Jaime Solares: Como se deu o processo de publicar livros sob selo próprio, de obras e do conjunto de projetos que vocês vêm desenvolvendo no escritório? Quando que deu essa vontade e por quê o senhor o fez?
Héctor Vigliecca: Pouca obra construída e muitos projetos feitos e guardados nas gavetas foram o ponto de partida. Poder tornar públicas nossas reflexões de 40 anos de trabalho é uma necessidade quase imperiosa. Não é possível que quase meio século de trabalho profissional fique apenas arquivado. No entanto, como trabalhamos principalmente com o poder público, e este dificilmente destina verba para livros sobre as obras dos arquitetos, decidimos então, produzir os livros em nosso escritório e com recursos próprios.
Além disso, somos procurados, com bastante frequência, por estudantes, pesquisadores e instituições na busca de material sobre nossos projetos e conceitos; sintetizar esse material e disponibiliza-lo em formato didático seria uma maneira de contribuir no âmbito acadêmico.
Todo projeto e desenvolvimento gráfico fazemos aqui no escritório. Montamos um pequeno setor de desenho dos livros e enfrentamos esse desafio, que não foi fácil. Dar nome ao selo editorial utilizando a expressão “La Mar en Coche” talvez tenha sido uma forma de se apropriar dessa “liberdade” para nos lançarmos a esse desafio; um esforço de investimento nosso, mas com total consciência de que não se ganha dinheiro com dois mil volumes; no entanto, ainda assim estamos satisfeitos. La Mar en Coche é uma expressão utilizada em países de língua espanhola que tem origem no início do século XX, época do surgimento do automóvel. Refere-se à ideia de que quem podia ir à praia de carro podia fazer qualquer coisa.
JS: Quais são, hoje, as suas principais referências em arquitetura no Brasil e no mundo?
HV: Não temos referências únicas quando fazemos uma obra. Nossa referência é a história da arquitetura, ou seja, qualquer coisa desde o Renascimento até aqui nos interessa. Ministro aulas em universidades nas quais mostro nossos projetos e nossos referenciais, que são atemporais. Nelas, procuramos sabedorias e não questões formais ou estéticas.
JS: É recorrente em suas obras o uso de diferentes tipos de materiais, além de uma grande atenção ao detalhe, naquilo que o arquiteto italiano Vittorio Gregotti entende do termo, ou seja, a articulação o dos diferentes tipos de materiais. Como o senhor pensa o material em sua obra?
HV: Não fazemos arquitetura em função de um material novo. A definição do material faz parte da condição de um tipo de projeto e da interpretação de uma condição peculiar. O Sesc Nova Iguaçu, por exemplo. Ele está localizado em uma área industrial e cercado por áreas habitacionais de arquitetura muito simples. Dessa condição especifica surgiu a ideia de fazer um grande conjunto de interesse social e coletivo acessível à compreensão da população geral. Usamos o tijolo tradicional, o telhado de duas águas. Esses elementos são escolhidos a partir da interpretação de uma condição local e de um uso social muito importante que é tradição do Sesc. Isso funcionou muito bem. Aos finais de semana, o Sesc fica pequeno, pois chegam a ir oito, 10 mil pessoas. Na época da inauguração, era a praia da cidade, com piscina de 5 mil metros quadrados, foi um sucesso e continua sendo.
JS: O senhor desenvolve o conceito de “hipótese de cidade”, tanto que esse é o nome de um de seus livros. O senhor acredita que a arquitetura brasileira hoje é capaz de formular uma hipótese de cidade, ou ainda estamos muito voltados ao projeto de arquitetura enquanto “design”, enquanto objeto isolado?
HV: Sim, acredito. Existe uma tendência que a arquitetura se transforme em um objeto de design. Nós consideramos arquitetura como outra coisa, como modo de construir cidade. Quando não se tem cidade, se tem a paisagem, a topografia. Então se trata de como você se integra a essa condição pré-existente, e não trata arquitetura como um objeto que está totalmente isolado, apesar de eu não ser contra o objeto isolado. Existem só duas maneiras de se enfrentar a arquitetura: como objeto isolado ou como objeto integrado. Esse conceito já está estabelecido desde as construções primitivas, o Trílito e o Cromlech,que são duas formas de se estabelecer o espaço. Então tudo é possível, a questão maior é saber se você está usando a solução exata naquela condição, naquela problemática. Quando estou fazendo uma casa, não estou pensando nela como objeto de arte; quando estou fazendo cidade, muito menos.