Casa da Música, Porto, Portugal. Arquiteto Rem Koolhaas
Foto Igor Guatelli
André Teruya Eichemberg: O Descontrutivismo em arquitetura, vislumbrado principalmente através de Derrida e Tschumi, não foi interpretado principalmente quanto à forma? Vemos inúmeros casos de arquitetos e críticos que tecem uma leitura formalista quanto a essas idéias, promovendo um certo repúdio aos conceitos pensados. Como Baixios do Viaduto se insere nestas questões?
Igor Guatelli: Infelizmente, nós arquitetos, sempre fomos um pouco avessos ao mundo dos conceitos. Como arquitetura é “Arte”, sempre nos preocupamos mais com o objeto arquitetônico e os possíveis afectose perceptos de nossas “concepções” estético-formais, deixando para a Filosofia o problema de criar e pensar os “conceptos” [conceitos] de nossas “concepções”. Ainda precisamos descobrir que podemos pensar com conceitos, que o papel do conceito não reside na sua capacidade de explicar as coisas, mas de estimular o nosso pensamento além representações históricas, e que não é crime construirmos “pontes” com a Filosofia. Não temos a obrigação de inventá-los, o que não deixa de ter repercussão e de ser polêmico quando isto ocorre. Vide, por exemplo, Koolhaas e seus conceitos de Bigness e Cidade Genérica. Creio que esse processo de pensar a arquitetura com conceitos [repare, não estou falando em sujeição aos conceitos] pode nos levar a uma des-limitação do que entendemos como o mais apropriado para a Arquitetura. Aliás, quais os pensamentos e questões que seriam próprios da Arquitetura? O fim da Arquitetura não estaria justamente em restringi-la às suas finalidades intrínsecas? O projeto dos baixos de viadutos é uma proposta de discussão conceitual que tenta ir além, em diversos aspectos, do que entendemos ser próprio ou ser propriedade, da Arquitetura. Deixar de ser objeto para tornar-se um sub-objeto, um “suporte” [involução?] parece ser um [bom] começo.
ATE: Gostaria que falasse um pouco sobre a noção de Khôra de Derrida e esses questionamentos da arquitetura enquanto suporte.
IG: Em um trecho do livro Khôra, Derrida diz :”Khôra recebe, para lhes dar lugar, todas as determinações, mas a nenhuma delas possui como propriedade. Ela as possui, ela as tem, dado que as recebe, mas não as possui como propriedades, não possui nada como propriedade particular. Ela não é nada além da soma ou do processo daquilo que vem se inscrever sobre ela, a seu respeito, diretamente a seu respeito...” (pg25). Arquitetura enquanto suporte seria uma arquitetura isenta, ou “esmaecida”, em relação às suas pré-determinações, sensível ou inteligível. Seria um suporte infra-estrutural capaz de assimilar e responder às solicitações externas, distantes ou não, contrárias ou não, às suas características, ao que seria mais adequado à “natureza” do seu espaço, mas jamais se deixando conformar segundo uma ou outra im-pressão. Como “Khôra”, essa arquitetura seria um receptáculo, hospitaleiro, não como um condutor de ações, mas uma estrutura sempre aberta ao que chega, ao porvir.
ATE: Nesse sentido, a idéia de Khôra de Derrida não se aproximaria da noção de devir deleuziana?
IG: A apropriação e releitura desconstrutora que Derrida faz do conceito de Khôra do Timeu de Platão reforça sua defesa in-condicional do indeterminado, do dar passagem ao outro. Como receptáculo que a tudo acolhe, Khôra[ou estado Khôra das coisas]seria a “nourrice” [aquilo que alimenta nossa imaginação] pela qual as coisas sensíveis vêm e se manifestam. Sendo assim, parece ser muito próximo da defesa de uma razão da sensação profunda [afectos e perceptosoutros] de Deleuze, a potência do desejo como condição de devir. Em estado Khôra,a construção arquitetural é submetida à uma neutralização das finalidades pré-existentes, com os atributos vindo a posteriori.

Casa da Música, Porto, Portugal. Arquiteto Rem Koolhaas
Foto Abilio Guerra