Entre: Que perspectivas vocês vêem para a cidade do Rio de Janeiro e sua arquitetura?
Guilherme Wisnik: A Copa do Mundo de futebol e as Olimpíadas são fatos gigantescamente importantes hoje e nos próximos anos para o Brasil. Ao que parece, as decisões sobre o que será feito com todo investimento estão acontecendo de maneira não pública, por debaixo dos panos, ou seja, do pior modo possível. É uma grande chance histórica que está sendo posta nas mãos do Brasil. A ideia da chance é muito ideológica, como um discurso para inglês ver, mas, de certo modo, há algo de verdade nisso, uma vez que o olhar do mundo parece que se voltou para o Brasil, o elegendo como bola da vez, representante da América Latina na globalização e ocupando um espaço de grandeza no concerto das nações. Isso significa que o Brasil vai de fato se globalizar nos próximos anos; não o país inteiro, mas uma parcela. O Rio de Janeiro é o foco principal, mas também apenas uma parcela dele. Globalizar significa receber investimentos maciços e também pagar por eles em obras que correspondem a uma expectativa global em termos de arquitetura, infraestrutura, urbanismo e também participar de um movimento global de dinheiro, pessoas, turismo e mercadorias.
Apesar de todos os problemas do governo Lula, parece que, diplomaticamente, o Brasil alcançou um patamar importante nesta nova ordem mundial que está se desenhando, pela estabilidade econômica, pelo que representa ideologicamente e por uma certa confiabilidade que transmite. No entanto, tudo que está ligado a urbanismo, principalmente no Rio de Janeiro, não acompanhou esse salto. As ações práticas no espaço público carioca continuam a ser daninhas, patrimonialistas, corruptas, tacanhas, visando o privilégio de poucos, mantendo todas as contradições e exclusões, e embalando a cidade numa face turística e globalizada no pior sentido. Parece que o Rio de Janeiro não está escolhendo um caminho que gere efeitos positivos, como aconteceram em alguns mega eventos como esses – sendo Barcelona 92 tratada como o caso mais emblemático. Por isso, o nosso papel como críticos é vital. Tudo que fizemos até hoje como crítica de arquitetura e urbanismo no Brasil é nada, tendo em vista o que precisaremos fazer nos próximos anos. Vamos precisar ocupar páginas importantes dos grandes veículos de comunicação para trazer essas discussões à tona. Não será fácil, mas se não fizermos isso, seremos grandes perdedores.
Ana Luiza Nobre: A situação do Rio é muito emergencial e alarmante. Vários projetos estão surgindo cotidianamente na mídia: um vai atropelando o outro sem que haja qualquer correlação entre eles. A cidade está sendo pensada como uma série de polos segmentados: Zona Portuária, Barra da Tijuca, as instalações olímpicas que se espalham pela cidade... Mas não existe sequer um Plano Diretor, já que o nosso é de 1992. Como o Plano Diretor é decenal, o Plano do Rio deveria ter passado por um processo de revisão em 2002, ou seja, estamos atrasados oito anos!
Em um debate em outubro, no IAB, técnicos da prefeitura apresentaram estes projetos como o “novo urbanismo”, isto é, uma nova maneira de projetar, em que não se pensa a cidade como um todo. Ora, não sabemos sequer quem está por trás desses projetos. Não existe um autor, ou dois, ou dez. Os projetos vão pipocando e temos feito um esforço enorme para, pelo menos, identificar alguns autores, e mesmo quando essa informação é solicitada, ela é negada. Há muitos interesses em jogo e grandes imobiliárias, grandes empresas e corporações que estão orquestrando isso.
Hoje, o Rio de Janeiro está numa situação invejável, devido ao alinhamento entre os poderes municipal, estadual e federal, e a uma série de eventos já confirmados, como a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos e até uma Olimpíada Gay. A revitalização da área portuária, proposta há trinta anos, está em vias de ser concretizada. Mas o primeiro projeto do Porto Maravilha, por exemplo, é uma pracinha com arco triunfal, quiosques e espelho d’água em pleno Píer Mauá. E como havia pressa, o próprio Secretário de Urbanismo, engenheiro Sérgio Dias, fez o projeto. Isso nós só ficamos sabendo agora. Mas é um exemplo de como as informações sobre os projetos para a cidade vão surgindo em um ritmo alucinante que ninguém consegue acompanhar, nem mesmo os vereadores que precisam aprovar ou não estes projetos.
Não estão sendo sequer cogitados concursos públicos de projetos de arquitetura. A não ser um, para o marco olímpico do Rio de Janeiro. O IAB foi convocado a organizar o concurso e o prefeito diz que o marco ficará, provavelmente, em cima de algum morro, como uma pira olímpica eterna. Isso mesmo: uma pira olímpica eterna!
É importante que isso ganhe uma dimensão que ainda não tem. A discussão não pode ser restrita ao Rio. Tem que ganhar uma dimensão nacional, afinal o Rio é uma cidade importante para o Brasil, um símbolo em vários sentidos. Não é um problema somente das pessoas que moram no Rio. As pessoas e a mídia de São Paulo têm que fazer seu papel. Todo mundo tem que se mobilizar. Afinal, estamos correndo o risco de que o pouco que resta de urbanidade nesta cidade seja destruído por esse processo avassalador. Nem estou entrando na questão mais qualitativa, embora eu devesse falar disso também. O argumento da “celeridade”, muito utilizado nos discursos da prefeitura, tem sido justificativa para tudo, mas a maneira como o futuro do Rio de Janeiro está sendo conduzido é assustadora.
A Revista de Domingo do jornal O Globo, por exemplo, convocou algumas pessoas, que ela chamou de “cidadãos do bem”, para apresentarem propostas para o Rio, numa dobradinha com os arquitetos, que desenharão essas ideias. E os arquitetos, ingenuamente, se submeteram a isso! É uma confusão absoluta: há uma grande incompreensão sobre a ideia de projeto. O que é um projeto? É um projeto de lei, uma ideia, ou um projeto de cidade? Então alguém propõe fazer uma calçada rolante ligando o MAM ao aeroporto; o outro propõe um trenzinho ligando o aeroporto ao Hotel Glória; ou seja, cada um tem uma ideia. Apresenta-se isso ao prefeito e ele vai comprando essas ideias. A gente não pode aceitar isso, mesmo porque estamos falando do Rio de Janeiro!
Vamos aproveitar a oportunidade para alavancar a arquitetura e o urbanismo no Rio de Janeiro e pensar a cidade. Tirar a cidade e a arquitetura feita aqui desse buraco. Mas para isso nós, professores, críticos, alunos, precisamos nos posicionar e nos mobilizar. Temos que entender que a discussão sobre a cidade não é uma discussão arquitetônica ou urbanística, exclusivamente. Há de se conversar com todos. Tenho ido até a audiências públicas na Câmara dos Vereadores. Converso com vereadores e secretários, procurando mobilizar e alargar essa discussão. Isso tudo para que a cidade permaneça minimamente habitável. Se as coisas continuarem a serem tocadas com essa irresponsabilidade, daqui a sete anos vamos acordar e só enxergaremos o Corcovado, porque o resto vai acabar.