No segundo semestre de 2011, a estudante brasileira Claudia Levy cursou como ouvinte livre a disciplina de projeto urbano do quinto ano em uma das maiores faculdades de arquitetura da França, a Ecole Nationale Supérieure d'Architecture de Paris La Villette. No semestre seguinte, já em 2012, estagiou no Ateliê Christian de Portzamparc. No mês de abril, sua amiga Helena Guerra, jovem cineasta, estava na Holanda participando de um conference tour programado pelo Consulado da Holanda no Brasil, aonde realizou vídeos para o portal Vitruvius (1).
Como a distância entre Paris e Amsterdam é de apenas 3 horas de trem, as duas pensaram que seria uma boa ideia fazer uma entrevista com Christian de Portzamparc. Durante as tratativas, decidiram realizar o trabalho dentro do projeto “Visita ao arquiteto”, cujo escopo é uma conversa com um arquiteto sobre projeto específico de sua autoria e que tem como primeiro produto um vídeo com Paulo Mendes da Rocha explicando a obra Cais das Artes em Vitória (2). A proposta de entrevista foi encaminhada ao escritório e prontamente aceita pelo arquiteto.
No dia 26 de abril, as jovens brasileiras rumaram para o 14eme Arrondisement de Paris. Após deixarem as bicicletas na Avenida René Coty e subirem uma linda escadaria de pedra que vence a topografia inclinada, chegam diante de uma porta onde se lê na caixa de correio: 1 rue de l’Aude, Atelier de Christian de Portzamparc. Descortina-se dali uma maravilhosa vista de Paris, mas o que mais impressiona é a edificação em si. Datada dos anos 1920, era originalmente casa e ateliê de um artista cego, que esculpiu pessoalmente o pequeno, pitoresco e labiríntico prédio de seis andares, que hoje abriga, no seu último pavimento, a sala do titular do escritório de arquitetura.
Contudo, Christian de Portzamparc pouco frequenta seu gabinete particular. É mais fácil encontrá-lo na rua, com uma mochila nas costas e um chapéu na cabeça, muitas vezes com seu cachorro, mas sempre apressado, indo de um estúdio para o outro, que estão distribuídos entre esta e outras quatro casas localizadas na rue des Artistes e rue Maurice Loewy. Dessa forma curiosa se comunica com aproximadamente 120 funcionários, resolvendo as milhares de encrencas dos projetos tocados por seu ateliê. Não é somente o chefe que transita entre as casas. Outros arquitetos e estagiários carregam maquetes pelo meio da rua, de um prédio para o outro. E são muitas as maquetes! A tarefa de dirigir este escritório, definitivamente, não é simples.
Uma característica interessante do escritório é o fato de não haver divisão entre os núcleos de criação e execução. Cada estúdio possui autonomia total, realizando o projeto do início ao fim. A equipe que ganha um concurso, por exemplo, vai necessariamente se ocupar do projeto executivo e se responsabilizar pela construção. Portzamparc entende que é uma forma de evitar o enfraquecimento do conceito inicial – do partido –, o que pode ocorrer muito facilmente em escritórios que dividem tarefas e o executivo é feito por uma equipe que não participou da concepção do projeto.
Ao retornar ao ambiente de trabalho e se deparar com desenhos de arquitetura e fotos das pessoas que lá trabalham penduradas na parede, Claudia se recordou da recente participação como estagiária no estúdio. Sua equipe era liderada pelo arquiteto Bertrand Beau, com o qual trabalhou diretamente, acompanhando de perto as decisões tomadas no avanço do projeto. Na política do escritório, o estagiário passa pelas diferentes escalas e acompanha os projetos em todas as suas etapas. Em toda sexta-feira acontece um bate-papo de duas horas, oportunidade para os estagiários esclarecerem dúvidas com o líder da equipe sobre os projetos, sobre a empresa, sobre Portzamparc, sua arquitetura, a vida... Cláudia presenciou interessantes discussões que tinham como tema a evolução do trabalho do arquiteto, sua luta contra o inchaço do escritório, as novas tecnologias, a modelização 3D, e como sua obra foi se alterando ao longo dos últimos 25 anos, desde que abriu o escritório. No período que esteve lá, Cláudia fez visitas de estudo à Cité de la Musique e ao quarteirão de Massena, para as quais foram convidados todos os estagiários, que receberam explicações de cada detalhe dos projetos. Conclusão: a atenção com o estagiário no escritório é admirável.
Sentadas na sala de maquetes enquanto aguardavam o momento da entrevista, Cláudia e Helena descobriram que Portzamparc havia retornado do Brasil no dia anterior, após uma ausência de duas semanas. Ele estava com infinitas coisas a resolver e cogitou desmarcar a entrevista. Por sorte, a arquiteta brasileira Tania da Rocha Pitta, formada na França e funcionária do escritório, explicou ao arquiteto que não havia outra data para a realização do encontro, pois Helena Guerra retornaria ao Brasil no final de semana e Claudia Levy não conseguiria sozinha realizar a entrevista em vídeo. Se não fosse naquela sexta-feira à tarde, a entrevista não seria mais possível!
Um pouco a contragosto, Portzamparc concordou em ir à frente com o compromisso. Um segundo antes do início da entrevista, ele recebeu uma ligação que o deixou radiante: o escritório tinha vencido mais um concurso. Graças à intervenção da Tania e o acaso do telefonema, a entrevista foi um sucesso! O arquiteto se dispôs a dar a entrevista em português – um português coloquial aprendido com sua esposa brasileira e nas diversas viagens ao Brasil. Como o combinado, falou somente do seu projeto no Rio de Janeiro, a Cidade da Música – ou Cidade das Artes, como passou a se chamar o complexo após recente inauguração. Sua detalhada explicação sobre os mais diversos aspectos do projeto pode ser acompanhada na entrevista em vídeo, mas uma afirmação feita antes do início da gravação merece menção: Christian de Portzamparc lamentou que o arquiteto Fernando Chacel, responsável pelo paisagismo do complexo, tenha falecido sem ter visto a obra terminada.
notas
1
Em breve estarão disponíveis na revista Projetos do portal Vitruvius.
2
GUERRA, Helena. Visite chez Paulo Mendes da Rocha. Cais das Artes, Vitória, Brasil, 2006. Projetos, São Paulo, 11.127, Vitruvius, ago 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/11.127/3990>.