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drops ISSN 2175-6716

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Neste artigo, o artista plástico Almandrade faz uma crítica à atual situação dos museus e das exposições e da produção cultural como um todo, que reflete o narcisismo do espetáculo, em detrimento do ponto de vista da reflexão

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(ALMANDRADE), Antônio Luiz M. de Andrade. A política cultural e os museus. Drops, São Paulo, ano 11, n. 042.03, Vitruvius, mar. 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/11.042/3777>.


Solar do Unhão
Foto Nelson Kon


A carta dos profissionais de museus ao Secretário de Cultura da Bahia, me fez lembrar a crítica do carioca Wilson Coutinho: “Depois que happenings e performances deixaram de ser engraçados, a instalação ocupou, até na maioria dos casos, a nova forma populista de exibição: mexe-se nela, anda-se, escuta-se barulhinhos, morde-se alguma coisa, sente-se o vento, somos obrigados a andar descalços, etc. o que tornou os museus e centros culturais verdadeiros playgrounds para alegrar o adulto idiotizado e a criança criativa”. Estamos falando de um museu específico, o de arte. Se ele é o espelho de uma produção cultural, em tal contexto, reflete o narcisismo do espetáculo, em detrimento do ponto de vista da reflexão.

A partir das décadas de 1980 e 90, foram criados centros culturais e museus, em quase todo o mundo, sem se saber ao certo o que colocar neles. Surgiu também uma nova profissão na arte: “a sua excelência, o curador... Os museus tornaram-se espetáculos que pouco importa o que se mete dentro deles...” (Coutinho). Como se não bastasse tudo isso, com algumas exceções, Tem-se a impressão de que o coquetel e presença de celebridades registradas nas colunas sociais são mais importante que a exposição.

Perdão aos profissionais de museus, por meter a colher onde não deveria, por entrar numa discussão que não é mais da especialidade e da responsabilidade do artista plástico, mas a minha intenção política não tem outro significado, senão contribuir para o debate. O fato é que, na década de 1970, quando iniciamos o nosso percurso na arte, descendentes da arte conceitual, tínhamos o museu, como um lugar de atuação e discussão, os mais politizados, até falavam de suas propostas artísticas, como intervenções materialistas na instituição ou no circuito de arte. Também não havia lei de reserva de mercado. Hoje, o artista vive à margem da república museal, também pudera, ele perdeu a consciência crítica e o discurso, passou a ser um produtor de obras voláteis, o verdadeiro bobinho da corte para animar platéias com pouco raciocínio.

A salvaguarda fica ainda comprometida, quando é o próprio artista que despreza o acervo do museu, seu material de trabalho e reflexão, ele esqueceu a lição de Cézanne que passava tardes no Louvre, contemplando a tradição para dar um passo adiante na modernidade. Sem ter o mínimo trabalho de olhar, declaram-se artistas talentosos nos sites de relacionamentos, para o K K K da platéia de amigos. O pior é que esse culto à ignorância é uma praga que está contaminando parte da chamada arte contemporânea, agentes do circuito, e até defensores de uma política cultural. Nessa confusão, o melhor gestor é aquele que faz mais festas, mais vernissages, que trás para a província novidades que já ocorreram em outros tempos, para atender outros interesses.

Os artistas visuais não chegaram a viabilizar um processo de discussão acerca de uma política para as artes, alguns arriscaram acusações, mas sem apresentar as provas. Difícil condenar o inimigo. É preciso pensar a realidade museológica e as artes visuais na Bahia. Se os artistas não articularam nenhum discurso, nem fizeram propostas, se limitaram a reivindicações, os museólogos foram mais espertos, aparelhados com a Política Nacional de Museus, acenderam a fogueira. Resta saber se a lenha vai realmente pegar fogo. Não adianta só o vento soprar, a lenha precisa estar seca.

Os museus passaram por reformas significativas nos últimos anos, ganharam prestígios e são considerados instituições culturais referência da cidade contemporânea. Surgiu até a indústria de museus, que atua mais a serviço do entretenimento e do turismo do que da memória, da história e do exercício da cidadania, mas capaz de movimentar a economia. Essa difícil conciliação cultura e economia que ocupa cada vez mais centro das atenções.

Em Salvador, os museus são instalações arquitetônicas adaptadas, muitas que não atendem mais as condições exigidas de guarda e conservação do acervo, outras em condições estupidamente precárias, contrárias a tudo que recomenda as necessidades e política de museus. Temos a política, mas não temos onde aplicá-la. Será que adianta ensinar a criança a lavar as mãos antes das refeições, se em casa a água é escassa? Vamos acreditar que sim, um dia ela vai ser crescer, perceber a riqueza da água e lutar para reverter essa situação.

Na segunda metade da década de 1980, quando ocupamos o Departamento de Museus da Fundação Cultural do Estado, tendo à frente o artista plástico Zivé Giudice, defendemos a transferência do Museu da Arte Moderna do Solar do Unhão para uma edificação que atendesse às exigências da museologia, em área da cidade de fácil acesso e com um partido arquitetônico de visibilidade moderna. Fomos vencidos. Readaptado para as condições de museu, a arquitetura do Solar do Unhão foi comprometida, a escada projetada pela arquiteta Lina Bardi que dialogava com o exterior através das esquadrias, ficou estrangulada. Com poucos recursos, sem vontade política e principalmente sem vontade intelectual, os museus sobrevivem na capital da festa.

nota

NE
Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde, Salvador, 09 fev. 2011.

sobre o autor

Antônio Luiz M. de Andrade (Almandrade) é artista plástico, arquiteto, mestre em desenho urbano e poeta. Desde 1972 dedica-se ao pensamento da arte concretizado em suas pinturas, esculturas, instalações e poemas visuais, participando de várias mostras coletivas, nacionais e internacionais. Realizou cerca de trinta exposições individuais em Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo; escreve em jornais e revistas especializados em arte, arquitetura e urbanismo. Recebeu diversos prêmios, dentre eles o da Fundarte em 1986 e da Copene em 1997 e publicou vários livros dentre os quais “Arquitetura de Algodão" e “Escritos sobre arte: arte, cidade e política cultural”.

 

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