habitare, v. 5) 144p.

9
HOLCIM OPASCO. Sustainable Development - Report 2004. 2004. Disponível em: <http://www.holcim.com/gc/MX/uploads/Sustainable%20Development.pdf>. Acesso em: 16 fev 2010.

10
TRUJILLO-CÁRDENAS & GUTIÉRREZ. Colombia: Colcerámica and the Base of the Pyramid. Revista Harvard Review of Latin America. Fall 2006. P. 13-15. Disponível em: <http://www.drclas.harvard.edu/revista/files/45743a2e80eb3/revista_fall06_print.pdf> Acesso em: 26 mar 2010.

11
PRODEL - FUNDACIÓN PARA LA PROMOCIÓN DEL DESARROLLO LOCAL. Reducción de la pobreza y mejora urbana en Nicaragua: diez años de avance. 1ª ed. Manágua: PRODEL, 2006. 90 p.

12
MISLEH, Soraya. ABC do PROMORE. Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo. São Paulo: Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo, 2009.

13
SÁ, W. L. F. de. Programa de Melhoria Habitacional – PROHABITE: Experiência de microcrédito habitacional com assistência técnica. I Seminário Assistência Técnica Um Direito de Todos: Construindo uma Política Nacional. Campo Grande, 2005. Disponível em: < http://www.fna.org.br/seminario/pdfs/Tema(1)Palestra%20(2).pdf >. Acesso em: 21 fev 2010.

14
SAITO, C. M; FRIGIERI JR, V. Construção Assistida – Projetos Selecionados. Associação Brasileira de Cimento Portland, Banco do Nordeste e CEFET-CE, São Paulo, 2007.

15
CLUBE DA REFORMA. Posto de Orientação Urbanística e Social (POUSO), Prefeitura/RJ. Canal Iniciativas. Disponível em <http://www.clubedareforma.com.br/iniciativas/8/POSTO+DE+ORIENTACAO+URBANISTICA+E+SOCIAL+POUSO+PREFEITURARJ.aspx>. Acesso em: 24 abr 2011.

16
CUNHA, E. M. P.; ARRUDA, A. M. V.; MEDEIROS, Y (org.). Experiências em habitação de interesse social no Brasil. Brasília: Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Habitação, 2007. 219 p.

17
BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Estatuto das Cidades.

18
BRASIL. Lei nº 11.888, de 24 de dezembro de 2008. Lei da Assistência Técnica.

sobre os autores

Michelli Garrido Silvestre é engenheira civil formada pela Escola de Engenharia Mauá e mestranda em Engenharia de Construção Civil e Urbana pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Atua na área de Edificações da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) no desenvolvimento de ações voltadas à construção habitacional.

Luiz Reynaldo de Azevedo Cardoso é engenheiro civil pela Escola Politécnica da USP, tem mestrado e doutorado em Engenharia de Construção Civil e Urbana pela mesma escola. Atualmente é Professor Doutor e pesquisador da Escola Politécnica da USP, no Departamento de Engenharia de Construção Civil e leciona também na Faculdade de Arquitetura Belas Artes. Exerce atividade profissional e de pesquisa nas seguintes áreas: planejamento, custos e gerenciamento da construção; habitação e infra-estrutura urbana; prospecção tecnológica e cadeia produtiva da construção civil.

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