Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

interview ISSN 2175-6708

abstracts

português
Gabriel Rodrigues da Cunha entrevista o arquiteto e professor Julio Roberto Katinsky, que fala sobre sua trajetória profissional e de pesquisador, a arquitetura paulista e alguns de seus expoentes

english
Gabriel Rodrigues da Cunha interview the architect and professor Julio Roberto Katinsky, who talks about his career as a researcher, the architecture of São Paulo and some of its exponents

español
Gabriel Rodrigues da Cunha entrevista al arquitecto y profesor Julio Roberto Katinsky, que habla sobre su trayectoria profesional y de investigador, la arquitectura paulista y algunos de sus exponentes

how to quote

CUNHA, Gabriel Rodrigues da. Julio Roberto Katinsky. Entrevista, São Paulo, ano 08, n. 029.01, Vitruvius, jan. 2007 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/08.029/3298>.


Casa do Sítio Santo Antônio, São Roque SP, século XVII. Foto FAU-USP / IPHAN-MEC
[fonte: LEMOS, Carlos. Arquitetura brasileira. São Paulo, Melhoramentos/Edusp, 1979]

Gabriel Rodrigues da Cunha: Qual seria sua visão da produção histórica do espaço construído? 

Júlio Roberto Katinsky: A minha visão do espaço arquitetônico está mais próxima da Escola dos Anais, que trabalha com longos períodos e não curtos. E isso muda muito o tipo de enfoque, de observação e de resultado. Por exemplo, em 1º lugar não é verdade que nós estamos numa etapa da civilização – isto acreditavam os intelectuais formados entre a 1ª e a 2ª Guerra Mundial – marcada por um universo inteiramente novo, em que a burguesia teria sido derrotada, seja pelo lado marxista, seja pelo lado racista – que eram teorias que estavam vigindo. Os fascistas e os nazistas também acreditavam que estavam rompendo com a ordem burguesa. E, evidentemente, os marxistas, todos estavam certos que o capitalismo tinha levado a sua mais terrível afronta quando surgiu um país que se considerava socialista. Mas nós estamos em “2001” essas afirmações se provaram incorretas. O pensamento mais direitista analisou cuidadosamente a experiência soviética e concluiu que a URSS não era socialista coisa nenhuma, era capitalista de Estado. E o tempo se encarregou de mostrar que era isso mesmo. Como agora aconteceu na China e em parte na Itália que tinha um capitalismo muito frágil, mas que se beneficiou dos empreendimentos estatais, na economia e que levantaram a Itália. Toda a exploração de petróleo e gás na Itália foi feita por uma firma estatal e a URSS, a China, todos estes países têm feito milagres aparentes na economia baseados na capitalização do Estado.

Entretanto existe um pormenor importante: eles só têm feito até agora aquilo que o capitalismo, a burguesia européia havia feito desde 200, 300 anos. Então a minha tendência hoje é não ver essa coisa do mesmo jeito que a Lina, que foi minha professora, que eu gostava muito e que continuo gostando dela, como do Artigas que acreditava que o socialismo estava ao alcance das mãos e, na realidade ele morreu, inclusive profundamente decepcionado porque chegou à conclusão, percebeu finalmente que não estava. Então aqueles sonhos de juventude se mostraram sonhos. Isto evidentemente foi uma grande decepção, mas a postura desta gente me provoca um profundo respeito, porque eles perseguiram um sonho de libertação, um sonho de liberdade. Ainda que eles errassem, como diz o Brecht muito bem, ainda que eles errassem o sonho deles era verdadeiro. Quer dizer o desejo de liberdade está provado, a URSS desapareceu a mais de 20 anos e ao invés de nós termos um mundo tranqüilo, o capitalismo se estendendo por todo o mundo, o império americano dominando serenamente, não esta acontecendo nada disto. Ao contrário, o império americano está sendo contestado de uma maneira como nunca tinha sido contestado no passado. Hoje todas as grandes bandeiras americanas estão se voltando contra eles. Direitos humanos, pô!... nunca respeitaram direitos humanos e agora está ficando patente que o que está acontecendo agora sempre aconteceu. Eles tiveram um aparteid interno até 1960. Agora não tem mais aparteid direto e ostensivo, mas o pessoal mesmo reconhece que os negros americanos continuam numa situação muito inferior.

GRC: Vide o que aconteceu com o Katrina, lá no Sudeste dos EUA, com os negros.

JK: Pois é o Katrina, agora pôs a nu a pobreza dos negros americanos. E a brutalidade com que eles trataram os muçulmanos lá no Iraque e no Afeganistão vai custar caro! Mas isto não é meu problema. O problema concreto é o seguinte a minha visão da arquitetura brasileira e da arquitetura residencial não é propriamente uma visão de que as classes estão em luta e a burguesia vai perder a batalha e o proletariado vai assumir e o espaço vai ser mais libertário. Esse espaço libertário que nós estamos vendo agora já está impresso nos grandes arquitetos burgueses do final do século 19. Agora você vai dizer estes arquitetos burgueses rompiam com a sua classe? Até certo ponto. Até certo ponto. Porque na realidade todos eles foram sustentados e trabalharam para a classe dominante. O Willian Morris que é uma das figuras emblemáticas deste processo, ele até o fim da vida estava decorando, desenhando o palácio para a coroa inglesa, trabalhando para a alta burguesia inglesa, que, aliás, trabalhava muito bem...

Então a minha preocupação quando eu comecei a me interessar por habitação e, aí é importante porque isto está em discussão até hoje, quando eu comecei a me interessar fiz uma tese de doutorado (1) sobre a casa bandeirista. Lá eu tentei mostrar que a casa bandeirista era uma associação de um espaço europeu, português e popular e o espaço indígena. E eu não consegui achar o nexo entre a casa popular portuguesa e a casa indígena, na minha tese. Eu afirmei isso e mostrei que era possível, mas não demonstrei. Mas anos depois lendo um livro de um antropólogo americano eu descobri o elo entre a casa popular e a oca indígena e por sua vez a associação, digamos assim, a associação entre os dois, na casa bandeirista. Mas aí eu percebi que o processo era maior! Porque o "Lewis Morgan” fala no galpão que é uma expressão que não existe. É uma expressão das línguas tanto espanhola quanto portuguesa da América, não existe na metrópole. Nem hoje existe, eles não usam esta palavra! O Galpão é uma palavra, uma adaptação de uma casa típica que os índios brasileiros também faziam, uma casa comum, né? Nesta casa comum eles começaram a armazenar os bens de transporte, os bens que eram chamados tropicais, que eram transportados. E mais tarde o galpão serviu para muitos usos, inclusive o engenho de açúcar se instala, o grande engenho de açúcar manufatureiro que era o único possível porque senão não compensaria a distância, produzia uma distância de milhares de quilômetros da Europa, era preciso um novo sistema, um novo método de trabalho que é o método da manufatura tipicamente – isto o Marx descreveu muito bem no livro “Capital” – é o processo capitalista por excelência. Então o açúcar já vem pra cá em forma de manufatura. Esta manufatura não existia na Europa. Porque inclusive era proibida, tinha que ser feita com mão de obra escrava e era proibida a escravidão na metrópole. E ela tinha que ser feita fora da metrópole, isto em primeiro lugar. Em segundo lugar ela tinha que ser feita por escravo, não podia ser feita por artesão, porque é uma verdadeira linha de montagem. Você vê a descrição do Antonil no século XVIII, aliás, século XVII, está publicado no século XVIII, mas na realidade ela é do século XVII. O Antonil descreve claramente é uma manufatura, é a 1ª grande manufatura do capitalismo europeu. Ele se instala no galpão, durante todo este tempo. Todas as operações como se fosse uma grande cobertura indígena. Aí é que está você vê que os europeus nem têm a palavra para a manufatura. Então eles usam uma palavra emprestada, como aqui usaram a palavra indígena “calpule”. Mas lá eles só tinham um espaço grande que é o Hall, que é o grande espaço onde ficavam os soldados, os gendarmes (ou geus d’arme) – os homens de armas. Você tem espaços no próprio palácio do Filipe Le Bel, que era um poderosíssimo rei na Europa, no palácio tem a sala dos gendarmes que é enorme, tem uns fogões que davam para se assar um porco inteiro. Não digo que daria para assar um boi inteiro, mas pedaços de boi inteiros podiam ser assados neste grande forno, que eram mais de mil homens que ficavam neste espaço. Então é daí que vem a palavra hall. E, no palácio que era um castelo do Filipe Le Bel, que tem lá e chama-se... ele tem duas torres... um nome engraçado...agora me escapa o nome do palácio. Mas está lá intacto. Só foi construído um andar acima dele no século XVII, encima dele foi construído este andar que foi usado pela corte etc. Mas embaixo está este grande salão que antes era coberto com um telhado.

Então, estou contanto tudo isto para você, porque na realidade este espaço comum é característico da arquitetura brasileira desde o século XVI até os dias de hoje. É um espaço onde se fazem várias coisas. Vem daí. Agora houve um pequeno período da nossa sociedade quando os paulistas resolveram trazer a civilização para cá. A partir de 1870 eles copiaram os prédios principalmente franceses, onde cada função tinha um compartimento preciso. Então eles repetiram isso, mas é um período extremamente curto e nunca desapareceram estas salas comuns. Principalmente nas casas do interior, todas as casas no interior eram sempre assim. E é tão característico isto que, inclusive eles tinham às vezes duas cozinhas, a cozinha de dentro da casa, muito limpinha e a cozinha fora no quintal pra fazer... É uma coisa bem característica do interior paulista, por exemplo, mas é geral!

GRC: Pelo Carlos Lemos eu me lembro que ele trabalha a questão da cozinha no lado de fora, mas a interna eu não me lembro exatamente.

JK: O Lemos também fala isso. Então em geral você vê uma sala para receber gente – que é a sala de visita, na frente – mas a sala que todo mundo usa é uma sala de bagunça, atrás! Junto com a cozinha. E estas salas freqüentemente são até grandes, não são pequenas. Então você vê que esta é a minha maneira de ver o problema do espaço da casa brasileira que SEMPRE conserva situações e espaços que já tinham sido assimilados ao longo do tempo e isto também se verifica na casa moderna, a casa moderna que começa a se instalar e que derruba aquela casa compartimentada, o Warchavchik não faz isso, ele continua com a casa compartimentada e é o homem que traz o modernismo.

GRC: É o esquema tripartido, áreas de rejeição, sociais e íntimas.

JK: Então você vai ver esta tendência se reforçando durante a década de 30, um retorno ao espaço caipira tradicional.

GRC: A partir de 1930?

JK: A partir de 30. Um retorno... se bem que... por exemplo, o Júlio Abreu fez aquele prédio na Avenida Angélica e ele vai botar a cozinha e os banheiros naquele prédio, um andar acima do outro, ele vai botar pra fora para a rua e vai botar a sala de estar para dentro, pro pátio interno. Então você vê que o Júlio Abreu, que nunca foi um arquiteto assim preocupado com estes problemas todos, etc. ele também obedeceu a desejos e aspirações que eram da população.

Voltando ao nosso caso do espaço brasileiro, este espaço, aí começam divergências que eu nem quero entrar em discussão porque eu acho que não vale a pena. Querem dizer que este espaço era uma casa paladiana. Pra mim isto não quer dizer nada! Eu não vejo possibilidade de um Paládio, que é um arquiteto refinadíssimo, da Veneza que está em decadência, por causa da perda do Comércio Mediterrâneo que passa a ter uma importância secundária perto do grande comércio oceânico. Então, eles vão construir uma série de casas muito refinadas em toda a região ali do “Vênito”, os grandes senhores venezianos vão se transformar proprietários de terra no Vênito, na terra firme e vão desenvolver uma arquitetura refinada. Eu acho que tem pouco a ver com estas casas iniciais que são muito ásperas, são toscas. Mas estão absorvendo um espaço inexplorado, porque é evidente que viver no Brasil no século XVII, XVIII e XIX e no século XX é diferente de viver na Europa, até hoje!

GRC: Com certeza!

JK: Então essa é a minha visão do espaço da casa brasileira, porque este espaço comum não é específico de São Paulo. Eu pensei que fosse específico de São Paulo, mas não é! Ele está espalhado pelo Brasil inteiro! Por quê? Porque o índio está presente...

GRC: Em grande parte do Brasil, ou melhor, nele inteiro!

JK: E tem mais: certos hábitos dos índios foram tomados como modelo. Aqui em São Paulo nós temos dois pratos que até muita gente fora de São Paulo não conhece. Que é a pamonha e o curau! Dois nomes, aliás, que nem são europeus. Não só o prato é indígena como... agora o que nós temos de presença da sabedoria indígena na nossa vida é muito grande e a harmonia interna da família que é típica do índio, ah! Isto deixou todo mundo completamente desarmado! O europeu ficou desarmado! O primeiro indivíduo que deixou um testemunho sobre isto, por incrível que pareça, é o Américo Vespuccio. Ele disse que morou um mês nestas casas comuns e ficou impressionado com o absoluto respeito pelo espaço do outro!

GRC: Apesar de não haver paredes e, no entanto...

JK: Não tem paredes, mas tem a definição de cada trecho, para cada um e não é absolutamente desrespeitado! Então você vê que realmente há costumes que penetram fundo na nossa cultura que vem do índio. Por exemplo: se você for a Portugal dificilmente você vai ser recebido nas casas das pessoas como os estrangeiros são recebidos aqui. Nós temos uma maneira de receber as pessoas que vem do índio, o índio é assim. Ou você é inimigo ou você é amigo. Não tem meio termo. Se você é amigo você é recebido com tudo, tudo é dado para você! Entende? Não há nenhuma restrição. E isto choca muito o brasileiro quando vai ao bistro, no restaurante, mas nunca em casa. Para ser recebido em casa precisa ser um milagre. Aliás, nós arquitetos brasileiros que fomos fazer um estágio em Londres, fomos porque nós rompemos com os costumes deles! Então eles pegaram e também nos receberam em casa! Porque nós recebemos o diretor da faculdade na nossa casa que era a casa do Brasil, não o levamos para um restaurante. Ele nos levou para um restaurante. Mas nós não! E nós pedimos para os funcionários, digamos assim hierarquicamente menos importantes, que também fossem convidados. A secretária da Escola, doutora por uma faculdade de lá, não foi bem visto nós termos convidado a secretária. E ela por sua vez nos convidou para uma festa na casa dela. E convidou umas amigas, foi uma coisa muito agradável! Muito bonita. Mas ela morava na periferia, a periferia de Londres é uma coisa especial, é uma região pobre, mas não é a periferia horrorosa da França de Paris, ou de Roma. É uma periferia mais limpa, mais civilizada, mais bonita! Então, eu estou contando isto porque realmente nós quebramos os padrões deles. E aí eles também por uma deferência especial quebraram para nós. Mas tem gente que passa um, dois anos. Eu fui lanchar na casa da secretária da escola e todo mundo disse: “Nossa! Mas como é que vocês conseguiram? Eu passei anos lá! Eu nunca entrei numa casa inglesa! Nunca fui convidado!” E eles perceberam que nós éramos diferentes, o costume deles é receber num restaurante, na França receber num bistro e assim por diante. Então você veja que não adianta analisar a casa brasileira a partir dos modelos europeus e também não adianta analisar num ponto de vista muito ferozmente estrito das classes! Do ponto de vista das classes! Os ingleses usam uma expressão que eu acho muito feliz: “arquitetura vernacular”. Porque a palavra vernacular não é de arquitetura. É da língua! Então, você tem nuances, separações etc., mas a língua é um elemento comum de qualquer país. As classes se comunicam através da língua. E esta característica de língua comum existe também em arquitetura. A casa burguesa tem piso de mármore, equipamentos eletrônicos etc, mas se você olhar com atenção elas são iguais!

GRC: “Elas”, você diz, a casa popular e a burguesa, certo?

JK: É. Veja só, nós entramos numa casa brasileira – qualquer que seja o nível social – pela sala comum, de visita. Na Inglaterra não é obrigatório acontecer isso! Você pode entrar num apartamento pelo lado dos quartos! E você só vai chegar à sala de uso, no Hall, no room etc. no fim! O pessoal fica chocadíssimo quando vê as plantas. Eu até recebi uma planta de uma senhora que foi muito amiga minha na casa do Brasil lá em Londres. Ela me mandou um folheto de um prédio que estava construído em frente. Um prédio CARÍSSIMO! 400 mil libras! Hoje seria na ordem de quase 600 mil dólares! Um milhão e quatrocentos mil reais! E ela ficou muito chocada, porque ela me mandou o folheto exatamente por causa disto! A entrada era pelo corredor dos quartos, banheiro e no fundo tem uma cozinha e uma sala. “Essa planta é mal feita!”, disse ela. Mas não é mal feita! É outro mundo! Ela é brasileira, apesar de estar lá na Inglaterra, muitos anos, fala inglês perfeito e tal. Ela no fundo é brasileira! Não é mal feita, é outro modo de ver as relações humanas.

nota

1
“A casa bandeirista – nascimento e reconhecimento da arte em São Paulo”. A proposta inicial deste livro era a de estudar a hipótese “casa paulista” como resultado da junção da casa portuguesa e da indígena. Posteriormente, seis meses depois considerou que esta hipótese era óbvia, se propondo a estudar, portanto, como havia sido descoberta esta hipótese. Assim a tese ficou com o subtítulo “nascimento e reconhecimento da arte em São Paulo”.

Casa do Sítio Padre Inácio, Cotia SP, século XVII
Fotos FAU-USP

comments

029.01
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

029

029.02

Marcos Konder

Antônio Agenor Barbosa and Juliana Mattos

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided